Para Cristina Bezerra, professora da UFJF e
especialista na obra do revolucionário italiano, pensamento de Gramsci
contribui para apontar as batalhas que a classe trabalhadora deve fazer no
campo das ideias.
Pedro Carrano de Vitória (ES)
“Gramsci coloca que se a hegemonia é um dos
elementos-chave para a luta política, para a de classes, ou seja, a classe que
quer se tornar dirigente precisa alcançar hegemonia. Então, ela tem diferentes
batalhas a serem travadas que não se limitam à esfera econômica, mas que se
ampliam para a esfera política.
Nesse sentido, existe uma batalha cultural a
ser travada”, afirma Cristina Bezerra, professora da Universidade Federal de
Juiz de Fora e especialista na obra do revolucionário italiano Antonio Gramsci
(1891-1937).
Cristina, no processo de pós-graduação, foi
orientada por Carlos Nelson Coutinho, um dos principais responsáveis pela
introdução do pensamento de Gramsci no Brasil. Professora do curso de
especialização em Economia e Desenvolvimento Agrário, uma parceria entre a
Escola Nacional Florestan Fernandes e a Universidade Federal do Espírito Santo,
Cristina abordou, em entrevista ao Brasil de Fato, alguns aspectos do pensamento
de Gramsci que ajudam a entender o momento atual da luta de classes: a batalha
no campo da cultura e das ideias, a necessidade do partido político, e a
produção dos intelectuais próprios da classe trabalhadora.
Brasil de Fato – Como surgiu o seu interesse pela
teoria marxista do Estado e, particularmente, pela obra de Gramsci?
Cristina Bezerra – Surgiu no momento em que fui
fazer Serviço Social. A profissão tem essa dinâmica, uma profissão que está
inserida na sua quase maioria em espaços públicos de atuação, então o curso de
Serviço Social é um curso que aborda muito essa discussão do Estado, da
sociedade civil, dos processos de organização da classe trabalhadora, na figura
dos nossos usuários.
No momento em que fui fazer mestrado e doutorado, meu
interesse já era entender o processo da cultura na sociedade capitalista, quais
são as formas que a sociedade capitalista encontra para exercer seu poder
ideológico e cultural, junto a essa população. Sob a orientação do professor
Carlos Nelson Coutinho, eu me aprofundei em Gramsci, e nele essa relação da
cultura, da hegemonia, da parte ideológica mesmo, que não se limita a essa
concepção mais restrita, ela faz esse debate diretamente com a configuração do
Estado nas sociedades mais contemporâneas.
O revolucionário italiano Antônio Gramsci |
Brasil de Fato – Dentro do debate da disputa de
hegemonia, você comentava sobre a dificuldade de os movimentos sociais pautarem
hoje sua agenda na sociedade.
Cristina Bezerra – É consensual a ideia de que
estamos ainda em um momento de descenso dos movimentos sociais, de descenso das
massas, um momento de dificuldade de organização da classe trabalhadora, isso é
reflexo do contexto contemporâneo de desenvolvimento do capitalismo. Então,
esse momento de dificuldade de pautar determinadas questões é bem em razão do
desenvolvimento do capitalismo que vivemos hoje.
Uma classe trabalhadora heterogênea, fragmentada,
passando por um processo difícil de organização. E, ao mesmo tempo, temos
problemas internos que dificultam a nossa maturidade política, vamos dizer
assim: encontrar uma pauta única, levantar questões que de fato mobilizem as
pessoas, mobilizem esses movimentos sociais. O principal desafio que a gente
tem hoje é de encontrar essa pauta política, é conseguir colocar debates em que
a sociedade se envolva de fato e que enxergue as suas contradições nesses
debates. Nesse sentido, nós avançamos um pouco, a gente acumulou.
Na história da luta de classes no Brasil, temos a
experiência do partido político. No entanto, o neoliberalismo gerou um
retrocesso nesse processo. Gerou uma configuração mais eleitoral dos partidos,
mais parlamentar. E com sérios problemas como vemos hoje no Congresso e noutros
espaços de representação. Nós avançamos na construção disso, mas ainda de fato
temos o desafio de construir um instrumento que, na figura do partido, recupere
essa questão da pauta mais ampla e universal. A pauta dos movimentos sociais
sem dúvida coloca questões importantíssimas para a nossa sociedade, mas não
alcança a amplitude que o partido político tem condições de colocar.
Brasil de Fato – Ainda no tema da hegemonia: são
desafios para as organizações de esquerda o enfrentamento contra aparelhos como
a mídia e o Poder Judiciário?
Cristina Bezerra – Eu gosto muito da reflexão que
Gramsci faz sobre isso. Embora não tenha visto os grandes meios de comunicação,
a televisão e tudo isso, Gramsci coloca que a hegemonia é um dos
elementos-chave para a luta política, para a luta de classes, ou seja, a classe
que quer se tornar dirigente precisa alcançar hegemonia.
Então, ela tem diferentes batalhas a serem travadas
que não se limitam à esfera econômica, mas que se ampliam para a esfera
política. Nesse sentido, existe uma batalha cultural a ser travada, em torno
das expectativas e das possibilidades que essa sociedade tem de se compreender
e enxergar suas contradições e, nesse sentido, a cultura é uma dimensão que tem
essa potencialidade.
É uma dimensão que faz se reconhecer em sociedade,
reconhecer suas contradições, e portanto uma batalha cultural faz parte de uma
batalha por hegemonia. E daí os aparelhos ideológicos, culturais, artísticos,
eles têm a função, como diria Gramsci, de criar uma nova cultura, de criar uma
cultura na qual a gente se identifique como trabalhador, em que pense nas
questões colocadas para a gente e ao mesmo tempo nos possibilite pensar
alternativas também.
Então, penso que as lutas nesses espaços
ideológicos, nos meios de comunicação, fazem parte hoje de um processo em que
as pessoas são informadas e formadas também, não é só um processo de
informação, mas de formação política, que precisamos garantir. É uma batalha
completamente desigual, se pensamos na forma monopólica com que os meios de
comunicação estão nas mãos de poucas famílias. Mas, como não é só uma questão
quantitativa, de quantos meios de comunicação estão em nossas mãos, mas também
qual é a qualidade desses meios, do que a gente consegue mostrar à sociedade,
então acho que a gente tem uma força nesse sentido.
Brasil de Fato – Dentro de uma outra categoria
trabalhada por Gramsci, a universidade pode cumprir um papel na construção do
intelectual orgânico?
Cristina Bezerra – Segundo Gramsci, todas as classes
que se colocam no processo de luta política e enfrentamento, têm como desafio
criar os seus intelectuais orgânicos, ou seja, aqueles que têm a tarefa de
educar, organizar, dar uma unidade, uma coerência, na forma como a classe pensa
sobre si mesma.
Então, esse intelectual orgânico é criado no
interior do processo de luta política dessa classe. Não significa que esse
intelectual orgânico nasceu nessa classe, mas ele se sente ligado a ela, ele
tem as suas questões como motivações para sua luta, motivações para sua função
de intelectual, então sem dúvida nenhuma esse é o desafio hoje, como as classes
trabalhadoras conseguem organizar a sua luta política e nesse processo de luta
criar seus próprios intelectuais.
Sem dúvida nenhuma, a universidade pode contribuir
nesse processo. A universidade é um espaço de luta. É um espaço institucional,
ligado ao Estado, não foi criada para as classes trabalhadoras. A história da
universidade é a história da elite nesse país, foi pensada para formar intelectuais
para a classe dominante. Então, a universidade hoje pode contribuir nesse
processo, mas não podemos esperar que ela faça tudo, porque de fato ela tem
limites na sua institucionalidade.
Ela tem valores que não são os valores que a
gente hoje tem no interior da classe trabalhadora, mas a universidade tem uma
função essencial que é a função de levar o conhecimento que ela produz e que
agrega para fora de si. Então nesse sentido podemos encontrar na Universidade
um parceiro. Parcerias como essa aqui (Curso de especialização, parceria entre
a UFES e a ENFF), de certa forma questionam a burocracia da universidade, os
vícios acadêmicos, traz para dentro da universidade uma dinâmica dos movimentos
sociais que, em si, a universidade nunca foi preparada para receber.
Brasil de Fato – No Brasil convivemos com um Estado
desenvolvido, mas o povo é sufocado em suas demandas mais básicas. Como podemos
entender essa situação?
Cristina Bezerra – Florestan Fernandes fala que a
condição de capitalismo dependente ela é própria desse tipo de sociedade, ela
instaura essa característica. São sociedades que muitas vezes combinam o
arcaico e o moderno, combinam o que há de mais atrasado, como a pobreza.
Combina-se isso com desenvolvimento do capitalismo atrasado, um Estado moderno,
com pautas políticas e econômicas que favorecem esses grupos dominantes. E
Florestan (Fernandes) é muito rigoroso como sempre na sua obra quando ele diz
que a dependência não é uma etapa dessa sociedade, ela é uma opção, um caminho
encontrado essas sociedades para garantir esse desenvolvimento.
Então, não é contraditório pensar que uma sociedade
avançada economicamente tem um nível social comprometido, na medida que isso
está na lógica do capitalismo dependente, na lógica de um país que não colocou
no seu processo de desenvolvimento o desafio da soberania nacional, da
democracia, do desenvolvimento econômico.
O fato de as nossas elites serem
comprometidas com o grande capital internacional é que gerou essa contradição.
Nesse contexto, a questão que Florestan coloca: ainda existem várias revoluções
dentro da ordem para ser feitas, ainda existem reformas a serem feitas, de
forma que prepare a classe trabalhadora para lutas mais significativas.
(Colaboraram
Adelso Rocha Lima, Sidevaldo Miranda Costa)
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12452
26/03/2013
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