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domingo, 31 de março de 2013

MARÇO DE 2013 SERÁ UM MARCO, SIM SENHOR!


Iniciamos a nossa peleja neste 31 de março de 2013  falando a respeito da Páscoa.Pois, é uma data emblemática para vários povos do mundo inteiro.

Contudo, a nossa verdaeira intenção em estar diante deste computador a essa hora da noite, sou sincero a dizer, não  é somente pelo fato de ser um domingo pascal.

Pelo contrário, outros assuntos mais instigantes me movem, inicialmente diria que é  instigar os nossos internautas a fazer uma reflexão a respeito do que aconteceu neste  mês de março. Por isso meu caro amigo e minha cara amiga boa leitura e boa páscoa.
  
O SIGNIFICADO DA PÁSCOA...
"A Páscoa é uma festa cristã que celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Depois de morrer na cruz, seu corpo foi colocado em um sepulcro, onde ali permaneceu, até sua ressurreição, quando seu espírito e seu corpo foram reunificados. É o dia santo mais importante da religião cristã, quando as pessoas vão às igrejas e participam de cerimônias religiosas. 

Muitos costumes ligados ao período pascal originam-se dos festivais pagãos da primavera. Outros vêm da celebração do Pessach, ou Passover, a Páscoa judaica.

É uma das mais importantes festas do calendário judaico, que é celebrada por 8 dias e comemora o êxodo dos israelitas do Egito durante o reinado do faraó Ramsés II, da escravidão para a liberdade. Um ritual de passagem, assim como a "passagem" de Cristo, da morte para a vida. 

No português, como em muitas outras línguas, a palavra Páscoa origina-se do hebraico Pessach. Os espanhóis chamam a festa de Pascua, os italianos de Pasqua e os franceses de Pâques.
Nossos amigos de Kidlink nos contaram como se escreve "Feliz Páscoa" em diferentes idiomas. Assim: 



 
A festa tradicional associa a imagem do coelho, um símbolo de fertilidade, e ovos pintados com cores brilhantes, representando a luz solar, dados como presentes. 

A origem do símbolo do coelho vem do fato de que os coelhos são notáveis por sua capacidade de reprodução. Como a Páscoa é ressurreição, é renascimento, nada melhor do que coelhos, para simbolizar a fertilidade!
 
VAMOS VER AGORA COMO SURGIU O CHOCOLATE...
 
Quem sabe o que é "Theobroma"? Pois este é o nome dado pelos gregos ao "alimento dos deuses", o chocolate. "Theobroma cacao" é o nome científico dessa gostosura chamada chocolate. Quem o batizou assim foi o botânico sueco Linneu, em 1753. 

Mas foi com os Maias e os Astecas que essa história toda começou.
O chocolate era considerado sagrado por essas duas civilizações, tal qual o ouro.

Na Europa chegou por volta do século XVI, tornando rapidamente popular aquela mistura de sementes de cacau torradas e trituradas, depois juntada com água, mel e farinha. Vale lembrar que o chocolate foi consumido, em grande parte de sua história, apenas como uma bebida. 

Em meados do século XVI, acreditava-se que, além de possuir poderes afrodisíacos, o chocolate dava poder e vigor aos que o bebiam. Por isso, era reservado apenas aos governantes e soldados.
Aliás, além de afrodisíaco, o chocolate já foi considerado um pecado, remédio, ora sagrado, ora alimento profano.

 Os astecas chegaram a usá-lo como moeda, tal o valor que o alimento possuía. 

Chega o século XX, e os bombons e os ovos de Páscoa são criados, como mais uma forma de estabelecer de vez o consumo do chocolate no mundo inteiro. É tradicionalmente um presente recheado de significados. E não é só gostoso, como altamente nutritivo, um rico complemento e repositor de energia. Não é aconselhável, porém, consumí-lo isoladamente. Mas é um rico complemento e repositor de energia.
 
E O COELHO?
 
A tradição do coelho da Páscoa foi trazida à América por imigrantes alemães em meados de 1700. O coelhinho visitava as crianças, escondendo os ovos coloridos que elas teriam de encontrar na manhã de Páscoa. 

Uma outra lenda conta que uma mulher pobre coloriu alguns ovos e os escondeu em um ninho para dá-los a seus filhos como presente de Páscoa. Quando as crianças descobriram o ninho, um grande coelho passou correndo.

 Espalhou-se então a história de que o coelho é que trouxe os ovos. A mais pura verdade, alguém duvida? 

No antigo Egito, o coelho simbolizava o nascimento e a nova vida. Alguns povos da Antigüidade o consideravam o símbolo da Lua. É possível que ele se tenha tornado símbolo pascal devido ao fato de a Lua determinar a data da Páscoa. 

Mas o certo mesmo é que a origem da imagem do coelho na Páscoa está na fertililidade que os coelhos possuem. Geram grandes ninhadas!
 
MAS POR QUE A PÁSCOA NUNCA CAI NO MESMO DIA TODO ANO? 

O dia da Páscoa é o primeiro domingo depois da Lua Cheia que ocorre no dia ou depois de 21 março (a data do equinócio).

 Entretanto, a data da Lua Cheia não é a real, mas a definida nas Tabelas Eclesiásticas. (A igreja, para obter consistência na data da Páscoa decidiu, no Conselho de Nicea em 325 d.C, definir a Páscoa relacionada a uma Lua imaginária - conhecida como a "lua eclesiástica"). 

A Quarta-Feira de Cinzas ocorre 46 dias antes da Páscoa, e portanto a Terça-Feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa. Esse é o período da quaresma, que começa na quarta-feira de cinzas. 

Com esta definição, a data da Páscoa pode ser determinada sem grande conhecimento astronômico. Mas a seqüência de datas varia de ano para ano, sendo no mínimo em 22 de março e no máximo em 24 de abril, transformando a Páscoa numa festa "móvel". 

De fato, a seqüência exata de datas da Páscoa repete-se aproximadamente em 5.700.000 anos no nosso calendário Gregoriano. " In: Fonte:http://wwwusers.rdc.puc-rio.br

           Bem! Depois, desta breve introdução pascal vamos ao que realmente me fez sentar diante do meu brinquedinho inseparável, diga-se o computador.

“O Estudo do passado não é um guia seguro para predizer o futuro. Poderíamos dizer que o conhecimento do passado nos prepara para o futuro, expandindo nossa experiência, fazendo com que possamos aumentar nossas habilidades, nossa energia e se tudo for bem, nossa sabedoria.” (Gaddis: 1988 p. 26). Essa afirmação feita por Gaddis nos faz refletir a respeito do homem, do tempo, da história e, porque não, a vida?

            E desta forma, ancorar a nossa busca na desconstrução desta sociedade preconceituosa, discriminatória e patriarcalista. Em linhas gerais, pensarmos em um ensino aprendizagem que sejamos capazes de ter atitude, de identificar, de questionar, e acima de tudo ser agente construtor de uma sociedade onde os seres humanos sejam valorizados e respeitados. Neste sentido, alguns meses no nosso calendário merecem ser lembrados em função dos eventos que acontecem em determinadas datas, um deles é o mês de março, especificamente o do ano de 2013.

 Ora, chamamos a atenção para este mês, pelo fato de ter acontecidos uma série de eventos históricos plausíveis de destaque. No início do mês tivemos o dia 08 – Dia Internacional das Mulheres, uma homenagem a essas guerreiras que ao longo da história da humanidade têm lutado bravamente ao lado dos homens por um mundo melhor, mas que poucos reconhecem essa luta, em seguida o dia 14- Dia da Poesia e também uma homenagem ao poeta brasileiro Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), que nasceu nesta data e que ao longo da sua trajetória neste plano terreal ficou conhecido como o “poeta dos escravos”, pois lutou incansavelmente pela abolição da escravidão.

 E ainda, o dia 21 que reverencia e homenageia os mártires na luta contra o racismo em todo o mundo (No dia 21 de março de 1960, ocorreu um grande massacre na África do Sul, na cidade Johanesburgo, quando sulafricanos negros protestaram contra a lei do passe, que os obrigava a portar cartões de identificação para poderem circular em seu próprio país. No Bairro Shaperville foram barrados por tropas do exército que atirou contra população desarmada, causando 69 mortes. Em 1976 após muita pressão dos movimentos de luta contra o racismo do mundo inteiro, a ONU instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial ao condenar o regime racista da Africa do Sul, que só teve fim em 1994 com a chegada de Nelson Mandela ao poder).

 Data esta que deve ser sempre lembrada, e certamente não só pelos nossos irmãos africanos que estão enlutados pelos que foram massacrados, torturados e mortos, mas principalmente por todos nós afrodescendentes que sofremos também dia a dia o estigma do preconceito e da discriminação.

 É também o momento da celebração da vitória das trabalhadoras e trabalhadores domésticos na primeira votação no Senado Federal para correção de uma injustiça contra estas trabalhadoras/es, a equiparação de direitos que já foram garantidos aos demais trabalhadores/as. 

É também o momento de ocuparmos os espaços públicos em nossas cidades e repudiarmos os desrespeitos e as atrocidades que o poder público faz com os menos favorecidos, como as cenas ocorridas no dia 22 deste mês na cidade maravilhosa; diga-se, o Rio de janeiro onde mais de 200 PMs , apoiados por carros blindados e helicóptero, desalojaram indígenas que ocupavam há anos o antigo Museu do Índio, no Maracanã.

 Porém, nem tudo está perdido, vamos celebrar o domigo pascal e especificamente  o Fórum Social Mundial ocorrido entre 26 e 30 deste mês em Túnis, capital da Tunísia, que fora escolhida para sediar esse evento devido as grandes mudanças políticas e sociais que a região do Magreb e Machrek tem vivido nos últimos anos, conhecidas como Primavera Árabe, foram um fator decisivo para escolha do local. 

Segundo os organizadores do Fórum, a situação nos países da região mostrou os vários desafios da atual conjuntura e reforçou a necessidade de a sociedade civil ao redor do mundo fortalecer o diálogo em rede, disseminar suas ideias e demandas e trazer para o debate internacional novas perspectivas, que superem as antigas diretrizes neoliberais.

 Portanto, neste contexto, o FSM procura ser um espaço para todos e todas que lutam por justiça social e ambiental e que defendem um novo paradigma civilizatório, oferecendo a oportunidade para que pessoas, grupos e redes de diversos países discutam e proponham novas ideias para a melhoria da condição de vida no mundo, o fortalecimento da democracia e da igualdade, a solidariedade, a justiça, a paz, o meio ambiente e os bens comuns.

Enfim, como agente construtor de uma sociedade que, respeitem e possibilitem oportunidades aos judeus, aos árabes, aos indígenas, aos ciganos, aos negros, etc; mas principalmente aos seres humanos. 

Estendo minha mão a vocês do mundo inteiro para nos irmanizarmos numa só corrente, e gritar unissonamente que existe uma única raça, e que devemos preservá-la, defendê-la e respeitá-la acima de qualquer coisa: A RAÇA HUMANA. Por isto, diante do que expomos nesta prosa, reafirmo: MARÇO DE 2013 SERÁ UM MARCO, SIM SENHOR!

 























O PÚBLICO E O PRIVADO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


Madalena Guasco Peixoto*

Este artigo procura tratar de dois aspectos que, no nosso entender, ajudam a compreender melhor alguns dos impasses políticos que impedem a concretização de uma reforma educacional  progressista, a qual possa contribuir para o desenvolvimento soberano do nosso país. São eles: a relação público/privado na história da educação brasileira, particularmente na atualidade, e o papel do Estado na concretização de uma educação universal, pública, laica e gratuita.




 
O público e o privado na história da educação brasileira: as diferentes abordagens

As categorias público e privado em educação vêm sendo construídas como referencial de análise com diferentes abordagens, entre as quais cito quatro.
A primeira abordagem seria aquela que trabalha a relação público-privado através da história mostrando como foram se constituindo as relações entre o público e o privado na educação brasileira, retomando o papel das instituições: a igreja, a família, o Estado e a iniciativa privada (CURRY, 2005).

Uma segunda abordagem procura combater a identificação entre “público” e “estatal”, identificação que trata o público como estatal e o privado como não estatal. Esta visão, segundo os autores que a questionam, é empobrecedora e decorrente da ideia de que caberia ao aparelho estatal, ao governo da sociedade, cuidar e administrar o bem comum. Seria fundamental, portanto, considerar o público e o privado a partir de sua historicidade. Severino (2005), ao analisar a história da educação brasileira, afirma que a dicotomia entre o público e o privado está presente em quatro momentos históricos e sociais distintos. 

No primeiro momento – que corresponde dos primórdios da colonização aos anos 30 do século 20 – o público encontra-se subsumido pela atuação hegemônica da igreja. Tem-se neste período a ausência da afirmação da categoria do público como medida das políticas educacionais no país. Num segundo momento, marcado pelo avanço do capitalismo e pela formação de uma classe média, a dimensão pública afirma-se como uma alternativa positiva. Sob a inspiração do iluminismo político e do iluminismo clássico, este novo modelo de organização logo entraria em conflito com a tradição ideológica da igreja católica, que também se fez visível no âmbito educacional. É o período que se costuma caracterizar como o do embate entre católicos e liberais.

Num terceiro momento, o conteúdo da categoria público é novamente alterado com a instauração do regime militar, reduzindo-se a uma expressão burocrática do estatal, equacionando-se ao mercadológico, de modo que a sociedade civil deixa de ser a comunidade dos cidadãos para se tornar a comunidade dos produtores e dos consumidores. Já o quarto momento corresponde ao fim do regime militar, caracterizado pela seguinte situação: a dimensão pública esvazia-se, impondo a minimização do Estado na condução das políticas sociais, dependentes apenas das leis de mercado.

Uma terceira abordagem revela que a oposição entre público e privado é típica da época moderna e vem servindo para mascarar o exercício do poder do Estado por uma classe em seu próprio beneficio, jogando uma cortina de fumaça sobre as relações sociais, como se o Estado moderno fosse um bem comum e o exercício administrativo fosse um bem para todos (LOMBARDI, 2005).

E, por fim, destacamos uma quarta abordagem, segundo a qual o público no Brasil tem sido caudatário dos interesses privados, pois a coisa pública no campo da educação tem servido aos interesses das empresas particulares de ensino, ferindo sistematicamente o bem comum. Essa abordagem coloca em questão se no Brasil de fato existiria uma esfera de educação pública voltada para o atendimento da maioria da população (ALVES, 2005).

Como mostramos, existem várias possiblidades de análise. A que procuro defender neste artigo aproxima-se da primeira, da segunda e da quarta abordagens aqui apresentadas; no entanto, com algumas especificidades.

Apesar da categoria público/privado servir de referencial de análise da educação brasileira por vários vieses e através de pesquisas que trabalham vários aspectos da educação, um tem sido renegado ou muito pouco trabalhado, ou ainda trabalhado em cortes parciais, tendo como objeto, por exemplo, o estudo da expansão de apenas um nível da educação nacional, como a expansão da educação superior no Brasil após a década de 1980. 

Eu mesma tenho escrito vários trabalhos com este recorte. O aspecto a que me refiro diz respeito à atuação dos interesses privados concretizados pelo Estado brasileiro na construção de políticas educacionais que serviram e ainda servem para o fortalecimento e manutenção da educação privada em nosso país e também para o enfraquecimento da ação do Estado na ampliação da educação pública de qualidade e como fiscalizador, avaliador e regulador.

O Estado capitalista, como qualquer outro, representa os interesses da classe dominante – no caso brasileiro, os interesses da burguesia e, portanto, os interesses privados da classe. O que intriga e precisa ser entendido na história da educação brasileira é que, se analisarmos o que aconteceu na constituição da industrialização e do desenvolvimento do capitalismo na Europa, nos EUA, nos países da América Latina e em outras partes do mundo, veremos que nestes locais a classe dominante entendeu que, para alcançar os seus interesses, procurou colocar no centro de suas preocupações a construção de uma rede pública mantida pelo Estado, universalizada e gratuita. Com o advento da implementação do projeto neoliberal no final do século 20, este sistema universal público em alguns países foi quase totalmente desmantelado, como é o caso do Chile.

Aqui no Brasil, esta tarefa que em outros países se colocou como essencial na constituição da República, além de ser inconclusa, não tem sido, ainda, apesar de todo avanço, algo que o Estado brasileiro se dispõe a cumprir de modo inequívoco e consistente. O caráter dependente do Estado brasileiro explica em parte essa questão, mas não totalmente, porque países também dominados constituíram ao longo de sua história um sistema público de educação universal e de qualidade, mantendo a educação privada como uma opção democrática, como foi o caso da universalização da educação básica na Argentina.

As limitações e as especificidades da formação do capitalismo e da burguesia brasileiros e os muitos momentos de repressão, nada propícios a um debate efetivo sobre educação, também são aspectos que explicam apenas em parte as dificuldades em se constituir um sistema público universal e gratuito de educação, mas não explicam tudo.

Se analisarmos o desenvolvimento do sistema público de educação no Brasil até a atualidade veremos as enormes dificuldades em construir a relação entre um projeto nacional e um projeto de educação que lhe desse suporte.

No Brasil, a universalização da educação pública e gratuita de qualidade teve, no âmbito do Estado, sempre dificuldades para se desenvolver, tanto pelos interesses privados que o Estado representa – ou seja, uma burguesia que não assumiu um projeto público e universal de educação gratuita nos momentos em que se colocavam em prática projetos de desenvolvimento – quanto pela ação e força política que as instituições e interesses privados mantiveram durante a história da educação brasileira.

No Brasil os interesses privados, religiosos, empresariais e de segmentos estiveram de modo claro lutando contra a universalização da educação pública de qualidade, por interesses ideológicos e/ou comerciais.

A educação privada no Brasil nunca representou uma opção democrática, ou seja, nunca significou, como em outros países, uma alternativa a uma educação pública de qualidade. Ao contrário, na história da educação brasileira, o setor privado disputa com o projeto de fortalecimento da educação pública e gratuita. Foi o setor privado no Brasil quem construiu, em seu favor, a ideia de que o público não é o estatal e de que o público pode não ser gratuito.

Aliás, muitos intelectuais e políticos ligados às instituições privadas de caráter confessional, com fins lucrativos ou não, criaram a categoria de comunitárias, exatamente para exemplificar a possibilidade de existência de algo mais democrático e público do que o estatal – claro que isto foi possível historicamente devido à ditadura militar e sua ação repressiva e centralizadora nas instituições públicas. Muitos dos argumentos para este tipo de ideia se deram pelo fato de que nas instituições estatais não havia liberdade e a comunidade não podia se expressar.

Se é verdade – como dizem os autores citados – que o público não necessariamente é o estatal, já que o estatal é de classe e, portanto, de interesses privados, somente teremos uma escola pública de fato quando não houver mais as classes. Não é disto que estamos tratando. Estamos tratando da relação do Estado na construção de um projeto social que na história do Brasil não se assentou no fortalecimento de uma rede pública, laica e gratuita.

No Brasil, além dos interesses privados do Estado existe o setor privado que atua na educação e que sempre atuou politicamente no sentido de garantir os seus interesses, que representam – por várias razões – a contraposição ao caráter público e gratuito de educação e ao fortalecimento do papel do Estado na educação.

O debate sobre o papel do Estado e do setor privado na educação brasileira está presente ao longo da história republicana, incidindo de forma privilegiada tanto sobre os aspectos financeiros como doutrinários do ensino (BUFFA, 1979; CUNHA, 1981; CURY, 1985; HORTA, 1989).

O setor privado sempre atuou nos momentos decisivos da história da educação brasileira

O setor privado, que vem mudando as suas características e a sua atuação na história da educação brasileira, já se colocou, como na Velha República e durante os anos 1920 e 1930, explicitamente contra a expansão pública e gratuita da educação e atuou no sentido de impedir o fortalecimento do papel do Estado no oferecimento desse tipo de educação como um direito e como um bem público.

Esse setor atuou organizadamente na democrática Constituição de 1934, que pela primeira vez colocou a educação pública como direito e responsabilidade dos poderes públicos e designou os percentuais dos orçamentos estaduais, municipais e do Distrito Federal para a educação. Por outro lado, pela atuação forte do setor privado religioso, reconheceu a existência das instituições privadas na disputa com a expansão pública e colocou o ensino religioso como obrigatório nas instituições públicas.

O Estado Novo trouxe a conservadora Constituição de 1937, que retirou o papel do Estado na ampliação da educação pública e na formação de mão de obra, eliminou as designações orçamentarias. Entre 1937 e 1945, período de grande avanço industrial, o Estado brasileiro designou ao setor privado a responsabilidade pela formação da mão de obra, com investimento de verbas públicas. Neste período foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

A democrática Constituição de 1946 fortaleceu o papel do Estado na ampliação da educação pública e indicou a necessidade da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O setor privado atuou no sentido de retirar da LBD o caráter público da educação e as exigências ao setor privado. Esse conflito de interesses ocasionou uma tramitação de 13 anos para a aprovação da Lei de Diretrizes.

Durante o regime militar, a rede pública teve uma tímida expansão e foram realizadas algumas reformas educacionais principalmente na educação média, que se acoplou à educação profissionalizante, e na educação superior, que teve uma expansão pública através da criação de algumas instituições federais, mas também uma ampliação da rede privada nunca vista antes, através da criação de universidades mercantis ou através de subsídios para instituições privadas confessionais.

Na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, o setor privado lutou de forma agressiva contra a educação gratuita e sua universalização. Conseguiu colocar na Constituição o artigo 209 que legaliza a sua atuação, e formaliza e educação com fins lucrativos como uma mercadoria, mas não obteve todas as vitórias que pretendia, pois a Constituição de 1988 coloca de forma inequívoca a educação como um direito e dever do Estado (poder público), mantendo ao mesmo tempo uma rede pública e gratuita em todos os níveis de ensino.

Na tramitação da LDB de 1996, este setor conseguiu muitas vitórias: reivindicou exigências diferentes para a educação pública e privada, não permitiu a regulamentação da gestão democrática, introduziu a concepção de universidade por área de saber e somente de ensino, instituindo na LDB cinco tipos de instituições de educação superior, o que ajudou sobremaneira a expansão privatista ocorrida depois de década de 1990, já sob orientação neoliberal.

O setor privado se fortalece e a educação pública se enfraquece após a década de 1990
 
Durante toda a década de 1990 até início de 2002 teremos no Brasil, com a implementação do projeto neoliberal, um fortalecimento dos interesses privatistas e um enfraquecimento dos interesses públicos.

Nesse período o ensino fundamental foi universalizado; no entanto, esta universalização se deu sem a devida qualidade; a expansão da educação média e profissional tecnológica estagnou; o sistema de educação superior público diminuiu; e a falta de recursos colocou em risco a qualidade das instituições públicas, as principais responsáveis pela formação de quadros para o desenvolvimento das ciências e da tecnologia no Brasil.

Por outro lado, a educação privada aumentou sua influência, tanto na educação básica, colocando-se como uma alternativa frente à baixa qualidade, e à dificuldade de absorção de demanda da educação pública e na educação superior no papel social de arcar com a expansão e democratização do acesso.

Terminamos a década de 1990 com 80% das matrículas na educação superior na rede privada, principalmente em instituições somente de ensino.
Temos um perverso déficit educacional em nosso país. De um lado, a universalização sem qualidade da educação fundamental e, de outro, índices de permanência e conclusão os mais baixos do mundo.

Atualmente apenas 50% das crianças que ingressam no ensino fundamental público do país terminam esse nível, e apenas 30% concluem o ensino médio. No nosso país, 20% das crianças possuem apenas de três a três anos e meio de escolaridade – o que equivale dizer que temos o nível escolar de países como Haiti e Tanzânia –; outros 20% possuem 4 anos de escolaridade – níveis como o de Nicarágua e Quênia; e, por fim, outros 20%, cinco ou seis anos de escolaridade, como na Argélia. Isto significa que, além das dificuldades com a inclusão, com o acesso e com a qualidade de nosso ensino, temos problemas muito sérios com relação ao nível de escolaridade total da nossa população.

Na educação superior, mesmo com as políticas de ampliação do acesso à educação pública, a partir da criação de novas instituições federais e estaduais e com a ampliação das vagas via Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – levada a cabo pelo governo Lula e também pelo governo Dilma –, e com toda a expansão privada, atualmente, incluímos apenas 15% dos jovens na educação superior. E a desproporcionalidade entre o número de estudantes nas instituições públicas e privadas é enorme.

Em 2010, tínhamos 2.641 instituições privadas, 267 instituições públicas e 5 milhões e 800 mil matrículas, sendo 1,4 milhões nas públicas e 4,4 milhões nas privadas. Tivemos de 1980 a 2010 um incremento da rede pública de 22%, enquanto a rede privada cresceu no mesmo período 198% (dados do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).

A expansão privatista ocorrida na educação superior brasileira, além de antidemocrática e de qualidade questionável, como mostram os ciclos avaliativos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), foi a alavanca necessária para uma mudança de qualidade no modelo privatista, mudança que tem colocado em risco, desde 2005, a soberania do nosso país e também a formação superior dos nossos jovens. Trata-se do que está sendo chamado de financeirização e desnacionalização da educação superior, com a entrada de capital aberto através de fusões e aquisições, colocando ações de instituições e grupos na bolsa de valores através da oferta pública de ações, com acelerada formação de conglomerados econômicos no campo educacional.

Estes grupos implementam uma administração gerencial, fazem alterações significativas nos projetos políticos pedagógicos, racionalizam ao máximo os investimentos e os custos através da demissão de doutores e mestres, com o objetivo de tornar suas ações mais competitivas.

São grupos poderosos, na maioria internacionais, entre os quais, Anhanguera Educacional Participações S.A. (Anhanguera), Estácio Participações S.A. (Estácio Part.); Kroton Educacional S.A., Sistema Educacional Brasileiro S.A. (SEB), que investem na educação superior brasileira e cujo objetivo tem sido a valorização de suas ações em detrimento do papel social e educacional das instituições que adquirem. 

Os grupos que participam desse processo estão protagonizando transformações significativas no quadro de fusões e aquisições. Os dados são reveladores do movimento de efetiva consolidação de um modelo de oligopólio na educação superior privada: em 2011, esses conglomerados já dominavam 15% de todas as matrículas; e em alguns municípios, já representam a única opção.

O neoliberalismo fortaleceu a ideologia privatista

A demanda de acesso universal à educação escolar tinha como propósitos principais, após a Segunda Guerra, capacitar as crianças para que pudessem exercer plenamente os direitos políticos pela conquista do sufrágio universal, dando às camadas populares oportunidades culturais e profissionais que exigem escolarização. O Estado de bem-estar social proporcionou em grande parte dos países esta universalização.

O projeto neoliberal construiu uma crítica ao Estado de bem-estar social e esta crítica de cunho ideológico tornou-se forte e tem sido suporte dos embates educacionais desde então. Para os ideólogos neoliberais, o Estado de bem-estar social é paternalista, dando assistência e reforçando comportamentos inadequados dos beneficiários, é ineficiente, porque o aparelho de prestação de serviços sociais, para manter o controle, precisa ser inchado com desperdício de recursos e é corporativista porque os profissionais dos serviços sociais do Estado têm interesse na ampliação dos aparelhos de assistência, controle e acompanhamento. 

Para os neoliberais, a crise fiscal do Estado, que afetou as economias capitalistas nos últimos 20 anos, seria o resultado destas mazelas. Essa visão propõe reformar o ensino público nos termos desta crítica. O paternalismo seria o resultado da gratuidade do ensino: como o aluno e sua família não pagam, ele não tem incentivo para melhorar o aproveitamento. A gratuidade também torna o aluno passivo perante a má qualidade do ensino.

 Para evitar estes males, o ensino deveria então tornar-se pago ou ao menos competitivo. A reforma escolar chilena (que hoje vive um colapso) é exemplo da implementação dessa concepção. No Chile, o Estado concede bolsas aos estudantes, que têm a “liberdade” de escolher a sua escola. Espera-se que a competição entre as escolas públicas e privadas, por essas bolsas, leve ao aumento da qualidade do ensino.
Segundo esse ponto de vista, o ensino público não atende, por falta de estímulo, às necessidades e às demandas por trabalho. A proposta defende que a rede escolar esteja sujeita às regras de mercado, de modo que os diretores e os professores tenham interesse em formar ganhadores, porque esta seria a melhor forma para eles próprios ganharem o jogo concorrencial.

Cada escola seria julgada pelo mercado, em função da qualidade de seu produto, avaliada pelo maior ou menor êxito de seus alunos na vida econômica e social.

Esta concepção permeou o embate político-educacional durante a década de 1990, mas ainda perdura. Ela aparece nos debates sobre o montante de recursos em educação, sobre a ampliação das vagas públicas e gratuitas no novo Plano Nacional de Educação (PNE) atualmente em disputa. A Universalização sem qualidade da educação fundamental tem servido para fortalecer este tipo de concepção.

Tanto na Conferência Nacional de Educação como na tramitação do Novo Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, o embate de fundo continua sendo, por um lado, a defesa dos interesses privados e, por outro, o fortalecimento da educação pública e gratuita, universal e de qualidade.

A educação privada reivindica, fazendo alusão ao artigo 209 da Constituição, a total liberdade de atuação, contra qualquer regulamentação por parte do poder público, contra qualquer exigência de gestão democrática. Luta para que o dinheiro e investimento público sejam utilizados para a manutenção das instituições privadas, principalmente de educação infantil, profissional e superior.

Estamos travando uma grande batalha na tramitação do novo PNE, para que ele de fato contemple metas que elevem a qualidade e universalização da educação pública e gratuita e coloque a educação no centro das prioridades governamentais.

As metas colocadas no Novo PNE que foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados são audaciosas, rumo à universalização da educação básica, na ampliação das vagas públicas na educação tecnológica, superior, e de pós-graduação. E também avançam mesmo que timidamente em vários outros aspectos que se revestem de importância numa reforma educacional que coloque a educação como elemento estratégico no projeto de desenvolvimento nacional.

A luta pelo investimento de 10% do PIB em educação pública tem sido palco de enorme disputa. Ganhamos na Câmara dos Deputados. Mas no Senado o projeto já está sendo alterado, novamente seguindo interesses que não são de fortalecimento da educação pública gratuita e de qualidade, como é o caso, por exemplo, da retirada da  palavra pública na meta dos 10% do PIB em educação.

As alterações que estão sendo feitas no Senado Federal são de fundo e colocam novamente, no cenário, forças antagônicas em disputa: por um lado, os que defendem que o Estado brasileiro coloque a educação pública no centro do projeto estratégico de desenvolvimento, designando inclusive royalties do petróleo para a educação; por outro, os que não querem que o Estado brasileiro fortaleça um projeto público de educação de qualidade.

Esta tem sido a batalha de toda a história da educação brasileira.

* Madalena Guasco Peixoto é doutora em Filosofia e História da Educação pela PUC/SP, professora titular do Departamento de Fundamentos da Educação da PUC-SP, membro do Fórum Nacional de Educação e coordenadora-geral da Confederação Nacional dos trabalhadores em Estabelecimentos do Ensino (Contee)

Referências bibliográficas
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SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p. 99-124, 2005.
BUFFA, E. Ideologias em conflito: escola pública e escola privada. São Paulo: Cortez, 1979.
CUNHA, L. A. “Escola particular x escola pública”. Revista ANDE. São Paulo, vol. 1, n. 2, p. 30-34, 1981.
CURY, Gilberto Luiz C. J. “O atual discurso dos protagonistas das redes de ensino”. In:
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LOMBARDI, José Claudinei. “Público e privado como categorias de análise da educação? Uma reflexão desde o marxismo”. IN: LOMBARDI, Claudinei José;
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SEVERINO, Antônio Joaquim. “O público e o privado como categoria de análise em educação”. In: LOMBARDI, Claudinei José; JACOMELI, Mara Regina & SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p. 31-40, 2005.

COMISSÃO DA UNE SOMA ESFORÇOS PARA ESCLARECER CRIMES DA DITADURA


Cláudio Gonzalez*


 
Ao constituir sua própria Comissão da Verdade, a UNE e os estudantes brasileiros juntam forças para romper o silêncio de quase cinco décadas nubladas que paira sobre os jovens perseguidos, torturados e mortos pela ditadura militar no país. A entidade também pretende auxiliar nos trabalhos da comissão do governo

Os estudantes estiveram na linha de frente da resistência à ditadura militar. Consequentemente, também figuraram entre as principais vítimas da repressão dos militares contra os que lutavam pela restauração da democracia. Muitos jovens foram assassinados e presos e, em muitos casos, os corpos estão até hoje ocultados.

Para ajudar a esclarecer os fatos ocorridos neste período trágico da história brasileira, as entidades estudantis, lideradas pela União Nacional dos Estudantes (UNE) decidiram criar sua própria Comissão da Verdade, a exemplo do que fez o governo federal.

A comissão do governo é formada por integrantes indicados pela presidente Dilma Rousseff e tem por objetivo apurar violações aos direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar.

O ato de lançamento a Comissão da Verdade da UNE ocorreu na noite de 18 de janeiro último, no auditório da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife, durante a abertura do 14º Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb).

Além do lançamento da comissão, o ato teve a exibição de dois filmes que documentam a vida de jovens perseguidos e mortos durante a resistência à ditadura. Repare Bem, da diretora e atriz portuguesa Maria de Medeiros, traz revelações e relatos da família do militante Eduardo Leite, o Bacuri.

 Já Arquivo Honestino Guimarães, da diretora Paula Damasceno, conta a história do líder estudantil Honestino Guimarães, preso, torturado e “desaparecido” no início dos anos 1970. Com músicas de Tom Zé, do grupo Face da Morte, o curta Arquivo Honestino Guimarães mistura depoimentos, imagens de arquivo, imagens atuais, que revelam o caso de um dos 125 desaparecidos políticos da ditadura militar no Brasil.

Trabalho conjunto

A Comissão da UNE irá não apenas apurar desaparecimentos e crimes de lesa-humanidade cometidos contra estudantes, mas pretende também ajudar nos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, instituída pelo governo federal. A Comissão da UNE investigará, em princípio, o desaparecimento de 46 ex-integrantes da entidade já levantado pela Comissão Nacional da Verdade.

 
Prevista para ter de seis a 12 membros efetivos, a composição da Comissão ainda não está concluída. Daniel Iliescu, presidente da UNE, explica que a ideia é cada unidade do movimento estudantil que compõe a organização indicar representantes – entre estudantes de graduação e pós-graduação e pesquisadores – para compor os membros efetivos da Comissão.

Personalidades ligadas à luta em defesa dos direitos humanos também irão compor o grupo. Estão confirmados para a Comissão o presidente da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abraão, como coordenador, o ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vanucchi, que deve ser o orientador dos trabalhos da Comissão estudantil, e ainda o estudante Mateus Guimarães, sobrinho-neto de Honestino Guimarães.

Além desses, a investigação de cada caso agregará nomes provisórios para ajudar a levantar informações e elaborar os relatórios finais, que serão entregues à Comissão Nacional da Verdade. O grupo inicia trabalho com apoio da Comissão de Anistia. “Queremos buscar documentos que possam revelar o paradeiro dos estudantes desaparecidos, além de ouvir os familiares deles [...] Este material vai gerar um arquivo para a própria UNE e também será entregue para a Comissão da Verdade, a fim de ajudar a acelerar as investigações”, diz Daniel.

“Nenhuma outra entidade perdeu mais membros durante a ditadura militar do que a UNE, nenhuma outra entidade foi tão perseguida. A UNE não poderia deixar de fazer parte deste momento da história do Brasil, de consciência e de resgate do seu passado”, defendeu Daniel Iliescu durante o lançamento da iniciativa em Recife.

 A intenção da entidade é concluir os trabalhos de pesquisa entre os meses de março e abril de 2014, um pouco antes do término da Comissão do governo.

Entre os episódios a serem investigados, um dos mais conhecidos é o Congresso da UNE em Ibiúna, em 1968, quando centenas de estudantes que se dirigiram de maneira clandestina à cidade do interior paulista acabaram descobertos, e alguns deles foram detidos por policiais. 

Também será alvo de investigação o incêndio da sede da UNE no Rio de Janeiro, no dia 1º de abril de 1964, ainda durante o processo do golpe. A UNE era tida como um dos principais apoios do presidente João Goulart, deposto pelos militares. Em 19 de maio de 2010, o Senado aprovou o reconhecimento da responsabilidade do Estado no incêndio e autorizou a indenização de R$ 46 milhões para a entidade.

Honestino Guimarães, presente!

O primeiro caso a ser investigado é o de Honestino Guimarães, eleito presidente da entidade em 1971, que desapareceu após ter sido detido no Centro de Informações da Marinha, no Rio de Janeiro, em 10 de outubro de 1973. A intenção é apresentar um relatório sobre o caso no dia 28 de março, quando Honestino completaria 66 anos. A data também lembra o assassinato do estudante Edson Luís, morto em 1968 pela polícia durante uma manifestação no restaurante Calabouço, também no Rio.

Durante o lançamento da Comissão da Verdade da UNE, o brasiliense Mateus Guimarães, sobrinho-neto de Honestino Guimarães, recebeu homenagens em nome do tio.

Mateus Guimarães tem 27 anos de idade e, assim como seu tio, foi estudante da Universidade de Brasília (UnB). Hoje, luta pela reconstituição dos fatos como um sinônimo de justiça e liberdade. Para ele, a Comissão da Verdade é só o início do processo de justiça. “A comissão nacional da verdade está desencadeando esse processo de mobilização e diversas instituições estão entrando nessa luta. Nesse cenário, a UNE é determinante.

A UNE é a entidade que mais sofreu na ditadura militar e, de fato, a sua entrada nesse processo traz um peso não só simbólico, mas político. Tenho certeza de que a entidade vai realizar uma série de debates sobre o tema e vai lutar para obter todas as informações. Vou colaborar com o que puder e o que for necessário.

Esse dossiê que pretendemos entregar, após a abertura de todos os arquivos, não só vai ser elemento propulsor da divulgação do desaparecimento do Honestino em si, mas também vai ser instrumento de mobilização para outras pessoas, para que mais familiares de mortos desaparecidos continuem se movimentando”.

Ele destaca que muitos conhecem seu tio Honestino como líder estudantil, um militante político envolvido, “mas o que os jovens não conhecem muito é o Honestino ser humano. Para mim, sobretudo, ele foi um grande exemplo. Desde adolescente escrevia poemas e já dava para perceber o alto nível de sensibilidade, o sentimento de amor muito presente.

A dor do outro era como se fosse a dor dele também. Foi exatamente essa qualidade, esse sentimento de ser humano, que o levou a ser essa liderança estudantil. Ele representa, sobretudo, um grande exemplo de ser humano, que cumpriu um papel fundamental na resistência à ditadura”, diz Mateus.

 Enquanto Mateus falava no ato de Recife, um grande quadro com o rosto de Honestino Guimarães pintado, que estava pendurado em cima do palco, se desprendeu e caiu na mesa dos palestrantes, à frente de todos os convidados. O barulho marcante chamou a atenção e prendeu a respiração de todos. O presidente da UNE, Daniel Iliescu, recolheu o quadro do chão e o acomodou em uma cadeira ao centro dos convidados e as mais de mil pessoas presentes no auditório bradaram em alto som: “Honestino Guimarães, presente!”.

O ex-ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, líder estudantil preso durante a ditadura e também contemporâneo de Honestino, lembrou que no Congresso da UNE de Salvador, em 1979, quando a UNE foi recriada após a ditadura, foi deixada, propositalmente, uma cadeira vazia em homenagem a Honestino. “Daniel Iliescu refaz aqui, de outra forma, aquele gesto que também marca a história”, disse Vannuchi.

Mais que reparação    
            
 Em outro momento empolgante do ato de Recife, a vice-presidente da Comissão de Anistia Sueli Belato afirmou: “Estou muito emocionada. Nós estamos juntos aqui não porque vivemos uma longa e difícil noite, mas porque temos um projeto de vida em comum. Estamos num projeto de um país que não tolera injustiça, violência”. 

Ela elogiou a iniciativa da Comissão da UNE e disse que a busca pela verdade para as famílias das vítimas da ditadura vale mais do que a reparação ou indenização da anistia. “A reparação ao Aldo Arantes foi o início de retomada de um novo caráter de trabalho em dizer que os brasileiros não querem só a reparação econômica. Nós sabemos que nós temos o maior programa de reparação econômica, talvez do mundo, mas não é suficiente.

Nós construímos nos estados as comissões estaduais contra tortura. Foram elas que começaram a reportar a memória, a dizer o que aconteceu nas prisões e perseguições em geral. As comissões especiais foram muito importantes. Até chegar à Comissão de Mortos e Desaparecidos, até chegar à Comissão de Anistia foram muitos passos que nós demos”, afirmou Sueli.

O ex-ministro Vannuchi foi além e disse que um tema que não deve ficar bloqueado é o da punição dos torturadores. “Não é tarefa da Comissão Nacional da Verdade e certamente o debate sobre isso será difícil quando terminar o trabalho da Comissão.

Eu pessoalmente sustento que a nossa autoridade política, intelectual e moral será maior se formos capazes de nos desinteressar por qualquer ideia de prisão, mas conseguir que os que cometeram os crimes assumam o que fizeram, peçam desculpas e se disponham a se engajar em iniciativas para que isso nunca mais ocorra em nosso país”, afirmou Vannuchi.

“Um dos maiores desafios da Comissão da Verdade, e desta que a UNE constitui agora, é alcançar o diálogo, inclusive com as Forças Armadas, para que entendam que num país democrático, que precisa de suas forças armadas, não pode mais haver gestos de glorificação do golpe militar de 1964”, defendeu o ex-ministro.

Para o presidente da Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abraão, a comissão criada pela UNE reforça a participação da sociedade no processo de construção da memória e da verdade. “Essa ação vai possibilitar a ampliação da participação nos trabalhos de reconstrução da memória, atingindo inclusive as gerações mais jovens, o que atesta uma intensa participação da sociedade neste processo”, disse Abraão.

Valores humanistas

O jurista Cláudio Fonteles, coordenador da Comissão Nacional da Verdade, emocionou-se durante o ato de lançamento da Comissão da UNE. “Honestino foi meu amigo, estudou comigo no ginásio. Tenho 66 anos, mas hoje voltou a mim um calor de 14”, afirmou. Fonteles disse em entrevista que está entusiasmado para solucionar todos os casos. 

“Estamos mergulhados no arquivo nacional e lendo os processos documentados para a reconstrução histórica. Essa reconstrução envolve não só o aparato militar, mas todos os militantes da época, que foram brutalmente torturados.

Agora mesmo, enquanto falo com vocês, estou com a pasta aberta e refletindo em cima de uma documentação sobre a juventude do Araguaia, movimento guerrilheiro existente na região amazônica brasileira, ao longo do rio Araguaia, entre fins da década de 1970”, relata.

Em mensagem dirigida aos participantes do Coneb, o jurista lembrou uma frase de Charles Chaplin: “O ideal que sempre nos acalentou renascerá em outros corações”. Essa é a grande esperança da juventude, que nunca deixa morrer os valores humanistas da nossa sociedade.


*Da redação, com agências