Em entrevista, Theotonio dos Santos
avalia os processos de integração na América Latina, fala sobre a relação com a
China e alerta para a ameaça da Aliança do Pacífico.
Osvaldo León, Agencia Latinoamericana de Información
No ato de abertura do VIII Fórum da
Associação Mundial de Economia Política, no final de maio deste ano, o
cientista social brasileiro Theotonio dos Santos foi homenageado com o Prêmio
Economista Marxista 2013, que esta entidade outorga desde o ano de 2011, como
reconhecimento de sua extensa produção intelectual, que tem como um dos eixos a
“Teoria da Dependência”, tendo em vista que participou na sustentação inicial
dela.
Veja a seguir a entrevista de
Osvaldo León, publicada pela Agencia Latinoamericana de Información e traduzida
pelo Cepat. Com o cientista político Theotonio dos Santos.
THEOTONIO DOS SANTOS |
OSVALDO LEÓN,
AGENCIA LATINOAMERICANA DE INFORMACIÓN - Nos últimos dias
do mês de março, você esteve na China, atendendo aos convites da Academia
Chinesa de Ciências Sociais, e na de Xangai. O que você pode nos dizer sobre as
expectativas desse país em relação à América Latina?
THEOTONIO DOS SANTOS - A China tem um interesse muito grande
pela América Latina porque é uma fonte de matérias-primas, o que para ela é
fundamental. Nos anos 1990, também buscaram estabelecer acordos de cooperação
tecnológica, especialmente com o Brasil. Entre 1994 e 1995, finalmente se
concretizou um na questão espacial, mas o Brasil não cumpriu grande parte do
acordo. A China neste campo conseguiu um desenvolvimento colossal, enquanto que
o Brasil não conseguiu enviar nenhum foguete ao espaço. Então, esta cooperação
não avançou muito. Agora, eles pensam muito na América Latina para chegarem a
acordos regionais e já propuseram uma reunião regional...
OSVALDO LEÓN,
AGENCIA LATINOAMERICANA DE INFORMACIÓN - Com a Celac
(Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos)?
THEOTONIO DOS SANTOS - Não tanto com a Celac, porque foi
formada recentemente, mas certamente agora irão efetivar. O interesse manifesto
é, especialmente, em relação ao Mercosul e a Unasul. Eles querem chegar a
acordos mais amplos, pois estão trabalhando com escalas de produção muito
grandes, mas nossas comitivas, que vão até lá, levam empresários que não
conhecem a China, que não sabem o que podem fazer, o que para eles significa
muita perda de tempo, sendo que esperam que seja possível fazer acordos
regionais, porque estão acostumados a operar assim. Então, o problema é que nós
não temos uma articulação regional para fazer boas propostas com eles, mas,
agora, acredito que a Unasul irá buscar criar condições para esses tipos de
acordos, e para os chineses será mais fácil negociar com a Unasul.
OSVALDO LEÓN, AGENCIA LATINOAMERICANA DE INFORMACIÓN - De
fato, caso se estabeleça uma negociação em bloco, há melhores condições do que
se cada país segue seu caminho...
THEOTONIO DOS SANTOS - Claro que sim. Podemos dizer, por
exemplo, nós não queremos mais exportar matéria-prima pura, queremos exportar,
mas com um importante valor agregado. Em alguns casos, pode-se chegar,
inclusive, a acordos com eles, pois se nós não temos as condições técnicas para
fazer isso, acredito que eles estarão dispostos a transferir tecnologia para
nós. Algumas pessoas dizem que os chineses estão nos obrigando a vender
matéria-prima, não é assim, não estão nos obrigando a vender matéria-prima,
pois os chineses, basicamente, compram dos Estados Unidos produtos
industrializados, compram da Europa e Japão produtos industrializados, já que
possuem necessidade de produtos industrializados.
Pois bem, como nós não temos
produtos industrializados, possuem todo o interesse em comprar a matéria-prima,
mas não fazem tanta questão de agregar valor, porque eles estão trabalhando
muito em investimentos de alta tecnologia, etc. De imediato, os produtos que
podemos oferecer são, digamos, em vez de vender ferro, vender aço, talvez algo
de metalurgia, etc. O Brasil poderia, por exemplo, fazer isto sem muito
problema. Então, são essas coisas que temos condições de vender agora, mas com
o tempo podemos agregar mais valor.
Fizeram um acordo com a Venezuela
para adquirir petróleo e vão entregar 17 acordos, já entregaram um hospital
completo, com altíssima tecnologia. Este foi um acordo de bloco, no qual a
Venezuela vai garantir uma cota de petróleo muito importante, talvez com uma
cota de exportação maior do que a que vai para os Estados Unidos. De modo que
para a China será muito importante ter uma fonte definida, em longo prazo, neste
caso o petróleo, mas se a Venezuela tivesse condições de exportar petroquímica,
acredito que não seria tão dramático para eles.
A China está numa etapa de
industrialização, em que competir por estas fases iniciais de industrialização
não é tão importante para eles. Claro que importa, mas caso seja a condição
para que obtenha uma série de produtos, que a região pode oferecer e que ela
necessita, terá que aceitar as condições. Não vejo como ela pode deixar de
aceitar. Além disso, nós temos que fazer isso de um modo geral, não apenas com
a China.
OSVALDO LEÓN, AGENCIA LATINOAMERICANA DE INFORMACIÓN - Isto
é factível com os Estados Unidos e a Europa?
THEOTONIO DOS SANTOS - Os Estados Unidos têm dificuldades de
fazer negociações tão gerais, mas também pode-se impor para eles. Os europeus
gostariam de trabalhar com o Mercosul, em um nível mais regional, e de chegar a
acordos mais gerais, mas, nas negociações, o Brasil, com o apoio dos outros
países, apresentou uma questão difícil: que deixem de subsidiar sua
agricultura, e aí há um problema de segurança alimentar, que nós, aqui, podemos
entregar com certa facilidade, mas pessoas que tiveram várias guerras e que
sabem o que é não ter alimentos em sua própria nação e precisar importá-los, em
situação de guerra, sabem muito bem que isto é uma coisa muito grave. Então, não
sei se a Europa irá aceitar, vejo que é muito difícil que deixem de subsidiar
sua produção agrícola.
Com os Estados Unidos é a mesma
coisa. O Brasil também quer que abandonem esse subsídio, e o Mercosul apoiou um
pouco essa ideia, mas não acredito que irão deixar de fazer, porque, se assim
procedem, a produção será zero, pois é muito cara a produção agrícola nesses
países, realmente não são competitivos. No caso do Japão, inclusive, concebem
que não podem perder a tecnologia agrícola de tipo campesina, etc, pois
significaria perder todo um conhecimento que é muito importante; o mesmo está
acontecendo agora com a indústria, como também conservaram os artesãos, já que
possuem esse sistema de tesouros nacionais que são os grandes artesãos, os
grandes atores de teatro, porque é uma forma de conhecimento e uma prática que,
quando eliminada totalmente, perde-se toda uma conexão histórica muito
importante. Agora, com a indústria está acontecendo isso.
Com efeito, como a
indústria está saltando à robótica e está desaparecendo a indústria, em muitos
setores, eles estão criando sistemas para que também se possa conservar a
produção industrial, com o sentido de que não podemos perder toda uma era
econômica, que desapareça assim. Assim, não acredito que essas pessoas aceitem
essa ideia de não subsidiar, de livre-comércio. Eles querem o livre-comércio
para os outros, não para eles. Os outros, sim, não podem subsidiar, mas eles
sim.
OSVALDO LEÓN, AGENCIA LATINOAMERICANA DE INFORMACIÓN - Como
você avalia os processos de integração, atualmente, em curso na América Latina?
THEOTONIO DOS SANTOS - A região precisa se integrar.
Primeiro, por uma questão muito importante: em todo nível as escalas de
produção contam. As novas tecnologias, que estão se desenvolvendo massivamente,
exigem escalas de produção muito grandes, então, se você não tem um mercado local
e regional, que garanta esse mercado, é muito difícil ter competitividade em
qualquer produto. Os chineses, por exemplo, tem um mercado interno muito
grande, mas, apesar disso, em certos produtos, para poder desenvolvê-los,
precisam ser pensados em termos planetários, e para isso é preciso estar na
ponta da ponta. De modo que isso obriga a região a buscar a integração, o
caminho é a integração, e não há dúvida de que temos avançado bastante. Por
exemplo, em muito pouco tempo o comércio do Brasil com o mercado
latino-americano cresceu de quase 0,2% para mais de 20%, nota-se que havia um
potencial de crescimento enorme, paralisado pela falta de políticas de
integração.
Agora, está se tomando consciência
da necessidade de intervir em infraestrutura, por exemplo, em matéria de
transportes, porque tudo está orientado para os Estados Unidos e a Europa. Os
investimentos em infraestrutura são relativamente grandes, mas existe um
excedente financeiro muito alto na região, que caso seja bem aplicado, pode se
desenvolver internamente, sem necessidade de ajuda internacional.
Do ponto de vista cultural, o
avanço foi pequeno, embora existam muitas iniciativas que estão surgindo. A
Telesur conseguiu entrar em quase toda a região, mas não no Brasil. No plano
cultural, há sinais importantes, há iniciativas de encontros. No plano
universitário, que deveria ser muito mais amplo, não se conseguiu prosperar na
região, como na questão do reconhecimento de títulos. E o que a Unasul está
propondo é muito mais do que isso: concebe que cheguemos a ter estratégias
conjuntas e, quem sabe, isso permita dar o salto. Seria um erro profundo não
entender isto, embora, infelizmente, nossa classe dominante historicamente não
demonstrou uma grande capacidade de buscar soluções dentro da região, confiando
que seu papel subordinado na economia mundial é o melhor que possa fazer.
Algumas pessoas ganharam muito com isso, as comissões da dívida, por exemplo,
foram fantásticas e criou aí uma gigantesca burguesia compradora do setor
financeiro. Companheiros, que eram professores, meteram-se no governo, entraram
nesses acordos, obtiveram suas comissões, e hoje são banqueiros. E isso não
aparece como corrupção.
Neste momento, há uma tentativa do
que poderíamos chamar um novo “progressismo”, que aceita que é preciso permitir
que haja certos avanços e, inclusive, de promovê-los, eventualmente, para
ganhar um espaço histórico amplo. E é assim que governos de direita falam de
distribuição da renda, de preocupação com o meio ambiente, enfim, com a ideia
de fazer concessões para evitar uma radicalização muito grande, e para eles a
integração é parte de um processo desse tipo.
OSVALDO LEÓN, AGENCIA LATINOAMERICANA DE INFORMACIÓN - Neste
contexto, como você vê a Aliança do Pacífico?
THEOTONIO DOS SANTOS - O que é que o governo dos Estados
Unidos pode oferecer aos países da área do Pacífico? O comércio com os Estados
Unidos. Parte da crise deste país é que registra um superávit comercial, pois
importa muito mais do que exporta, e isso tem a ver com a valorização do dólar,
por isso está desvalorizando o dólar para aumentar as exportações e está
conseguindo. Em tais condições, os países que entram em tal associação não
fazem acordos entre eles, fazem acordos de cada um deles com os Estados Unidos,
isso não é integração. E mais, cada um deles, na relação com Estados Unidos,
será convertido em deficitário.
Veja o Brasil, por exemplo, tem um
superávit, sobretudo, com a China, mas tem déficit com os Estados Unidos que,
inclusive, está comprometendo o superávit no Brasil. A relação com os Estados
Unidos tende a ser deficitária. Parece que os Estados Unidos estão ganhando
mercados no Japão, mas o Japão também está muito preocupado em manter um
superávit, não vejo que o Japão se comprometa numa política que o leve a uma
posição deficitária. Em todo caso, é evidente que é importante a relação com a
Ásia, mas a Ásia significa China, Índia, que não estão no projeto. Então,
trata-se de uma proposta para que se coloquem a serviço dos Estados Unidos. De
modo que considero que se trata de uma aventura, e os países que se embarcarem
irão num sentido contrário à integração, sem poder, inclusive, dizer isto, pois
seria o cúmulo do erro político e seus povos não aceitariam, porque a ideia de
integração é majoritária. Então, por aí, não vejo muito futuro.
Theotonio dos Santos - Formado em economia, sociologia e ciência
política, este professor emérito, da Universidade Federal Fluminense e
coordenador da Cátedra e Rede UNESCO-ONU de Economia Global e Desenvolvimento
Sustentável (Reglen), participou da Conferência da União de Nações
Sul-Americanas sobre “Recursos Naturais para um Desenvolvimento Integral da
Região”, realizada entre 27 e 30 de maio, que ocorreu em Caracas, Venezuela,
onde aconteceu a entrevista acima.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/13257
17/06/2013
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