
Comitê técnico da Unesco condenou
viaduto gigante construído no mar, mas assembleia vai avaliar o caso apenas em
2015, quando obra já estará pronta.
Ana Caroline Castro, da A Pública
“São mais de 340 anos de história
perdidos. O dano visual é horrível, o horizonte do Golfo do Panamá se perdeu,
não se vê mais a península”, lamenta Hildegard Vasquez, presidente da Fundación
Calicanto, uma organização que tem como missão a proteção do patrimônio
histórico e humano do Panamá.
A arquiteta se refere ao viaduto de
seis pistas com 2,8
quilômetros de extensão que rasga o mar em frente à
península do bairro histórico de Casco Antiguo, na capital do país, tombado em
1997 como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. A obra, da empreiteira
brasileira Odebrecht, faz parte da nova rede viária do Panamá, a Cinta Costera,
contratada por cerca de 1 bilhão de dólares – dos quais US$ 780 milhões foram
para o viaduto que interliga duas avenidas fazendo a conexão da parte sul da
Cidade do Panamá para as pontes que levam às cidades-dormitórios.
Licitado em 2010, o projeto previa
um túnel, e não um viaduto, que pouparia a belíssima e histórica paisagem de
Casco Antiguo, uma enseada estreita protegida naturalmente por rochas,
reforçadas pelos espanhóis que para ali se mudaram depois que o primeiro
assentamento na baía do Panamá, o Panamá Viejo, foi destruído por piratas em
1671. Vencida a licitação, porém, a Odebrecht substituiu o túnel previsto pelo
Viaduto Marinho, que vai de uma ponta a outra da enseada, formando uma muralha
entre o bairro histórico e o mar do Golfo do Panamá. Atualmente, mais de 60% da
obra está concluída.
Cerca de 14 entidades civis, entre
elas a Calicanto, organizaram uma frente chamada “Orgullo” para lutar pela
suspensão do viaduto que, além de por em risco um patrimônio da humanidade,
“viola as normas de contratação pública”, segundo o advogado Félix Wing, do
Orgullo, especialista em direito ambiental e internacional. De acordo com ele,
as leis panamenhas não permitem modificar uma obra já licitada se as
alternativas não estiverem explicitadas na licitação, e a obra “retira de Casco
Antiguo a sua relação intrínseca com o mar e o entorno e impacta negativamente
a dinâmica das ondas, das marés e da corrente marítima, que são cruciais para
garantir o futuro do saneamento natural da baía de Panamá”.
Na última semana de junho, durante
a 37° Assembleia do Comitê de Patrimônio Mundial da UNESCO, em Phnom Penh, no Camboja,
que reuniu representantes de 101 países para discutir a situação dos sítios
protegidos Atualmente 981 propriedades em 160 diferentes países/nações, das
pirâmides do Egito ao Parque Nacional do Iguaçu, no Brasilm, fazem parte da
lisat d a atualmente 981 propriedades em 160 diferentes países/nações, das
pirâmides do Egito ao Parque Nacional do Iguaçu, no Brasilm, fazem parte da
liste Atualmente 981 propriedades em 160 diferentes países/nações, das
pirâmides do Egito ao Parque Nacional do Iguaçu, no Brasilm, fazem parte da
lisat d e analisar novos pedidos de inclusão na lista de Patrimônio Mundial, o
debate ganhou proporções internacionais com a tentativa de inclusão do sítio
arqueológico Casco Antiguo – Panamá Viejo na lista de patrimônios em risco, o
que ocorre quando o governo de um país não cumpre a obrigação de proteger o
patrimônio tombado.
O motivo é justamente a polêmica obra, como explicita o
documento oficial elaborado pelo comitê técnico da UNESCO para a ocasião:
“O Centro do Patrimônio Mundial e
os Órgãos Consultivos ressaltam os impactos visuais negativos do Viaduto
Marinho, que irá transformar o cenário do Centro Histórico. Eles observam ainda
que o viaduto tem uma estrutura muito forte, com um alto impacto visual, que
não se integra harmoniosamente com o distrito histórico e estabelece um
contraste indesejável no que diz respeito ao seu contexto marítimo” .
“As alternativas ao viaduto não
foram suficientemente exploradas e a construção já começou, sem permitir que o
Comitê do Patrimônio Mundial tivesse tempo de avaliar e identificar as
possíveis recomendações”, afirma o mesmo documento. E prossegue: “Dado o atual
grau e extensão de impactos negativos sobre o valor excepcional universal da
propriedade, derivados da construção do Viaduto Marinho, e do estado de
conservação do prédio histórico, o Patrimônio Mundial e os Órgãos Consultivos
afirmam que o Comitê deve inscrever esta propriedade (Casco Antiguo-Panamá
Viejo) na lista de Patrimônio Mundial em Perigo”.
Mas, embora o corpo técnico tenha
decidido contra a obra, a Assembleia decidiu, por voto, não incluir o marco
histórico na lista negra da UNESCO. O Comitê do Patrimônio Mundial, porém, fez
diversas recomendações ao governo panamenho, entre elas a visita de um grupo de
técnicos da UNESCO e do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios para
avaliar a situação até fevereiro de 2015, quando o Comitê irá avaliar novamente
se deve incluir ou não Casco Antiguo-Panamá Viejo na lista de Patrimônio em
Risco.
Prejuízos ambientais e
disputas judiciais
Em cumprimento à lei panamenha, o
Ministério de Obras Públicas fez um estudo de impacto ambiental da construção
do viaduto em que reconhece entre os possíveis impactos ambientais provocados
pela obra a contaminação da água do mar pelo manejo inadequado de resíduos e
pelo derrame acidental de combustíveis e graxas; o transporte e acumulação de
sedimentos; a contaminação do ar por ruído, pó e emissão de gases pelos
veículos; a perda do cenário e paisagem natural e riscos ao patrimônio
subaquático.
O governo panamenho, porém, liberou
a obra, anunciada como a grande solução para o problema de tráfego. Segundo o
Ministério de Obras Públicas, o túnel previsto no projeto licitado era apenas
“uma referência básica de design”, e a empresa ganhadora poderia apresentar um
novo projeto, desde que mais barato – o projeto atual custa US$ 103 milhões a
menos que o previsto. “Além da construção, a manutenção também fica mais em
conta do que a opção do túnel”, explicou o ministério em uma nota oficial, que
prossegue: “A ponte marinha, além de constituir-se na solução viária mais
eficiente, oferecerá novos espaços e cenários de uso público que redundarão em
benefícios econômicos, sociais e culturais para todos os panamenhos”.
Um benefício que é rechaçado pelos
moradores de Casco Antiguo, como Patrizia Pinzón, presidente da Associação de
Vizinhos e Amigos de Casco Antiguo: “Vão alterar as marés, aumentar a poluição
com as fumaças dos carros, o barulho, colocam em perigo o Patrimônio da
Humanidade e isso não vai resolver o problema do trânsito: é só um jeito mais
rápido de chegar a uma ponte que já está super congestionada”, diz.
O documento técnico da Unesco
destaca o mesmo problema apontado por Patrícia: “Não há justificativas
fundamentadas que indiquem que o viaduto vai trazer soluções de longo prazo de
maneira eficaz e, sobretudo, de forma sustentável para essas questões de trânsito”
À Pública, a Odebrecht
informou através da sua assessoria que “igual a todos os projetos que realizam,
com o Projeto Cinta Costera 3,
a empresa cumpriu totalmente a lei panamenha e as
disposições das autoridades do país”. Além disso, a empresa afirma que “até
onde tivemos conhecimento, nenhuma organização apresentou denúncia diante das
autoridades correspondentes sobre essas supostas violações da lei”.
Não é o que dizem as pessoas
contrárias às obras. A Fundação Calicanto apresentou uma demanda no Tribunal
Administrativo de Contratações Públicas pedindo a anulação da licitação que a
Odebrecht ganhou para construir a fase três do Cinta Costera. O pedido foi
negado e o advogado Ramón Arias, que faz parte do escritório que protocolou a
interpelação, entrou com recurso na Suprema Corte Federal reafirmando o pedido
de cancelamento da licitação.
No documento, ao qual a Pública
teve acesso, são levantados 22 considerações contrárias a obra, alegando
essencialmente que a licitação contrariou normas e leis panamenhas de proteção
ao patrimônio e de contratos públicos. As considerações 13° e 14°, por exemplo,
afirmam que “por se tratar de um projeto que será construído dentro do Conjunto
Monumental Histórico de Casco Antiguo na cidade do Panamá, os documentos que formam
a licitação deveriam estar sujeitos a legislação protetora deste sítio
histórico, o que não ocorreu.
A entidade licitante, neste caso, o Ministério de
Obras Públicas não percebeu que a alternativa opcional que é dada na licitação
aos proponentes é ilegal, já que a normativa proíbe expressamente os aterros ou
corredores marítimos construídos fora da muralha da cidade do Panamá”.
Essa apelação, que segundo Arias
“nunca foi levada adiante pela Suprema Corte”, foi feita antes do anúncio da
construção do viaduto, quando o único documento público sobre a obra era o
contrato firmado entre a Odebrecht e o MOP em que se previa a construção de um
túnel, mas que deixava aberta a opção da empresa escolher outra obra mais
barata, com menor custo de manutenção.
Também há diversos questionamentos
levantados por membros do “Orgullo” e por advogados, no Ministério de Finanças,
no Instituto Nacional de Cultura, no Ministério de Obras Públicas. Nenhum deles
obteve alguma resposta favorável.
Conflito de interesses
Desde 2008 o Comitê do Patrimônio
Mundial vem expressando sua preocupação com o estado de conservação do sítio
arqueológico Casco Antiguo – Panamá Viejo: “São diversos prédios históricos em
deterioração, conflitos de interesse sobre o uso, administração e conservação
da área, deficiência na implementação de uma lei para proteger o local,
demolições ao redor, retirada forçada de ocupantes e posseiros do local”, diz o
relatório daquele ano.
Em 2009 uma missão da entidade
avaliou que as obras da Cinta Costera – então em fase inicial – haviam sido
feitas “sem a realização de estudos de impacto ambiental ou de dano ao
patrimônio”, e pior, “sem informar o Comitê do Patrimônio Mundial” – os locais
tombados pela Unesco passam a “pertencer a toda Humanidade” e os países são obrigados
a relatar os eventos que se referem a cada sítio.
Além disso, a missão observou que a
Fase 3 do projeto – a construção do viaduto pela Odebrecht – poderia ter um
impacto sobre o sítio Casco Antiguo-Panamá Viejo e pediu ao Panamá a
apresentação de um relatório final, incluindo a análise e monitoramento dos
impactos. Desde então, os repetidos relatórios entregues pelo governo panamenho
foram considerados insuficientes pelo corpo técnico do órgão.
Por isso, os ativistas que lutam
pela proteção do patrimônio, revoltaram-se com a decisão da Assembleia da
UNESCO de não incluir o sítio arqueológico panamenho entre os patrimônios em
risco. “Quem mais perde com isso, fora as pessoas de Casco, é a UNESCO. Que
credibilidade eles vão ter? O documento deles pode dizer qualquer coisa, mas
não muda a realidade. O fato é que o viaduto está quase pronto e eles poderiam
ter impedido isso”, diz Patrizia Pinzón.
Durante a preparação da Assembléia,
o grupo “Orgullo” enviou cartas, documentos e fotografias para denunciar os
problemas com as obras a cada um dos delegados oficiais, bem como Ban Ki-moon,
secretário-geral da ONU. O governo panamenho – que não tinha direito a voto na
Assembleia – levou para a reunião da UNESCO uma delegação de 13 pessoas – uma
das maiores presentes no evento. Havia representantes do Patrimônio Histórico
do Panamá, o ministro das relações exteriores, da Oficina Casco Antiguo, de
consultorias e do Instituto Nacional de Cultura.
Entre eles, também, havia dois
funcionários e um consultor da Odebrecht. Yuri Kertzman, diretor do Projeto
Cinta Costera, Helio Boleira, diretor sênior da empresa e Juan Herreros,
consultor externo de arquitetura, aparecem na lista oficial da UNESCO como
sendo membros do Instituto Nacional de Cultura.
Em nota à Pública, a empresa
brasileira admitiu que seus três representantes estiveram na delegação do
Panamá, a convite do Instituto Nacional. Todos os gastos, segundo a nota, foram
pagos pela Odebrecht. Na lista oficial do evento, porém, eles não são
assinalados como enviados da Odebrecht.
A delegação panamenha também contou
com a ajuda da delegação do Brasil, de acordo com a imprensa do Panamá. Segundo
jornais, a delegação brasileira apresentou um projeto de um documento com
modificações ao estipulado pelo Comitê, evitando a inclusão de Casco Antiguo na
lista de Patrimônio em
Risco. O Itamaraty não respondeu aos pedidos de explicação da
Pública.
“Com essa decisão de não colocar
Casco Antiguo-Panamá Viejo na lista de Patrimônio em Risco, ficou evidente que
a discussão do Comitê de Patrimônio Mundial da UNESCO é política e não
técnica”, acusa o advogado Félix Wing. “ São os governos que tomam as decisões
e eles decidem pensando que provavelmente, em um futuro não distante, tomarão
medidas parecidas e seus pares irão devolver o favor. O que é sumariamente
deplorável”.
Odebrecht no Panamá: US$
4,5 bilhões em obras
Segundo o relatório anual da
Odebrecht, a América Latina e Caribe já são a segunda área no volume de
negócios da empresa, representando 20% do total, com um faturamento US$ 7,3
bilhões apenas em 2011.
Em nota para a Pública, a
Odebrecht afirmou que está no Panamá desde 2004, tendo participado de
licitações e ganhado contratos como a construção do Sistema de irrigação
Remigio Rojas, a Concessão da Estrada Madden-Colón, o Saneamento da Cidade e da
Baía do Panamá, a Renovação Urbana de Curundú, além do primeiro Metrô do país,
na cidade do Panamá e a expansão do Aeroporto Internacional de Tocumen. A
presença da empresa cresceu vertiginosamente durante o governo de Ricardo
Martinelli, do partido Cambio Democrático, no cargo desde 2009.
Segundo o diário La Prensa, a Odebrecht foi
selecionada em todas as grandes licitações do governo de Martinelli, além das
obras de extensão da estrada Panamá-Colón – esta, sem licitação. O diário
afirma que a Odebrecht conseguiu contratos de US$ 4,28 bilhões com o governo
panamenho desde que chegou ao país.
A Odebrecht não divulga os valores
de seus contratos por país e nem por projetos.
Em maio de 2011, o ex-presidente Lula
viajou ao país a convite da Odebrecht, onde participou de um jantar oferecido
pelo diretor da empresa ao lado de Martinelli e os ministros da Economia, Obras
Públicas e Assuntos do Canal. Durante a visita, Lula participou da inauguração
da primeira etapa da Cinta Costera ao lado de ministros e do presidente
panamenho. Segundo a empreiteira, “assuntos de interesse da Odebrecht não
constaram da pauta dos encontros” de Lula.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13461
05/07/2013
Fotos: Roberto Quintero
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