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terça-feira, 11 de junho de 2013

INDÍGENAS CONTRA HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA OCUPAM SEDE DA FUNAI, EM BRASÍLIA



Indios procurando entender a opressão do Estado brasileiro sobre eles.

Na tarde desta segunda-feira, 10, 145 indígenas dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires, no Pará, ocuparam a sede da Fundação Nacional do Índio, em Brasília.
 
Renato Santana de Brasília 

Índios fazem manifestação em Brasília  - Foto: Ruy Sposati
Os 145 indígenas dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires, no Pará, ocuparam a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, na tarde desta segunda-feira, 10.

Os indígenas aguardavam a presidente interina do órgão indigenista, Maria Augusta Assirati, para entregar documento com reivindicações, solicitar hospedagem e a data em que seriam levados de volta ao Pará. 

Porém, Maria Augusta não compareceu e por emissários avisou que estava em outra reunião. Nesta terça-feira, 11, completa uma semana que o grupo desocupou o principal canteiro de obras da UHE Belo Monte e veio ao Distrito Federal. 

Índio preparado para guerra  contra o Estado brasileiro opressor - Foto: Ruy Sposati

  
“Desde a manhã estamos esperando alguém da Funai para falar da nossa pauta, da hospedagem. Ninguém apareceu até agora. Nós chamamos vocês para nossa  assembleia, que começou quando chegamos, e vocês não vieram. Então estamos informando agora para vocês que nos estamos acampando aqui na Funai. Vamos ocupar a Funai a partir de agora”, disse Josias Munduruku aos representantes delegados pela interina da Funai.
O grupo já demonstrava indignação com a postura do ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR), Gilberto Carvalho, que na manhã desta segunda negou reunião com os indígenas. Ao invés do ministro, quem recebeu os indígenas foram soldados do Exército e assessores.

Pelo próprio governo, os indígenas foram encaminhados para a Funai, onde seriam recebidos pela presidente interina. Até o final da tarde de hoje, Maria Augusta não apareceu.
“Disseram (na SGPR) que receberiam uma comissão de dez, mas nós não nos separamos. O governo não quer entender isso, respeitar nosso jeito. Sabem que não nos separamos. 

Por essa postura, o ministro descumpre os acordos e assim fica difícil conversar”, explica Jairo Saw, assessor do cacique-geral Munduruku. Para as lideranças, os assessores de Carvalho disseram que ele só poderia atendê-los até as 11h15. Em nota, a SGPR disse que as lideranças indígenas se negaram a se reunir com Gilberto Carvalho.
“O governo está dando as costas para nós. Não quer nos ouvir. Nós estamos entendendo isso. Ele disse que vai fazer hidrelétricas de qualquer jeito, e ele sabe que nós não queremos. Essa nota do governo nós lemos na reunião.

Ele disse que esperou a gente, disse que nos recusamos. É mentira! Foi ao contrário. Nós fomos lá, nós que esperamos”, disse Josias Munduruku para os emissários de Maria Augusta.
O povo Munduruku interpelou judicialmente, no início deste mês, o ministro Carvalho por outra nota da SGPR, onde acusa “autodenominadas” lideranças de envolvimento com atividades ilícitas. Leia matéria na íntegra aqui.  

Carta protocolada; carta não recebida
Os indígenas, mesmo sem serem recebidos, protocolaram na SGPR o documento que entregariam ao ministro em mãos – leia a íntegra aqui. 

Na carta, os indígenas relatam ponto a ponto as áreas afetadas pelo projeto hidrelétrico nos rios Teles Pires e Tapajós – motivo pelo qual o grupo ocupou no mês de maio, por 17 dias em duas ocasiões, o principal canteiro das obras da UHE Belo Monte. Um dos locais atingidos é a Cachoeira Sete Quedas, sagrado para os Munduruku, Kayabi e Apiaká, que será inundada pela usina que está sendo construída no Teles Pires.
“A Cachoeira de Sete quedas (Paribixexe): É uma linda cachoeira contendo sete quedas em formato de escada. É o lugar onde os mortos estão vivendo, o céu dos mortos, ou seja, o mundo dos vivos, o reino dos mortos.

É um local sagrado para os Munduruku, Kayabi e Apiakás, aonde também os peixes se procriam e diversas espécies e todos os tamanhos, onde existe a mãe dos peixes. Nas paredes constam as pinturas rupestres deixados pelo Muraycoko (pai da escrita), a escrita deixada para os Munduruku através das escritas surabudodot, por muito tempo remoto (sic)”, diz trecho da carta.
Para Valdenir Munduruku, o ministro Carvalho demonstra com as atitudes apresentadas a forma de diálogo que pretende manter: “Aqui, a casa deles, nos recebem com o Exército e a polícia e não nos deixam entrar. Em nossa casa, mandam o Exército e a polícia para poderem entrar. Isso não é diálogo.

É como se nós fôssemos inimigos”. Josias Munduruku lembra que na reunião da última terça-feira, 4, o ministro disse que as hidrelétricas vão sair, pois se trata de uma decisão de governo: “Me pergunto: que consulta é essa que eles querem fazer? Não é consulta quando eles (governo) tomam uma decisão sem volta. O que poderá sair de consulta assim?”, questiona.  
 

Por enquanto, não há previsão de retorno dos indígenas para o Pará e de desocupação do órgão indigenista estatal. Tampouco a hospedagem ficou definida, mas, pelo visto, depois do anúncio da ocupação à sede da  Funai, os indígenas já arrumaram um lugar para ficar - ao menos por essa noite.   


Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/13188
10/06/2013


CHAVE PARA ENTENDER AMÉRICA LATINA ESTÁ NOS MOVIMENTOS SOCIAIS



 



"Nunca havia suspeitado de que a América Latina pudesse mudar tanto e para tão melhor. Nos últimos quinze, vinte anos, houve mudanças imprevisíveis", diz Juan Carmelo García.

Patricia Simón, Periodismo Humano

 

 

Quase cinco horas de aula com apenas um recesso de quinze minutos. Com toda referência, um mapa de Peters ampliado no continente latino-americano para o qual só olha quando a tela se apaga, ao passar para o modo de espera. Aproveita esse lapso para fazer alguma piada e, assim, dar um rápido descanso à quinzena de estudantes que acompanham seu trepidante discurso em um sábado desde às nove da manhã no master de Cooperação da Universidade de Oviedo. 

O sociólogo e politólogo Juan Carmelo García fala de modo apaixonado sobre a atualidade com o devir histórico do continente latino-americano, tecendo, com dados, uma geografia dos povos e dos movimentos sociais. Está há meio século estudando o assunto no Instituto de Estudos Políticos para a América Latina e África (IEPALA), um espaço de análise e divulgação da esquerda, do qual é presidente.

“Nunca havia suspeitado de que a América Latina pudesse mudar tanto e para tão melhor. Nos últimos quinze, vinte anos, houve mudanças imprevisíveis, que estavam na estrutura profunda do continente, mas não claramente manifestadas nas estruturas públicas. Há muitas Américas Latinas e, nessa complexificação a que estamos assistindo, cada um vai se afirmando, se recuperando”. 

E, para começar, lembra as estudantes mulheres – da quinzena, só há cinco – que a história não é linear, que “o que vemos agora não é consequência lógica do que aconteceu anteriormente (…) Nós mistificamos a lógica da razão e isso causou muitos danos, pois acreditamos que sabemos o que está por vir pelo fato de conhecermos as premissas”. 

Aqui está a chave de seu enfoque para a análise do continente: “A chave para entender a América Latina está nos movimentos sociais”. E aponta como os mais importantes a educação libertadora, liderada por Paulo Freire, a filosofia da libertação, de Enrique Dussel, e a teologia da libertação. “Não se compreendeu sua importância até comprovar que não houve agressão mais violenta que a do Vaticano à teologia da libertação”.

Volto a me encontrar com ele uma semana mais tarde em seu escritório, na sede do IEPALA, em Madri, rodeado por lembranças de suas viagens e entrincheirado atrás de uma enorme mesa literalmente repleta de livros e documentos. Ao fundo, toca a rádio Clássica. E começamos pelo país da atualidade, Venezuela.

Confira Abaixo a Entrevista:


Juan Carmelo García
 

Periodismo Humano: Durante a aula, o senhor argumentou que é uma incógnita se os sucessores de Chávez serão capazes de encher com conteúdo o chamado chavismo, tendo como referência um líder que se converteu em um mito. Chávez estava consciente de que estava construindo um mito? E, em caso afirmativo, estando ciente dos problemas futuros que isso poderia acarretar, ele foi vaidoso?

Carmelo García: A construção de um mito de gente lúcida, como ele era, é, de alguma forma, consciente. O mito vai sendo construído pelas pessoas, mas ele vai respondendo e as provocando. E vai engrandecendo o que as pessoas esperam dele. Boa parte do chavismo se baseia no fato de que o fizeram dizer muitas coisas que seriam possíveis no futuro, mas que não as pôde realizar porque não tinha nem capacidade nem recursos suficientes para colocá-las em prática a partir do aparelhamento de Estado que ele construiu.

Há uma parte da qual ele está consciente. Tenho a sensação, além disso, de que ele descobriu isso muito rapidamente, tão logo saiu da prisão após o golpe militar. Ele se dá conta de que tem poder e que gerou expectativas em um círculo pequeno. E começa a construir o chavismo, contraditoriamente, às vezes com coerência e outras dando saltos. E dá um muito complicado, que é o de partilhar um dinheiro que tem graças aos petrodólares, sem um projeto socioeconômico e político para os receptores, que são as pessoas das pequenas comunidades afastadas. Isso lhe convém porque fomenta o chavismo e uma clientela fiel, dentro do que seria um populismo normal. Isso foi feito por muitas pessoas, como Perón, López de la Torre... Mas Chávez obtém uma resposta muito grande porque havia muitos pobres. E continua havendo muitos.

Mas não reestrutura o sistema produtivo venezuelano, muito polarizado em torno do petróleo, em uma economia muito mais participativa, organizada. E não sei se é porque não tem os mecanismos ou os recursos de inteligência para fazê-lo, porque esse é outro problema: não houve muita inteligência orgânica dentro do chavismo e foi ele quem teve de construí-lo por completo.

Ele se dá conta de que é um mito, começa a fazer as coisas na América Latina e as expectativas são muito grandes. As esquerdas da Europa, que desde a queda do Muro de Berlim não tinham em quem se agarrar, o fazem em Chávez. Por sua vez, está surgindo um Brasil muito novo com Lula, ao qual deveria se voltar mais, porque precisava de um apoio internacional forte e foi deixado um pouco sozinho.

A partir desse momento, não creio que o problema seja de vaidade. É verdade que os líderes políticos têm o problema do ego inflado. Mas a iniciativa que ele provoca é algo muito sério e pode trazer complicações: manifestar excessivamente sua repulsa aos Estados Unidos, quando este é seu principal cliente. Na lógica do discurso chavista, era preciso ter um inimigo, mas Maduro, a quem falta muita maturidade, não controla o que diz e solta algumas grosserias que podem gerar conflitos nas relações internacionais. O que Maduro e os dirigentes chavistas poderiam fazer é colher o que Chávez disse e fazer disso o seu programa.

Porque se as últimas eleições ocorrem após dois meses da morte do mito – que vai se esvaziando se não é alimentado –, perdeu-se uma porcentagem muito alta de eleitores. Ou isso é bem apreendido ou o chavismo durará um ano. E não vale se meter com os Estados Unidos, Espanha, ou chamar o Capriles de todo tipo de barbaridade. Maduro poderia ter vencido a vaidade e acreditado que é um filho de Chávez. E não. É um sindicalista não muito bem preparado, que tem uma boca da qual saem barbaridades facilmente.

Periodismo Humano: O senhor diz que as esquerdas internacionais não apoiaram suficientemente o Brasil de Lula. Por quê?

Carmelo García: Primeiro, porque têm medo dele, pois é um país grande: a América Latina sem o Brasil é muito pouca coisa, ainda que o Brasil, sem a América Latina, também o seja. O Brasil é a força importante na economia mundial e nas relações internacionais. E o Partido dos Trabalhadores do Brasil é muito especial, uma formação política alternativa integrada por 30 organizações pertencentes a movimentos sociais, sindicatos, que acabam se transformando em um partido político, seguindo o rastro de muitos outros países latino-americanos, nos quais não funcionaram nem os partidos tradicionais, nem os conservadores, nem os liberais e nem os social-democratas.

E também encontram em Lula uma pessoa um tanto mitificada: um trabalhador que perdeu um dedo trabalhando em um equipamento em mal estado, preso por fazer parte da oposição sindical durante a ditadura, que vai emergindo e que se converge em um líder social que se candidata nas eleições e não as ganha... Até que as ganha. E chega depois que o presidente social-democrata Fernando Henrique Cardoso reestruturou a economia brasileira e foi ganhando credibilidade no exterior.

Lula é uma pessoa sensata que não perde a cabeça por estar na presidência, que não pôde fazer tudo o que queria por conta da estrutura econômica e política de um Estado muito difícil de controlar, mas que talvez tenha feito menos do que poderia. Mas cumpre um papel muito importante frente aos organismos internacionais, frente às Nações Unidas, ao G7 e ao G20. Cria-se o grupo dos emergentes, BRICS, que são os únicos com capacidade para mudar o Conselho de Segurança da ONU... E agora chega Dilma Rousseff, também uma presa por terrorismo, uma revolucionária que se transforma em presidenta de um país no qual o machismo é infinito.

Estamos em um momento de transição, com uma tendência altamente positiva. A América Latina é o único continente que continua crescendo e de maneira mais homogênea – ainda que continue tendo o problema da desigualdade, e aí faltou coragem a Lula para miná-la –, que continua solucionando a democratização pouco a pouco... E, para isso, não bastam nações, mas são necessárias uniões.

Se os Estados Unidos entendessem que a América Latina amadureceu politicamente em muitas de suas camadas e que já não são mais apenas oligarquias, que há um projeto democratizador... E, nesse processo de entendimento, a Europa poderia ajudar, para servir como referência quanto aos direitos humanos, a boa governança, os direitos dos povos... Mas temos uma Europa néscia e estúpida, e não se pode esperar muito dela. Se mudasse a partir das eleições alemãs, e depois do Parlamento da União Europeia, poderíamos pensar que assumiria outro papel.

Periodismo Humano: No caso do Chile, chama a atenção que uma sociedade formada politicamente nas esquerdas e com uma ditadura tão recente eleja como presidente Sebastián Piñera, dono de uma das maiores fortunas do país.

Carmelo García: Piñera é muito de direita, mas não é pinochetista, é democrata, de uma direita inteligente, poderosa e civilizada. E à frente tinha o conjunto das forças de esquerda, preso com alfinetes, uma força que poderia ser interessante, mas que não tinha um projeto comum. E, além disso, que teve presidentes que não foram coerentes com o fato de resgatar a democracia e colocá-la a serviço do povo, mas que se deixaram levar pela economia criada por Pinochet, liberalizada e aberta por completo ao capital exterior, incluindo Ricardo Lagos. 

E o último mandato de Michele Bachelet foi muito errático, não fez política com o enfoque de gênero, como foi colocado em prática na ONU Mulheres, e poderia ter dito “eu sou socialista de Allende”, em vez da coalizão. Também teve o problema que se rebelaram os jovens e os indígenas, com os quais nunca se lidou bem, nem nos tempos de Allende. Tampouco houve muita inteligência, por parte das populações indígenas, em suas relações a respeito do projeto nacional.

Mas o fato de que Bachelet tenha decidido voltar é muito bom porque aprendeu uma lição em nível mundial de política de gênero e porque se deu conta da decadência do Chile quanto ao significado político. O maior capital do Chile continua sendo Salvador Allende e a referência ante o mundo de que aquela foi uma possibilidade que solaparam da maneira mais selvagem, violenta e néscia. 

E sua volta pode ser muito positiva para toda a América Latina. A vantagem do Chile é que é um país muito grande e tem que ter relação com muitos países, tem uma economia avançada e bem articulada, sem ter que passar por essa oligarquia reduzida. Se isso é colocado em prática, teremos um par de legislaturas muito boas, que contribuirão muito inteligentemente para essa latino-americanização do continente.

Periodismo Humano: E, em todo esse panorama esperançoso que o senhor traça para a América Latina, como o narcotráfico pode malograr esses processos?

Carmelo García: Tem um papel muito importante, é uma potência financeira internacional, mas poderia ser controlado se o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, fosse capaz de conseguir a paz, que depende dele, e não dos guerrilheiros, que já não têm nada a propor.

Periodismo Humano: Nem sequer a reforma agrária?

Carmelo García: Eles têm que propô-la porque, se não, vão perguntar a eles o que estão defendendo, mas quantos deles irão ao campo trabalhar? Quantos criarão cooperativas de produção para colocá-las a serviço dos despejados? Eles perderam categoria política. Mas Santos precisa da paz mais do que eles e, então, poderiam ir pelo narcotráfico, que, ainda que não dependa apenas da Colômbia, os cartéis dependem, em uma porcentagem muito alta, da produção, transformação e venda desse país.

Periodismo Humano: E no caso do presidente Santos, que era ministro da Defesa do governo de Álvaro Uribe quando se cometeram os falsos positivos, assassinatos de civis, apresentando-os à opinião pública como baixas dos rebeldes, isso não vai acarretar um custo político? E, em relação a seu enfrentamento público com Uribe, trata-se de uma fofoca política ou tem algo a mais?

Carmelo García: Na realidade e, de fato, a apresentação de Santos nas eleições já foi uma maneira de se distanciar e assinalar que era ele quem tinha categoria política. Porque é verdade: Uribe tinha que se travestir de “ditadorzuelo” porque o pobre homem não tinha capacidade para mais. Santos pode governar um grande país como pode ser a Colômbia, com uma economia mais articulada e diversificada que a venezuelana, com uma classe média mais ampla e mais formada... Mas deveria abrir mais o processo de paz à participação da cidadania, em vez de fazê-lo com secretismo. As FARC poderiam se fazer de valentes, mas isso seria muito torpe porque não têm nada a oferecer e tudo para ganhar em nível pessoal, grupal e também como projeto.

“Passar do Estado de bem-estar ao de bem-querer, conversas nas quais o outro tenha importância, que as relações não sejam de poder, mas de querer (…) Me pergunto se estamos assistindo a mudanças de paradigmas fundamentais, se surge outra forma de convivência baseada na soberania do povo. Se começa a tomar corpo no 15M... Ainda estamos vivendo da Revolução Francesa”, disse Carmelo na aula.

Periodismo Humano: No caso da proposta indígena do Bem Viver, incorporada nas constituições bolivianas e equatorianas, que influência podem ter, para além desses países, na concepção dos Estados?

Carmelo García: É um referencial que tem muitos níveis. No plano teórico, pois se atreveram a propor, em um momento de grande crise teórica, um Estado não-nação, que mantém a unidade e que incorpora um quarto poder, o comunitário, colocado como base dos outros. E isso fez com que comunidades como as Aymara e as Quechua enfrentassem Evo porque ele não sabe ser coerente com o que foi estabelecido constitucionalmente. 

Mas também é certo que não há um substituto, como ocorria com Lula no Brasil. O Movimento dos Sem Terra (MST) rompia com o PT, mas logo tinha que votar por ele porque, se não fosse assim, seria por quem?
No caso do Equador, Rafael Correa, que é mais inteligente, mas mais mentiroso, tem mais estrutura de poder porque já foi ministro com Lucio Gutierrez, que tinha um artifício para fazer com que os indígenas acreditassem que eles estavam participando.

Essas constituições acolhem os direitos humanos, mas também os da natureza, e os juristas estudam como a natureza pode ser sujeito de direito... Ainda não sabemos bem o que significam, mas poderiam ser um modelo alternativo de organização para a convivência, a economia, a vida cotidiana, a produção que se leva nos países desenvolvidos. E, logicamente, parece mais coerente que sejam os povos aqueles que decidirão.

A Espanha reduziu, nos últimos anos, 70% do orçamento dedicado à Cooperação ao desenvolvimento, e muitas ONGS tiveram que abandonar projetos já iniciados e demitir uma grande de seu pessoal contratado. Nesse sentido, rodeado de profissionais que se especializam em um master para trabalhar no Terceiro Setor, também reivindica que essa crise seja aproveitada pelas organizações para questionar e repensar a cooperação ao desenvolvimento.

“Também não é ruim que desapareça a cooperação ao desenvolvimento tal como ocorre hoje, esse humanismo que encobre o desastre da desigualdade. Mas o ruim é que não vai desaparecer, mas será substituída por alianças político-empresariais. Os únicos que têm consciência crítica estão no mundo das ONGs. Se, nesse meio, pudessem surgir movimentos para questionarem a cooperação atual...”

Periodismo Humano: O que o governo espanhol está fazendo com a cooperação?

Carmelo García: O mesmo que estavam fazendo antes, o ridículo. Não entenderam isso, pois a utilizam como uma arma política externa e agora mais ainda, com o ministro de Relações Exteriores tão arrogante que temos. Mas não apenas na Espanha, como também na União Europeia e na ONU. Levamos sessenta anos com isso, e algo de errado devemos ter feito, se o mundo está como está.
Tenho pena do fato de, por conta da política de cooperação, caírem um monte de organizações que estavam fazendo pequenas coisas, com um senso crítico, e permanecerem apenas as que têm capacidade econômica. O que a capacidade econômica tem para colocar a serviço dessas pessoas, fazendo emergir um sujeito sociopolítico e econômico alternativo? Isso me entristece porque é um dos grandes temas que temos pendentes no mundo.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/13182
10/06/2013
Tradução: Opera Mundi


domingo, 9 de junho de 2013

O VÍNCULO DOS TERENA DE BURITI COM A TERRA QUE REIVINDICAM É HISTÓRICO E CULTURAL



 
 

 
“O Estado deve assumir o ônus de ter titulado terras indígenas em nome de particulares”, assinala o antropólogo Levi Marques-Pereira.



“O governo tem se mostrado omisso com o problema fundiário dos indígenas em Mato Grosso do Sul. (...) A questão é sempre tratada como problema pontual, o que é um equívoco. 

São dezenas de comunidades reivindicando a demarcação de seus territórios, Buriti é apenas um desses casos, o que está na mídia nesse momento”. A avaliação é de Levi Marques-Pereira, professor na Universidade Federal da Grande Dourados, e que está acompanhando os conflitos entre fazendeiros e os índios Terenas, que reivindicam a ocupação de Buriti.

Índias na labuta do dia a dia - Foto: Ruy Sposati/Cimi

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o antropólogo explica como aconteceu o processo de ocupação e desocupação da Terra Indígena de Buriti. Segundo ele, o Serviço de Proteção aos Índios – SPI, ao organizar os indígenas em reservas, tinha dois objetivos:
“a) liberar as terras indígenas para a ocupação de particulares, interessados em requerer terras na região;
b) incorporar a população indígena na categoria de ‘trabalhadores nacionais’, que seriam incorporados nas atividades produtivas que se implantariam na região”.

De acordo com ele, “na lógica de atuação do SPI, não fazia sentido demarcar terras indígenas de maior extensão, suficientes para a reprodução dos indígenas de acordo com seus usos, costumes e tradições. Segundo o imaginário da época, a condição de indígena era vista como transitória, pois se acreditava que em pouco tempo os indígenas se convenceriam das vantagens da civilização e abandonariam suas práticas culturais”.
 

 A modernização do campo, a partir da década de 1970, explica, impôs a “retirada total das famílias, obrigadas a se recolherem na área de acomodação de 2.090 hectares, constituída como reserva em 1926”. Somente mais de 70 anos depois, em 2001, a Funai reconheceu o direito dos Terena de Buriti sobre uma área de 17.200 hectares. “A partir de então a região tem vivido forte tensão, com os Terena pressionando para que o governo conclua o processo de regularização de suas terras de ocupação tradicional”, menciona.

Confira a entrevista.



Levi Marques-Pereira
 
IHU On-Line – Qual a situação dos índios Terena que vivem no Mato Grosso do Sul? Do mesmo modo que os Guarani, eles também estão confinados?

Levi Marques-Pereira – Sim, o processo de expropriação dos territórios de ocupação tradicional dos Terena é semelhante ao que aconteceu com os Guarani e os Kaiowá que vivem no sul do MS. O compartilhamento dessa história de submissão neocolonial comum tem até aproximado as lideranças desses grupos étnicos, que mutuamente se apoiam na luta pela reconquista de seus territórios. Esses grupos étnicos foram objeto da mesma política governamental de recolhimento em reservas, com extensões diminutas de terra. A intenção do Serviço de Proteção aos Índios – SPI, o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, era reunir em reservas a população de diversas comunidades. Antes de serem expulsas de suas terras, as comunidades indígenas radicavam suas aldeias por uma extensão de terra muito ampla.

Dois objetivos orientavam essa política de recolhimento em reservas:

a) liberar as terras indígenas para a ocupação de particulares, interessados em requerer terras na região;

b) incorporar a população indígena na categoria de “trabalhadores nacionais”, que seriam incorporados nas atividades produtivas que se implantariam na região.

Na lógica de atuação do SPI, não fazia sentido demarcar terras indígenas de maior extensão, suficientes para a reprodução dos indígenas de acordo com seus usos, costumes e tradições. Segundo o imaginário da época, a condição de indígena era vista como transitória, pois se acreditava que em pouco tempo os indígenas se convenceriam das vantagens da civilização e abandonariam suas práticas culturais. Entretanto, passado um século, os indígenas continuam se apresentando enquanto grupos étnicos diferenciados e reivindicando o direito de ocupação dos territórios dos expropriados no processo de expansão das frentes econômicas.

IHU On-Line – Pode nos contar como ocorreu o processo de ocupação da Terra Indígena Buriti pelos índios Terena? Como ocorreu, ao longo dos anos, a luta pela ocupação e reconhecimento dessa terra?

Levi Marques-Pereira – O histórico da ocupação da Terra Indígena Buriti pelos índios Terena foi descrito em livro que apresenta os resultados da perícia judicial realizada por mim e pelo prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira, disponível em PDF.

A partir da última década do século XIX se inicia o processo de ocupação das terras até então ocupadas pelos Terena na região de Buriti. A titulação das terras se estende até as primeiras décadas do século XX, mas a expulsão dos Terena foi gradativa, se prolongando pelo menos até a década de 1970. Em muitos casos os próprios Terena foram incorporados nos trabalhos de formação de fazendas sobre os seus territórios, já que essa se tornava a única alternativa, além de constituir uma estratégia para permanecerem em seus territórios.

No entanto, a modernização do campo, principalmente a partir da década de 1970, impôs a retirada total das famílias, obrigadas a se recolherem na área de acomodação de 2.090 hectares, constituída como reserva em 1926. Essa retirada das famílias não foi pacífica, muito índios reagiram e buscaram recursos juntos ao próprio SPI e depois à Funai, mas prevaleceram os interesses dos particulares que requereram e titularam as terras dos Terena.

Só em 2001, depois de muita pressão dos Terena, a Funai publica o resultado do estudo coordenado pelo antropólogo Gilberto Azanha, reconhecendo o direito dos Terena de Buriti sobre uma área de 17.200 hectares. A partir de então a região tem vivido forte tensão, com os Terena pressionando para que o governo conclua o processo de regularização de suas terras de ocupação tradicional.

IHU On-Line – A Terra Indígena Buriti foi declarada, em 2010, pelo Ministério da Justiça como de ocupação tradicional. Entretanto, dos 17 mil hectares reconhecidos, os índios ocupam hoje apenas 3 mil hectares. Quais as razões disso? Qual é a situação legal desta Terra Indígena?

Levi Marques-Pereira – Nos processos judiciais envolvendo o reconhecimento de terras indígenas em Levi Marques-Pereira – MS, sistemática e reincidentemente a Justiça Federal, em primeira instância, costuma dar ganho de causa aos portadores de títulos de propriedade. O Ministério Público Federal e a Funai costumam recorrer dessas decisões e, em muitos casos, conseguem a revisão da sentença em tribunais superiores.

O problema é a fragilidade do ato administrativo da publicação do relatório no Diário Oficial da União ou da Portaria Declaratória do Ministro da Justiça, que não são suficientes para assegurar a posse da terra por parte dos indígenas. Mesmo quando o presidente da República homologa o processo administrativo, ações judiciais impedem a posse indígena.

O histórico das reocupações indígenas e das desocupações por ordem judicial indica que o cumprimento das ações de reintegração de posse não encerra a questão. Os índios são retirados por forças policiais, mas em pouco tempo acabam retornando. Dessa forma, índios e proprietários ficam expostos a um conflito interminável, que pode durar anos ou décadas. É urgente a construção e uma solução. Ao que tudo indica, a solução definitiva só virá quando os indígenas retornarem às suas terras e os atuais proprietários receberem a indenização do Estado.

IHU On-Line – Após a morte de Oziel Gabriel, a presidente Dilma disse que a solução do conflito se tornou “prioridade” para o governo. Como vê essa declaração?

Levi Marques-Pereira – O governo tem se mostrado omisso com o problema fundiário dos indígenas em MS. Essa postura não é só do governo atual, mas também dos que o antecederam. A questão é sempre tratada como problema pontual, o que é um equívoco. São dezenas de comunidades reivindicando a demarcação de seus territórios, Buriti é apenas um desses casos, o que está na mídia nesse momento. Mesmo que se descubra uma solução para esse caso, outros continuarão surgindo enquanto não se descobrir uma solução para todos eles.

IHU On-Line – Entre as mudanças sugeridas recentemente pelo governo está a proposta da ministra Gleisi Hoffmann, de que as demarcações das terras indígenas recebam pareceres da Embrapa. Como valia essa medida?

Levi Marques-Pereira – Esta solução é velha. No início da década de 1990, enquanto não havia legislação que regulamentava os artigos da Constituição de 1988, os quais regulam a demarcação de Terras Indígenas, algumas terras foram demarcadas por equipes compostas por técnicos de vários ministérios e sem orientação antropológica. Em MS o resultado foi desastroso. Terras Indígenas como Jaguary, Sucuri’y e Jarará foram demarcadas por grupos técnicos dessa natureza e não contemplaram as expectativas dos índios em relação às terras tradicionalmente ocupadas. Tais demarcações geram insatisfações e reclamações até hoje. É difícil imaginar qual parecer a Embrapa poderá emitir e como seria a contribuição que daria aos estudos.

IHU On-Line – Como entender o conflito pela posse de terras entre índio e não índio? Qual a importância que a terra e o território têm para os índios?

Levi Marques-Pereira – O vínculo dos Terena de Buriti com a terra que reivindicam é histórico e cultural. Tal vínculo recebeu o reconhecimento da Funai e do Ministério da Justiça, que acataram os estudos técnicos realizados. Os indígenas estão cada vez mais conscientes dos direitos territoriais a eles assegurados. Se no passado foram constrangidos a deixar seus territórios por conta das pressões de particulares que titularam as terras por eles ocupadas, atualmente demonstram firme propósito em reaver seus territórios de ocupação tradicional, nos quais nunca deixaram de transitar, mesmo que em expedições clandestinas de caça, pesca ou coleta. Também muitas famílias permaneceram residindo nesses locais até poucos anos, assumindo a condição de peões de fazenda. Essas estratégias permitiram manter os vínculos com o território.

O conflito se tornou visível quando os indígenas assumiram a intenção de romper a aparente aceitação do confinamento na reserva e passaram a reocupar seus territórios. Os proprietários estranham muito essa mudança de postura. Muitos acreditam que ela se deve à interferência de atores externos, interessados em romper a paz no campo. Tal proposição não se sustenta, até porque em MS existem cerca de 800 acadêmicos indígenas, muitos já formados em cursos de graduação, mestrado e doutorado. Para se ter ideia, um advogado terena acompanha o processo judicial em Buriti, então como supor que eles não seriam sujeitos políticos plenamente capacitados para defender seus interesses?

IHU On-Line – Como esses conflitos são vistos pela população sul-mato-grossense?

Levi Marques-Pereira – Um estudo realizado por pesquisadores de demografia da Unicamp constatou que MS é o estado com mais preconceito em relação aos indígenas. Em geral, a população sul-mato-grossense não gosta dos indígenas nem manifesta disposição em reconhecer seus direitos. A visão dos opositores dos indígenas, diretamente envolvidos nos conflitos fundiários, tende a se projetar como hegemônica em MS. Entretanto, os indígenas recorrem ao recurso das redes sociais na internet para divulgarem suas demandas, interesses e perspectivas. Mesmo em MS eles conseguem apoiadores, muito tímidos é verdade, por conta das enormes pressões exercidas pela predominância dos interesses anti-indígenas.

IHU On-Line – Qual a melhor maneira de resolver os conflitos entre indígenas e não indígenas?

Levi Marques-Pereira – Nos casos em que há comprovação da ocupação tradicional indígena, como no caso dos 17.200 hectares reivindicados pelas aldeias de Buriti, a solução parece passar pela devolução das terras para os indígenas e a indenização dos proprietários. A indenização deve ser considerada como procedimento justo, tendo em vista que a cadeia dominial é antiga. Via de regra, os atuais proprietários adquiriram as terras de boa fé e não foram eles os responsáveis pela expulsão dos indígenas. O Estado deve assumir o ônus de ter titulado terras indígenas em nome de particulares, deve reconhecer seu erro e ressarcir tanto os indígenas como os atuais proprietários.



Levi Marques-Pereira é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas, especialista em História da América Latina pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo – USP, e pós-doutor em Antropologia Social pela Unicamp. É professor adjunto da Universidade Federal da Grande Dourados, onde participa dos programas de pós-graduação em Antropologia e História. Realizou perícias para a justiça (estadual e federal) e trabalhos técnicos para governos, Unicef e Unesco. Atua também em estudos de licenciamento ambiental.

 
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/13149

06/06/2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

MEIO AMBIENTE: NADA A COMEMORAR NO BRASIL



Na semana em que é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente, indígenas, quilombolas e agricultores, entre outras vítimas, brigam pelo direito à saúde e à terra.

Viviane Tavares, da EPSJV/Fiocruz
 

Os povos almados marcham e pedem ao Estado brasileiro que os respeitem. Foto: Ruy Sposati/Cimi
  
A marcha dos indígenas Terena, que partiu no dia 30 de maio e chegou na quarta-feira, dia 5 de junho, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, serve como símbolo de que nesta semana, em que é lembrado o Dia Mundial do Meio Ambiente, não há nada o que comemorar. De acordo com o Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, elaborado pela Fiocruz e pela ONG Fase, e lançado no ano passado, as principais vítimas são os indígenas, sendo 33,67 dos casos do relatório; os agricultores familiares, 31,99%; e os quilombolas, com 21,55%. No mapa, são relatados 343 conflitos ambientais, que têm impacto na saúde coletiva no país.

Casos clássicos de grandes empreendimento – como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, construída no Rio Xingu, no Pará, e a usina siderúrgica Tyssenkrup Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, além de empresas como a fábrica Eternit em Minaçu, em Goiás, e das Indústrias Nucleares do Brasil S.A (INB), em Santa Quitéria, no Ceará, e no Caetité, na Bahia – mostram que a luta não é localizada. 

Uma das coordenadoras do Mapa de Injustiças Ambientais e editora do blog Combate ao Racismo Ambiental, Tânia Pacheco, denuncia que a situação está ficando cada vez mais crítica. "O meio ambiente não é só a plantinha, não é só o bicho que está no meio do mato. O meio ambiente é o ser humano que está integrando a natureza.

A gente vive em um país no qual, neste momento, um indígena de 35 anos [Oziel Gabriel] acabou de ser assassinado porque estava tentando ficar em uma terra que é reconhecida como dele. Se olharmos a terra de Mato Grosso do Sul, hoje ela é toda banhada a sangue. 

Quem não foi expulso durante a colonização, foi expulso no século passado e continua sendo. Lá é o estado onde mais se mata indígena no Brasil, sendo responsável por mais de 50% de mortes de indígenas por ano. Mas, em todo o país, temos um monte de gente ameaçada de morte, como os quilombolas e pescadores artesanais. Por outro lado, temos madeireiros acabando com a Amazônia, eucalipto, soja e a cana de açúcar como monocultura dos grandes latifúndios, dando passos para trás na nossa história", resume Tânia.

Segundo ela, "o que está por trás disso é um modelo desenvolvimentista capitalista que se apossou do coração e da mente de determinadas pessoas, que entendem que o consumo é a grande marca de ser”. “Isso se reflete no racismo com os quilombolas, nordestinos, indígenas, entre outros", avalia.

Grandes empreendimentos

Um caso que já dura mais de 20 anos, a Usina de Belo Monte atinge mais de 300 mil pessoas, entre ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que habitam a região. A questão do licenciamento e a falta da participação popular no estudo de viabilidade do projeto foram alguns dos pontos agravantes do processo que se arrasta até hoje. Mais recentemente, em 2009, com o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e com a liberação da licença prévia para a construção por meio do Ministério de Meio Ambiente (MMA), a questão voltou à tona.

A licença permite que o consórcio Norte Energia, responsável pela usina, instale canteiro de obras e alojamentos com a autorização de desmatamento de 238 hectares. Um dos problemas questionados pelo Ministério Público Federal foi o de que a empresa não cumpriu as condicionantes exigidas para a obra.

No mês de maio desse ano, mesmo com muitas manifestações e protestos, as lideranças Munduruku que ocupavam a região do canteiro de obras em Vitória do Xingu, a 50 km de Altamira, no Pará, receberam mandado que determina a reintegração de posse de Belo Monte. 

O Ministério Público do Pará, em pronunciamento, alegou que havia se surpreendido com a decisão, uma vez que a negociação com os indígenas estava avançada. A decisão partiu da desembargadora Selene Almeida, que se baseou em um relatório realizado pela Polícia Federal de Altamira. Em nota, o MPF também mostrou "preocupação com a condução do caso, já que a chefe da Polícia Federal em Altamira, responsável pelo relatório, é casada com o advogado da Norte Energia S.A, Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de posse".

A questão do licenciamento ambiental também é uma pedra no meio do caminho de pescadores artesanais e responsáveis pelo Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras. O projeto abarca sérias denúncias de poluição na Baía de Guanabara e ataques a pescadores. 

Na primeira semana do mês de maio, o juiz federal Eduardo de Assis Ribeiro Filho, da Segunda Vara Federal de Itaboraí, paralisou as obras por entendimento de que as licenças ambientais do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) não eram suficientes e faltariam documentos de liberação do Ibama. Dois dias depois, o Comperj voltou a operar.

Em entrevista concedida à EPSJV/Fiocruz, o líder da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar) e pescador, Alexandre Anderson, denunciou a contaminação provocada pela construção, que acarretou o prejuízo da atividade pesqueira de inúmeras famílias, e as ameaças que estaria sofrendo junto com outros companheiros. 

Em menos de um mês, dois pescadores artesanais e ativistas, Almir Nogueira de Amorim, de 40 anos, e João Luiz Telles Penetra (Pituca), de 45 anos, foram assassinados. Alexandre hoje não exerce mais sua atividade e é integrante do programa de proteção a ameaçados de morte do governo federal, por conta das constantes ameaças.

Rio de Janeiro e Minas Gerais dividem as consequências provocadas pelas obras de construção do Porto do Açu, que ficará em São João da Barra, no Rio de Janeiro. O Mapa das Injustiças aponta que, no total, serão 32 municípios envolvidos e diferentes atividades produtivas impactadas. "Por conta de tantas partes envolvidas, o licenciamento foi se dando de forma parcial, no lugar de analisar o todo, vendo os impactos em grandes dimensões", afirma o pescador. 

O Complexo Portuário do Açu , do grupo EBX, prevê a construção de um terminal portuário para receber navios de grande porte, além de um condomínio industrial com plantas de pelotização, indústrias cimenteiras, um polo metal-mecânico, unidades petroquímicas, montadora de automóveis, pátios de armazenagem para gás natural, cluster para processamento de rochas ornamentais e uma usina termoelétrica, informa o Mapa das Injustiças Ambientais. 

Como consequência, a obra está desalojando diversas comunidades e afetando uma área de reserva ambiental. A Asprim, baseada no parecer técnico da Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB), afirma que o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) omite informações. O Instituto Justiça Ambiental (IJA) também aponta irregularidades no licenciamento, por ter iniciado a tramitação no Inea, quando o caminho deveria ser por um órgão federal, que, no caso, seria o Ibama.

Agronegócio
O município de Limoeiro do Norte, no Ceará, está entre os mais impactados pelo uso de agrotóxicos. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em conjunto com a Universidade de São Paulo (USP), apontou que o uso tem sido indiscriminado e que um em cada três trabalhadores avaliados apresentam irritação, dores, tonturas, depressão, câncer, entre outros sintomas, além da constatação de alguns casos de morte.

A professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC, Raquel Rigotto, enfatiza que os impactos na saúde pública, embora sejam de grande dimensão, não estão claros para a sociedade. "Temos impacto desde os consumidores até os trabalhadores. Como diz o [cineasta] Silvio Tendler, o veneno está na mesa todos os dias.

O estudo do Ministério da Saúde que faz o controle de registro da Anvisa tem mostrado que em 63% das amostras analisadas são identificadas a presença dos agrotóxicos, e em 29% destas esse teor é tão elevado que torna o alimento proibido para consumo. Os consumidores estão ingerindo doses enormes. O resultado disso é que ele é um dos responsáveis por uma das principais causas de morte no Brasil, que é o câncer", explica. 

Segundo ela, “desde a Revolução Verde, tem-se a ideia de que os agrotóxicos elevam a produtividade e melhoram a qualidade dos produtos. Com isso, contam com o envolvimento muito forte do governo federal e governos estaduais, que têm concedido isenções de impostos, tornando o produto mais barato e, consequentemente, estimulando o consumo conjuntamente com a propaganda e com agentes técnicos que sofrem forte influência na formação acadêmica".

Raquel lembra que, do 1 milhão de tonelada de agrotóxicos que o Brasil consome ao ano, 70% é consumido na produção das três principais commodities agrícolas para exportação: a soja, a cana de açúcar e o milho. O Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxico do mundo. De acordo com dados da Embrapa, os estados que lideram esse ranking internamente são São Paulo (25%), Paraná (16%), Minas Gerais (12%), Rio Grande do Sul (12%), Mato Grosso (9%), Goiás (8%) e Mato Grosso do Sul (5%). Além do alto consumo, o problema está ainda na forma como ele é usado.

A pulverização aérea - proibida em diversos países - ainda é uma prática comum no Brasil. Casos recentes como o de Rio Verde, em Goiás, em que uma escola foi atingida e diversos estudantes e funcionários foram contaminados com o Engeo Pleno, um inseticida da Syngenta que havia sido proibido pelo Ibama e logo depois liberado, ilustram essa situação. O município de Lucas do Rio Verde (MT) também sofre consequências de pulverização aérea que já contaminou rios, águas da chuva e até o leite materno, de acordo com a pesquisa ‘Agrotóxicos em leite humano de mães residentes de Lucas do Rio Verde ', da pesquisadora Danielly Palma. Ainda no Mato Grosso, os indígenas Xavante da Terra Indígena de Marãwaitsédé também denunciaram despejo de agrotóxicos muito próximo às suas residências.

Nesta semelhança entre quem legisla e quem lucra, o agronegócio cresceu substancialmente nos últimos anos no Brasil. Entre os proprietários de grandes terras e indústrias do setor, estão muitos parlamentares, como o senador Blairo Maggi (PR/MT), líder da Comissão de Meio Ambiente do Senado, que também é composta pelos ruralistas Garibaldi Alves Filho, Ivo Cassol, Kátia Abreu, José Agripino e Eunício Oliveira, este último exerce cargo de suplente.

Povos tradicionais

A marcha dos indígenas Terena que abriu essa matéria também é fruto da briga entre fazendeiros e indígenas. A fazenda Buriti, motivo do conflito atual, é um espaço reivindicado pelos indígenas há mais de uma década, e que, em 2010, foi reconhecido pelo Ministério da Justiça como de posse permanente dos Terena. Há um ano, o governo voltou atrás, concedendo a reintegração da posse da terra aos antigos proprietários.

Uma das principais bandeiras dos indígenas brasileiros é a demarcação das terras. O que os indígenas estão considerando um passo para trás foi dado nesta última semana, quando o governo anunciou que a Fundação Nacional do Indígena (Funai) não será a única a emitir pareceres sobre as demarcações, conjuntamente serão levados em consideração os de outros órgãos, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em carta aberta, os servidores da Funai protestaram sobre a decisão. "(...) De acordo com a Constituição Federal de 1988, compete à União a demarcação de terras indígenas para a garantia da sobrevivência física e cultural destes povos, de acordo com seus usos costumes e tradições, afastando-se a ideia de assimilação/aniquilação dos povos indígenas e suas culturas, que orientou ações de Estado até os anos 198/90. As demarcações de terras indígenas são, portanto, o reflexo de um novo paradigma para uma sociedade verdadeiramente plural, em que povos indígenas têm voz, vez e terras", diz a carta.

Outras contaminações

Zoraide Vilas Boas, coordenadora de comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça e Cidadania, explica que a população do município de Caetité, localizado a 750 km de Salvador (BA), sofre as consequências de mina de urânio. A contaminação da água também é destaque da cidade, que não tem unidade de saúde pública que possa cuidar diretamente do problema.

A exploração do material radioativo é realizada pela empresa pública Indústrias Nucleares Brasileiras (INB). "A Comissão Nacional de Energia Nuclear, na estrutura do setor nuclear brasileiro, é a que formula, cria, faz a política nuclear, e, ao mesmo tempo, estimula a atividade, fiscaliza e é proprietária da INB. Por outro lado, a INB ainda tem a prática de levar cientistas para fazer palestras que alegam que o Caetité já é poluído naturalmente", denuncia.

O município de Santa Quitéria, no Ceará, compartilha do mesmo problema. A denominada "Jazida de Itataia" foi descoberta no ano de 1976 e, em 2006, o governo anunciou a intenção de extrair além do urânio, o fosfato, ambos destinados à produção de fertilizantes. A exploração ainda não foi iniciada, mas o Mapa de Injustiças enfatiza que esta magnitude implicará no transporte de materiais perigosos, riscos de acidentes, vazamentos e demais passivos para as populações.

Zoraide alerta que a INB tem alegado que a exploração no Ceará tem foco no fosfato como forma de conseguir um licenciamento. "Eles alegam que o urânio é uma exploração secundária. Porque o licenciamento para o fosfato pode ser feito pela secretaria do estado do Ceará, já o licenciamento nuclear é de responsabilidade federal. O caminho é mais fácil desta forma. A sociedade reagiu e o processo ainda não foi concluído", explica.

O amianto - declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um elemento altamente cancerígeno - é livremente explorando na Mina Cana Brava, de propriedade do grupo italiano Eternit e da Sociedade Anônima Mineração de Amianto, em Minaçu, interior de Goiás. 

A auditora fiscal do trabalho, Fernanda Giannasi, afirma que além de um problema de saúde ocupacional, por conta do desenvolvimento de mesotelioma, tipo de câncer provocado pela exposição ao amianto, trata-se também de um problema de saúde pública. "O que nos causa muito incômodo é que o Amianto continua sendo permitido no Brasil.

O descaso com a vida e a saúde da população com a exploração deste mineral já deu origem a diversas ações que estão em andamento, mas isso não vai adiante. Essa atividade é reconhecida como cancerígena, e já foi abolida em mais de 60 países. Aqui continuam a explorar sobre a proteção do governo de Goiás e do governo Federal. A omissão é um dos pontos mais graves deste caso", argumenta. Tamanha a gravidade internacional que, nesta semana, a justiça italiana aumentou a sentença do empresário suíço Stephan Schmidheiny, sócio da Eternit Italia, de 16 para 18 anos, por ter provocado a morte de mais de 3 mil pessoas com o uso de amianto.

De acordo com o Mapa das Injustiças, baseado em denúncias de entidades locais e de fiscais do Ministério do Trabalho, há cerca de 50 famílias de trabalhadores e ex-trabalhadores das minas e fábricas da SAMA/Eternit atingidas por doenças e óbitos. “São vítimas de câncer e de asbestose, causados pelo contato prolongado com o amianto crisotila, que a empresa insiste em dizer que é seguro. Há também denúncias de que o município inteiro de Minaçu é impactado pela névoa contínua lançada pela mineradora e pela fábrica de fibro-cimento sobre a cidade”, denuncia o documento. Fernanda ainda avalia que a população tem medo de enfrentar esse debate por conta do receio de perder o seu trabalho. "A população está diante de um risco altíssimo, mas está sem solução, pois a atividade econômica da cidade gira em torno desta exploração mineral", relata.

A chuva de prata proliferada pela Tyssenkrup Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) parece lembrar a situação de Minaçu. O caso da TKCSA, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, deu origem ao relatório ‘Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz ', desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que constata que, na precipitação, havia a presença de ferro, cálcio, manganês, silício, entre outros. Segundo o documento, esta contaminação já teria provocado na população problemas dermatológicos, respiratórios e oftalmológicos.

Os pescadores da Baia de Sepetiba também se dizem prejudicados com a instalação da empresa, pela poluição de toda a região. Para a atuação, a empresa não obteve a licença definitiva, mas suas atividades são realizadas por conta de uma licença ambiental parcial conforme um Termo de Ajustamento de Conduta assinado em 2010 pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). No total, são 130 condicionantes que ainda não foram cumpridas em sua completude.

O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, lembra que o bairro que abriga a empresa historicamente foi um território de exceção, e que esses são os alvos de empresas transnacionais com empreendimentos poluidores. O professor lembra que a empresa, de origem alemã, não recebeu a permissão para houvesse instalação do modelo no país de origem. "Existe uma intencionalidade nessa escolha, que parte do pressuposto de que num o território com baixo índice de desenvolvimento humano e ocupado por uma comunidade de baixa renda, a população não teria condições de defender os seus direitos", explicou o professor.


Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13172
07/06/2013

PARA ENTENDER PORQUE MATAM OS ÍNDIOS



O caso da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio.

*Elaine Tavares

No início do século XX, o Brasil decidiu expandir suas fronteiras agrícolas, fortalecendo a sua posição de país dependente, exportador de matérias primas. Era necessário então avançar pelo interior, abrir caminhos para a pecuária e a agricultura. Aí entrou em cena o Marechal Rondon, que sonhava com uma convivência pacífica entre índios e brancos: "morrer sim, matar, jamais". Mas, esse legado de humanidade se perdeu no tempo.

"Pacificados," os indígenas chamados a se "civilizar", a entrar no ritmo da sociedade branca, foram perdendo sua identidade, suas raízes, sua cultura. Outros, renitentes, foram alojados em reservas, como se fossem bichos exóticos, com suas terras diminuídas e tutelados pelo estado. O território "pacificado" ganhou escrituras, donos, cercas. E aos verdadeiros donos do território restou a nostalgia de um tempo em que eles podiam viver à sua maneira.

 
Agora, durante o mais novo ciclo de desenvolvimento dependente brasileiro, que teve início no governo Lula, é justamente essa dita fronteira agrícola que busca se expandir outra vez e, de novo, às custas dos povos originários ou dos camponeses sem terra. Mas, quando falamos em agricultura não está em questão aquela que produz comida para a mesa dos brasileiros, e sim a de exportação, que na linguagem empresarial ganhou o pomposo nome de agronegócio.

Pois esse negócio (o agrobussines) representa mais de 22% da riqueza total produzida no país, o que não é pouca coisa. Só a China tem importado mais de 380 milhões de dólares em produtos agrícolas, bem como os Estados Unidos que encosta nessa mesma cifra.

 

 

Segundo informações do governo federal (http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/setores-da-economia/agronegocio - dados de 2011), os produtos de maior destaque que saem do país são as carnes (US$ 1,14 bilhão); os produtos florestais (US$ 702 milhões); o complexo soja - grão, farelo e óleo (US$ 685 milhões); o café (US$ 605 milhões) e o complexo sucroalcooleiro - álcool e açúcar (US$ 372 milhões).

 Nota-se que a maior parte da exportação diz respeito a grãos (que no geral servem para alimentar animais) e madeira, dois legítimos representantes da monocultura destruidora de terra.

Cálculos do governo apontam para o sucessivo crescimento da produção de grãos, principalmente a soja, que tem aumentado a área plantada em 2,3% ao ano. Não é por acaso, então, que o Mato Grosso do Sul seja o principal foco de disputa de terra e de violência contra os indígenas. É justamente a região centro-oeste a responsável por 45% da produção de soja. E é lá também onde existe uma grande parcela do povo autóctone, esperando demarcação de suas terras.

A partir do ano de 2003 outra fronteira começou a se alargar na plantação de soja, atualmente outro espaço de violentas disputas, a da região da caatinga e a parte nordestina da Amazônia. Também não é sem razão que o governo esteja levando adiante obras gigantescas como as Hidrelétricas na Amazônia e a transposição do Rio São Francisco. Tudo isso é para atender a demanda dessas plantações. E é sempre bom frisar: não é comida para o povo, é produto de exportação. Vai para fora do país.

Não bastassem os projeto mirabolantes para beneficiar o agronegócio, o governo também disponibiliza, através do Plano Safra, crédito a juros abaixo do mercado. Ou seja, os mais ricos pagam menos pelos empréstimos, enquanto os pequenos, que plantam a comida que vai para a mesa da população, amargam juros altos e falta de apoio. Também está em andamento o Plano Estratégico do Setor Sucroalcooleiro, que visa ampliar a área de cana-de-açúcar para a produção do etanol. mais uma vez, não é comida o que essa gente produz.

A lógica é a de sempre: garantir rentabilidade para poucos donos de terra, reforçar o sistema agroexportador, apoiar a ação de multinacionais predadoras, e seguir o caminho de dependência econômica, já que produtos agrícolas de baixo valor agregado tornam a economia bastante vulnerável. Mas, ao que parece isso não importa. O que vale é seguir investindo nos grandes produtores para manter a balança em superávit, mesmo que isso precise custar soberania, destruição ambiental e morte daqueles que ousam "atrapalhar" o esquema.

Assim, na mesma semana em que indígenas são assassinados no Mato Grosso do Sul, o governo anuncia mais um pacote de 136 bilhões de reais para a agricultura empresarial (o agronegócio). É a completa rendição.

 
O caso da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio. Os fazendeiros querem mais terras e não estão dispostos a permitir que seres que eles consideram "inúteis" vivam sua cultura de equilíbrio ambiental e desenvolvimento fora do ritmo capitalista. Para aqueles que apenas conseguem enxergar os números da bolsa de Nova Iorque, a população indígena é um entrave que precisa ser retirado do caminho a qualquer custo. Para isso contratam jagunços e mandam bala. Fazem ouvidos moucos ao clamor que se levanta.

Ajudados pela mídia comercial, dominada pela elite que verdadeiramente governa o país, esses empresários rurais conseguem também entrar na cabeça das gentes, fertilizando um discurso racista, preconceituoso e violento. Pessoas simples, trabalhadores, gente que deveria ser solidária aos indígenas na sua luta pelo direito de viverem em suas terras, acabam reproduzindo o mantra diariamente veiculado na televisão: que os índios são vagabundos, que não querem trabalhar, que não precisam de terra, que vão vender os terrenos, que vão explorar a madeira, e assim por diante. "Compram" a mentira diuturnamente produzida e tornam-se cúmplices de mais um massacre da população originária, verdadeira dona desse lugar.

Não bastasse isso o governo federal se curva aos interesses da classe dominante e emprega a força bruta para atacar manifestações legítimas dos povos indígenas e das gentes que apoiam a causa originária.O conflito que temos visto se explicitar nas estradas do Mato Grosso do Sul, na Amazônia e até aqui, no Morro dos Cavalos, nada mais é do que a luta de classe, típica do capitalismo. De um lado, o latifúndio defendendo seus interesses, do outro, os explorados, buscando vida digna. E, no meio disso tudo uma nação alienada pela constante deformação informativa da mídia comercial que transforma em inimigo aqueles que são as vítimas do sistema.

A saída para esse imbróglio é a luta mesma. Nada será concedido pelo governo, que já se ajoelhou diante do agronegócio. Agora, o desafio é tirar o véu do conflito, escancarar as causas, abrir os olhos dos entorpecidos pela mídia. E isso, sabemos, é coisa difícil demais. Mas, também não é coisa que deva nos imobilizar. Pelo contrário. Nessa hora em que os irmãos indígenas enfrentam as balas e a morte, é preciso apoio concreto e efetivo.

O bom mesmo seria que as gentes saíssem para a rua em solidariedade à luta indígena. Enquanto isso não acontece vamos fazendo o trabalho de formiga, levando outra informação, para que as cabeças possam compreender o direito dos indígenas.

 


 

Não é possível que os sindicatos e os movimentos sociais não se levantem em apoio. Não é possível que as gentes brasileiras não se co/movam com o drama de uma gente que perdeu tudo o que era seu e que hoje vive confinada em reservas. O que fizeram para serem prisioneiros do estado e da sociedade? Que crime cometeram além de estarem aqui, criando suas famílias, quando os invasores chegaram? Por que precisam pagar pelo fato de existirem e quererem seguir vivendo sua cultura?

O que farias tu se alguém chegasse na tua casa e te arrancasse dali sob o pretexto de que é preciso passar por ali o progresso - mas não de todos, apenas de alguns? Porque o direito do agronegócio é maior do que o de uma comunidade inteira?

Essas são perguntas que não querem e não podem calar. Todo apoio aos irmãos indígenas!

*Elaine Tavares é jornalista.
Fonte; http://www.brasildefato.com.br/node/13143

06/06/2013