Pesquisar este blog

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

INDÍGENAS E A MEMÓRIA ESCOLAR

Quando pensamos em um português, espanhol, inglês do século XVI e o comparamos com um europeu de mesma nacionalidade dos dias de hoje, não nos assustamos ao ver como as culturas desses países mudaram, mas a identidade da nação se manteve. Mas, se fizermos o mesmo exercício com nações indígenas do século XVI e as de hoje, não aceitamos indígenas que utilizam internet, veem televisão ou frequentam universidades.

Esperamos que, para serem  indígena, ainda vivam 500 anos atrás, como se a cultura indígena fosse pura e imutável. É claro que existem povos que não tiveram sequer contato com o restante do Brasil, mas também existem indígenas que, mesmo mantendo suas identidades como tal, não vivem em ocas, tribos ou vivem da caça e da coleta.

Neste sentido vejamos o texto do Moutinho: ao contrário do direcionamento incontável de análise sobre o negro, desde o início do século – problematizando e enfocando os horrores da escravidão –, o índio tem ocupado um espaço microscópio em nossa historiografia.

Esse lugar infinitamente pequeno e secundário que foi dedicado à história indígena tem legado esses povos ao esquecimento, ou lembrados subitamente em flashes sensacionalistas. O índio tem uma história; uma história indubitavelmente plural. É necessário [...] desconstruir abordagens simplistas que eurocentrizaram as análises, configurando o indígena num ambiente social exótico e primitivo.

Essa ressignificação histórica é também um ressignificar de consciência. Para os indígenas, é um olhar-se sobre si, reconstruindo suas identidades que, por tanto tempo foram mascaradas e ou desconfiguradas por uma miopia historiográfica. As representações criadas para o indígena brasileiro ainda são projetadas e extrapoladas no infinito, passando a justificar tanto o presente quanto o futuro.


[...] Se ampliarmos o poder da nossa lente, perceberemos que, nos níveis escolares de primeiro e segundo graus, as representações construídas para o indígena brasileiro são ainda mais distorcidas e comprometedoras. Infelizmente o livro didático ainda é o filho bastardo das discussões e produções acadêmicas. O pouco que se tem avançado nessa área nas universidades ainda não atingiu em cheio os manuais didáticos. 

[...] Esse eixo temático deve, em regime de urgência, ser ampliado e apresentado de forma mais consistente no livro didático, articulando-se então a outros temas. Para isso faz-se necessária uma desconstrução, principalmente no tocante a periodizações e tematizações. Geralmente, por ordem didática, ou até mesmo por determinações mercadológicas, os capítulos são estratificados (política, economia, sociedade), limitando os aspectos culturais a subitens, quando não determinados por estruturas econômicas.


Outrossim, o conceito de sincretismo deve ser revisto. Afastando a possibilidade de folclorização da cultura indígena, que ainda vem sendo tratada como elemento estático na História do Brasil. Esse sincretismo deverá ser percebido num contexto de circularidades e inter-relações com outras culturas. Reduzir a contribuição da cultura indígena a sua “herança”(vocabulário, comidas...), tal como vemos nos livros didáticos, é compreender a sua história.

Vale ressaltar que não se trata de decompor os discursos, tomando-lhes de assalto, num estado genérico de histeria revanchista. [...] Portanto, reescrevera História Indígena é, antes de tudo, modificar os discursos que durante tanto tempo representaram os nossos nativos com os mais nocivos e pejorativos adjetivos. É apontar definitivamente, perspectivas mais seguras de compreensão do universo histórico e cultural do índio.  
                                                                                                                                                                            MOUTINHO, Augusto. O índio brasileiro ainda um vazio na história. In: FERREIRA, João Paulo Hidalgo Mesquita& 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

ALÁFIA, PARA ALÉM DA “ÁFRICA TEÓRICA”


Uma banda que carrega em sua música influências e referências políticas, sociais e religiosas, fazendo um enfrentamento ao racismo e trazendo um continente ancestral ao palco
Por Igor Carvalho,Da Revista Fórum
Eles poderiam ser personagens centrais da profecia do poeta Walner Danziger, no ótimo e importante poema “Eles não usam black power”, que usa de ironia ao apresentar a figura estigmatizada do negro como “macaco” para narrar a tomada de poder pelo povo de Zumbi. Quando pisam no palco e principiam a bater uma palma da mão na outra, ritmando o início de sua revolução particular, a banda Aláfia “borra de sangue a toalha de linho em desalinho”, como escreveu Danziger. No palco, o grupo está acompanhado pelos seus ancestrais, que ajudam a formar o ideal “alafiano”, sempre se esquivando do que chamam de “África teórica”, ou o folclore que torna a cultura africana um produto exótico, a ser consumido. “É uma apropriação sem modismo”, explica Alysson Bruno, um dos integrantes da trupe.
Em cada apresentação, também estão presentes os Douglas e Amarildos, as vítimas dos “tiros acidentais” e do “genocídio da população negra no Brasil”. “Essas últimas notícias de 30 mil negros assassinados, esses levantamentos, isso é igual ao Carandiru, 111 mortos. Foi muito mais. Mas, muito maior que o número é o medo, o terror, o temor que a gente tem da polícia. Isso tá no nosso dia a dia”, afirma Eduardo Brechó, que compõe o trio de vocais do Aláfia com a “libélula de Ébano” Xênia França e o teatral Jairo Pereira. Ao todo, são dez músicos: Pipo Pegoraro (guitarra), Alysson Bruno (percussão), Gil Duarte (trombone), Gabriel Catanzaro (baixo), Henrique Gomide (piano), Lucas Cirillo (gaita) e Filipe Vedolim (bateria), além dos vocalistas.
A banda existe há três anos, porém, o primeiro disco, Aláfia(YB Music) veio recentemente. O lançamento foi no Sesc Pompeia, em São Paulo, em 10 de setembro de 2013. Os ingressos se esgotaram e muita gente ficou do lado de fora, sem conseguir ver a apresentação. O sucesso se ampara no trabalho realizado pelo grupo, que antes de lançar o disco já havia se apresentado em diversos lugares, conquistando ouvintes que aguardavam o resultado daquela “conspiração”.
No estatuto do grupo, desde o princípio, ficaram claros os pilares ideológicos que norteariam sua atuação, como a preocupação com os elementos africanos. “A gente gosta de algo do tipo: ‘Tá vendo esse congo de ouro que tá nesse pancadão’. Mas o congo de ouro não apareceu no Google, ele vem da nossa vivência. A luta racial carece da afirmação racial, mas para longe dessa África teórica, sem esse olhar idealizado”, afirma Brechó. E o zelo com questões sociais passa diretamente pela discussão a respeito da violência policial, como explica um dos vocalistas e fundadores da banda, Brechó. “A gente é a favor da desmilitarização, mas não é só falar que a gente é a favor disso. A gente é contra a Polícia Militar, certo? Assim como eles são contra a gente, naturalmente. Quando eu era adolescente, jovem, a polícia era contra a gente sem eu nem saber qual era a situação.”
A religião, assim como o preconceito, também são temáticas constantes da obra do Aláfia. “Nosso combate não é à intolerância religiosa, é ao racismo. Porque o que demoniza a nossa religião é o racismo. É diferente se houver um sacrifício, como Jesus foi sacrificado, feito pela ‘religião branca’, um modo meio escroto de falar, mas que remete aos termos de poder que mantêm essa religião no Brasil”, sentencia Jairo Pereira.
A fusão dos elementos históricos, religiosos, políticos e sociais com a musicalidade que respeita a tradição da música negra, unindo os batuques dos tambores do candomblé, o jazz, o funk, o hip-hop e o soul criou uma estética musical que ainda fará muito crítico e articulista se perder. A direção do show é de Estrela D’Alva, e quem sempre aparece nos espetáculos são os poetas Akins Kinte e Lews Barbosa, que, ao lado de Lurdez da Luz, participam do disco.
Jairo Pereira assina a erotizada “Chicabum”. As outras nove músicas do disco são de autoria de Eduardo Brechó, sozinho ou com a participação de outros, entre elas, “Mulher da costa”, que abre o CD. Na música, a mulher da costa, que “vem do Gana, não se engana” e “diverge de [Pierre] Verger” (etnólogo francês que estudou a África em diversos aspectos), pergunta: “Quem pratica a África?”. O Aláfia usa a canção também para questionar a aplicação da Lei no 10.639 no Brasil, que trata do ensino da cultura africana nas escolas. Confira a entrevista abaixo.
Fórum – De onde vocês são?
Eduardo Brechó – Aqui tem migrante pra caramba. Sou de Ribeirão Preto, o Jairo é de Suzano, a Xênia é baiana, o Pipo é do Rio Pequeno [bairro da zona oeste de São Paulo], o Gil é cearense, o Cirillo é da zona sul, Gabiru é da Lapa [zona oeste paulistana] e o Fernando é de São Miguel [zona leste de São Paulo], o Alysson também é da zona sul. Tudo migrante, ninguém é do centro.
Fórum – E essa conexão com a periferia e os movimentos culturais e sociais de São Paulo, vem de onde?
Eduardo Brechó – Acho que tem a ver com a formação. Não somos exatamente de uma quebrada específica, mas estamos ligados na cultura das quebradas, que colabora para a construção da identidade desse indivíduo que é o Aláfia.
Fórum – O que significa Aláfia?
Eduardo Brechó – Significa caminhos abertos.
Alysson Bruno – A gente pode dizer, usando o nome de uma outra música nossa, que é quando o destino está em punga a favor do desejo. Isso é Aláfia, uma palavra de confirmação, significa “vai dar certo”. Plenitude.
Fórum – A banda tem três anos, e o disco foi lançado há dois meses. Muita gente já se perdeu ou está se perdendo tentando identificar o que é o som do Aláfia?
–  Sim! [Coro]

Eduardo Brechó – Identificar todo mundo identifica, mas não classificam. Identificação é a coisa mais fácil no som do Aláfia, porque temos referências inúmeras. Então, as pessoas identificam coisas diferentes ali, é um triunfo pra gente.
Fórum – Mas vocês tentam classificar?
Pipo Pegoraro – Acho que não. Não precisa, né? A gente não tenta classificar porque isso acaba reduzindo. As pessoas perguntam qual é o gênero, mas você tenta se explicar e dar uma definição, e depois ficamos pensando: “não tem nada a ver o que eu falei”. Ou então faltou isso ou aquilo.
Jairo Pereira – A definição mais legal é de uma reportagem numa rádio inglesa e o cara falou “funk candomblé”. No fim das contas, tem reggae, afrobeat, funk, soul. Tem tudo, tem regional…
Fórum – E novas tecnologias ajudaram também a difundir o nome da Aláfia nas redes.
Eduardo Brechó – Sim. O primeiro show do Aláfia no “Bar B” [10 de novembro de 2011] se deu por isso. A gente nem existia. Não existia um show, não éramos uma banda que se apresentava. A gente divulgou pra caramba esse show nas redes sociais. Sabiam que a gente estava conspirando e que queríamos algo. Divulgamos em um mês, e o show foi cheio. A partir daquilo, a gente continua trampando nas redes, funcionou. Aquele show virou uma temporada, e nessa temporada veio o ímpeto de gravar um disco. No mesmo ano em que a gente se uniu, já partimos para gravar o disco.
Fórum – E vocês já tinham as canções?
Eduardo Brechó – Já. Quer dizer, mais ou menos. A gente trampava em algumas dessas reuniões que fazíamos no início, às quartas-feiras, e aí fomos fazendo outras e formando o repertório do Aláfia. Já tinha um apanhado de canções, fomos nos entendendo como banda, né? O caminho fez a gente também. Naquele momento, fomos fazendo música para interpretar nossa sonoridade. Muitas canções que a gente acreditava na época não entraram para o repertório porque a sonoridade da banda passou a ser outra, e começamos a pensar nas músicas a partir dessa sonoridade, e não ao contrário. A música tem que servir para o que é o Aláfia ou para o que o Aláfia está atingindo. Foi assim que a gente montou o repertório.
Fórum – Vocês já estão identificando o público?
Eduardo Brechó – Estava conversando isso com o Pipo ontem. Você ouviu na casa do Sérgio Vaz e isso é emblemático. Existe um movimento de consumo na quebrada hoje que está buscando novos ares também, entendeu? Além disso, a gente consegue dialogar legal com essa galera que está olhando para a ancestralidade e para as lutas raciais, porque olhamos para isso também. Isso está no estatuto do Aláfia desde que foi fundado. Mas qual medida isso ia tomar, com quem a gente ia se comunicar, nós não sabíamos exatamente.
O Aláfia se vale muito disso, e a gente retribui à nossa medida. Está formando um circuito de cooperação. Se você pegar, por exemplo, o som do Ba Kimbuta tem a ver com a gente também. E não é uma coisa que a gente trampou junto, mas o laboratório é a rua, e as ideias estão ali. Há várias expressões de periferia, e se você frequenta sarau, vê a molecada de 17 ou 16 anos fazendo rap do jeito deles, vê o jeito que soltam o refrão e falam coisas diferentes, se colocar um tambor, isso influencia. É uma expressão do nosso tempo também, tem a ver com a contemporaneidade.
Xênia França – Mas isso desde sempre também. Desde o primeiro show no “Bar B”, as temporadas são sempre cheias, e com esse público que ele tá falando, né? A galera que se identifica com essas questões raciais. Ontem fizemos um show que foi o maior até agora, lá no Anhangabaú, e as pessoas estavam lá, saíram de casa para nos ver. Tinha gente que nunca tinha ouvido falar da gente, mas tinha uma galera que só foi lá ver a gente. Tinha gente cantando nossas músicas.
Fórum – Vocês falaram da ancestralidade, mas mesmo com essa condição de não se classificar, uma coisa é certa: o elemento negro e africano está ali no palco. O quanto há de influência da música negra no som que o Aláfia faz?
Eduardo Brechó – Cara, em termos de influência, pessoalmente acho que cada um traz a sua. A África é só teórica, está aí na sua camiseta. Então, cada um vai trazer a sua África, porque a gente não acredita nela nesse sentido. Tipo, o que é a África pra você? O que é o idealismo em relação a isso? Um folclore, né? Tem um folclore envolvido, e a gente sabe que a galera está mais envolvida com ele. E o mundo é muito grande. Seis mil anos que a gente cita não é nada. Como diria o Rei do Camarote, é de 6 mil anos ao infinito [risos]. Pensamos profundamente, metafisicamente e sem medo essas questões raciais. Datamos a nossa ancestralidade à medida que ela aparece, não força a barra.
Xênia França – É da maneira que se vivencia.
Eduardo Brechó – É isso. A gente gosta de algo do tipo: “Tá vendo esse congo de ouro que tá nesse pancadão”. Mas o congo de ouro não apareceu no Google, ele vem da nossa vivência. A luta racial carece da afirmação racial, mas para longe dessa África teórica, sem esse olhar idealizado. Muitos irmãos nossos, quando chegam na África, se surpreendem, são tratados até como brancos lá, por carregar essa África teórica. Tomamos muito cuidado com esse folclore. É luta, não é africanismo superficial.
Alysson Bruno – É uma apropriação sem modismo. Cada elemento aqui tem um fundamento, um motivo para estar na nossa música. Em cada frase, em cada rítmica, há uma coerência, não é só ser pretinho com cabelo para cima.
Fórum – No show que eu vi no Rio Verde, o Jairo Pereira falou muito sobre a Lei no 10.639, antes da música “Mulher da costa”. A música em algum momento foi pensada para a questão da lei? E qual a importância dessa lei, que não é aplicada corretamente no Brasil?
Eduardo Brechó – Compus a música quando trabalhava de educador no Museu Afro Brasil. É o seguinte, desde que a lei foi criada há 10 anos, a gente trabalha para que seja colocada em questão. Quando a luta começou, pela aplicação da lei, estávamos envolvidos. Fomos nos entendendo e sabemos que somos a favor da aplicação da lei. A gente trata de negritude na oficina que dou aqui [CEU Paz] e tenta aplicar a lei. Quem colocou isso de Lei 10.639 no meio da letra foi o Jairo.
Jairo Pereira – Fui eu, porque foi exatamente isso, quem pratica a África. A importância que tem é sobre a compreensão da nossa base para que a gente possa ascender em relação a nossa identidade, a nossa própria busca. É uma ideologia básica que tenho: é necessário mastigar informação, principalmente para as pessoas que não se alimentaram dela. E que essa informação, que foi demonizada, possa ser transformada e mostrar para as pessoas que o demonizador está errado. Isso é um trabalho de base. A Lei no 10.639 zela por isso. Mas, infelizmente, quando dão uma aula de jongo, na escola escutamos que “isso é coisa do diabo e a gente não pode ensinar isso”. Temos a nossa cultura totalmente transformada em algo maléfico há anos, e a nossa luta é dizer carinhosamente para essas pessoas: ‘Ei, presta atenção, isso te trouxe até aqui’. E temos um sistema que exige pra caralho, entendeu?
Nosso combate não é à intolerância religiosa, é ao racismo. Porque o que demoniza a nossa religião é o racismo. É diferente se houver um sacrifício, como Jesus foi sacrificado, feito pela “religião branca”, um modo meio escroto de falar, mas que remete aos termos de poder que mantêm essa religião no Brasil. Tem um exemplo de Diadema, quando fiz um trampo musicando poemas afro-brasileiros, nós montamos um livro no EJA [Educação de Jovens e Adultos] para passar esses poemas para a alfabetização. Alfabetização de gente de 50 anos, que queria estar vendo a Carminha [personagem da novela “Avenida Brasil”] em casa. Chegava lá e falava “Os tambores da noite estão te chamando”, do Max Viana, aí a pessoa falava que não podia falar a palavra “tambores” porque é do diabo. E todo mundo já comprava a ideia. Em uma sala de 30 alunos, 20 saíam quando ouviam a palavra “tambor”. Então, se a gente deixar isso desse jeito, vai ter que nascer um novo dicionário. O barato não é laico, não existe, o Brasil é religioso e o racismo está inserido nesse tipo de detalhe. Isso atrapalha a alfabetização. As características são totalmente negadas a todo tempo. Por exemplo, você vê uma mulher preta de turbante na cabeça e as pessoas ainda olham de maneira estranha e reprovam com o olhar. Ou quando não transformam isso em uma coisa exótica.
Fórum – Assim como aconteceu com Mano Brown, Emicida, e tantos outros que se propuseram a discutir a sociedade em que vivemos, vocês estão preparados para debater além da música?
Eduardo Brechó – Isso vai acontecer, sabemos. Mas não existe esse negócio de “música”. O nosso fundamento não serve para a estética política, se você não consegue definir a nossa estética, isso já vai te provocar. Isso carrega nossa postura política naturalmente. Não é um barato que é pensado, que a gente vai chegar ao lugar X e atingir não sei quem. Como acontece com Pedro Paulo [Mano Brown], são questionamentos que acontecem da gente pra gente. Não é o poder que vai vir. Isso seria um ponto muito positivo.
Jairo Pereira – Uma parada que costumo falar é a “arte de embate”. Já está inserida na arte a consciência política. Essa conexão que você tem com o mundo e com as pessoas. Essa arte de maneira transformadora já traz isso, já está na essência. Qualquer coisa que vier falar, a gente vai dar nosso posicionamento e o nosso ponto de vista em relação a isso. Não tenho a preocupação de quem eu possa incomodar. Se posso incomodar a polícia, se posso incomodar o Danilo Gentili, ou quem for. Porque quem estiver jogando contra, não está jogando a favor.
Fórum – Quero falar com vocês sobre a violência policial. Qual a postura de vocês em relação a esses tiros “acidentais”?
Jairo Pereira – Fiz uma performance na Oscar Freire que se chamava “Os Mendonças”, junto com a artista Juliana Notari, e a intenção era fazer essa denúncia do genocídio da população negra. Não adianta falar que são só os jovens. Os jovens também, mas é a população negra. Quando você fala dos jovens, você só especifica.
Fui pra lá exatamente pra fazer esses mascarados representando esse poder de opressão que já vem da família dos bandeirantes. Os Mendonças são essas famílias dos bandeirantes que ainda representam o poder. E que também é a família de André Furtado de Mendonça, que é o cara que degolou Zumbi. Foi pra dizer que isso ainda continua, a gente ainda tem os Mendonças degolando a gente. Fui pra Oscar Freire, na rua mais luxuosa do mundo. Era uma performance artística e estava na cara que era uma performance artística, pessoas com câmera filmando. Estava revendo e tem um take em que passo de olhos vendados ao lado de uma mulher, e o que a mulher faz? Ela gruda na bolsa. Fui levar o lixo pra eles, porque é o lixo que eles fazem e jogam na periferia, só jogam nos cantos. A gente foi jogar na porta deles. Sabe o que aconteceu? Eles não tinham coragem de olhar. Isso está no vídeo. As pessoas nem olhavam para os lados. E, no período que a gente esteve lá, a polícia passava toda hora e não olhava na minha cara. Isso está acontecendo, e todo mundo sabe que está acontecendo, mas são essas pessoas formadoras de opinião, que mantêm o poder, que não querem dar a cara pra isso. Essa força tem que se constituir no nosso povo, a gente tem que emergir disso. Porque isso está matando a gente.
Xênia França – Há muito tempo.
Eduardo Brechó – E não é só superficialmente falando, não. A gente é a favor da desmilitarização, mas não é só falar que é a favor disso. A gente é contra a Polícia Militar, certo? Assim como eles são contra a gente, naturalmente. E não é porque a gente começou com o Aláfia. Quando eu era adolescente, jovem, a polícia era contra a gente sem eu nem saber qual era a situação. No dia da estreia do Aláfia no Sesc Pompeia, tomei um enquadro, fui esculachado. Então, isso é latente, está acontecendo. Acontece no nosso dia a dia, e a gente não gosta. Simplesmente assim.
Não dá pra você ser feminista e casar com um machista. Não dá pra você ser negro e casar com um racista sendo consciente dessa situação. É o que acontece. Não vamos nos casar com um sistema que nos rebaixa e nos oprime. Somos conscientes disso e sabemos que a gente tem que espalhar essa informação. Essas últimas notícias de 30 mil negros assassinados, esses levantamentos, isso é igual ao Carandiru, 111 mortos. Foi muito mais. Mas muito maior que o número é o medo, o terror, o temor que a gente tem da polícia. Isso tá no nosso dia a dia.
Jairo Pereira – É exatamente por isso que precisamos da Lei no 10.639, pois ela nos deixará contar a nossa própria história, e não deixa só quem faz esses levantamentos de 30 mil contar.
Fórum – Vocês colocaram o funk no show. Queria saber de que forma vocês veem o preconceito com o funk e o melody no Pará, e tantos outros que surgem na periferia do Brasil.
Eduardo Brechó – A gente usa aguerê e congo de ouro, entendeu? Usa um monte de coisa que são ritmos que conhecemos, isso vem lá de trás, não inventamos nada, é ancestral. O funk também é essa união de elementos. Você vai no pancadão e dança música instrumental. Quanto tempo que eu não via gente dançar música instrumental no baile? O cara fica lá “tum tchatcha” [ritmo de funk] e os moleques ficam dançando, não precisa estar falando alguma coisa. Muitos dizem que a música instrumental no Brasil não faz sucesso, mas é porque não frequentam pancadão. Então, a música comunica dessa maneira ancestral. Qual era a pergunta? [risos].
Fórum – Preconceito com músicas das periferias do Brasil.
Eduardo Brechó – No lançamento da campanha “Eu pareço suspeito?”, tinha um workshop falando sobre isso. Eu e o Akins [Kintê] levamos pra Fundação Casa falando da perseguição do gênero do samba, e falando para os moleques que eram envolvidos com o funk como quem estava sendo perseguido não era o gênero, era o pessoal, é o povo, é o negro. Porque o roqueiro branco falava de suruba e usar droga e continua na garagem fazendo rock.
Alysson Bruno – Vira rei.
Eduardo Brechó – O que está sendo perseguido é o povo, e isso não é de hoje. Isso é do samba, foi com o rap, é com o forró também. Porque esse negócio de etiquetar como “brega”…
Fórum – Vou perguntar sobre uma música específica, sei que teve participação de mais gente. A música “Ela é favela”. Podemos falar dela?
Eduardo Brechó – “Ela é favela” é o seguinte: Fiz o refrão no final de um relacionamento. A outra pessoa com quem eu estava não era favela, e o fato de a nova moça ser fez toda a diferença. Música de amor, né? Na época, fiz o refrão e a primeira parte, e chamei a Lurdez [da Luz] para fazer a segunda parte.
Xênia França – Ela ficava girando, não tinha forma. E, um dia, a gente estava junto, na casa da Vila Madalena onde começamos o processo, de noite já. Aí rolou o refrão, e lá da cozinha, no café, fiz o “larárárárá” e rolou.
Eduardo Brechó – Aí a Xênia fez a parte final dessa melodia, que é a parte que ela canta. Isso é importante porque funda o Aláfia. Foi a primeira música que a gente gravou, a primeira música que lançou. Mudamos essa primeira música algumas vezes.
Fórum – Eu lia a letra de “Ela é favela” e jurava que você estava falando da favela. Vi a pipa subindo na favela.
Gabriel Catanzaro – Eu também achava na primeira vez que ouvi [risos]


http://www.brasildefato.com.br/node/27262
29/01/2014

“FIFA NUNCA TOMOU MEDIDAS DRÁSTICAS CONTRA O RACISMO”


O historiador Joel Rufino conta suas impressões sobre os recentes crimes raciais no futebol
André Vieira, do Rio de Janeiro (RJ)
No ano em que o Brasil recebe a Copa do Mundo da Fifa, novos casos de racismo no futebol continuam surgindo. Episódios que muitas vezes não recebem a atenção necessária por parte de governos e entidades esportivas. O Brasil de Fato entrevistou o professor e escritor Joel Rufino, um dos maiores especialistas no debate sobre os direitos da população negra. Confira suas análises sobre o racismo no mundo da bola.
Brasil de Fato - Como o senhor avalia o racismo no futebol?
Joel Rufino - O futebol se tornou um dos negócios mais rentáveis do mundo. Os clubes europeus disputam aqueles campeonatos a ferro e fogo, como se fossem batalhas, e nesses momentos de grande competição o racismo aparece, é colocado pra fora. Em épocas de paz, sem competitividade, o racismo existe, mas está escondido , a pessoa tem vergonha de ser racista. Quando a competição se acirra como nesse futebol de hoje, a pessoa perde a vergonha de ser racista, de maltratar o outro.
Brasil de Fato - A CBF lançou em 2014 a campanha “Somos Iguais”. O senhor acredita nas ações da Fifa e de suas confederações no combate ao racismo?
Joel Rufino - Eu acho muito difícil a Fifa ser sincera em alguma coisa. Não acredito. Pode ser que ela seja também, temos que dar o benefício da dúvida. Mas uma instituição com a riqueza da Fifa, com o poder de entrar nos países e fazer o que quiser, de distribuir dinheiro, como é que pode uma instituição dessa combater o racismo? Não sei como. Por exemplo, faz tempo que podiam tomar medidas drásticas contra a demonstração de racismo. Nunca tomaram. Aqui mesmo na América do Sul, houve o caso do Perú, que xingaram um jogador brasileiro num jogo em Lima. Esse time continua na liga, não puseram pra fora. Os juízes levam o jogo até o fim por instrução das federações, embora a regra seja clara. Em caso de demonstração de racismo os juízes podem parar o jogo, mas eles não param. Levam o jogo até o fim, mandam a polícia atrás do cara, às vezes nem isso. Na prática eles não fazem nada. (Joel se refere ao jogo entre Cruzeiro e Real Garcilaso em fevereiro de 2014. Na partida, quando o jogador do time mineiro Tinga pegava na bola, a torcida adversária imitava sons de macaco).
Brasil de Fato - E durante o mundial de futebol?
Joel Rufino - Nessa Copa que vai ter aqui no Brasil, se houver demonstração de racismo por parte dos torcedores ou dos jogadores em campo, você acredita que a CBF e o governo brasileiro, vão tomar alguma medida? Você acredita? Não, eles não vão porque eles vão querer continuar a Copa. O importante para eles é a Copa.
Brasil de Fato - Em uma partida contra o Villareal em abril deste ano, o lateral do Barcelona Daniel Alves comeu uma banana arremessada no gramado. Para o senhor, o que representa esta atitude?
Joel Rufino - Pode ser um plano de marketing, mas até que provem o contrário foi um gesto espontâneo e antirracista. A banana que é símbolo do macaco, portanto é um símbolo racista, foi comida por ele e aquilo vai se transformar em merda. Tudo o que você come se transforma em merda. Eu achei muito bonito, eu gostei disso. Acho que foi um anti-gesto, um anti-símbolo. Comeu a ofensa e transformou ela em merda.
Brasil de Fato - Como devemos enfrentar o racismo?
Joel Rufino - Eu acho que tem que reagir, essa é a primeira coisa. Qualquer ato de racismo contra uma pessoa tem que ter uma reação, ou da própria pessoa ou de quem tiver ao lado. Isso de alguma maneira é pedagógico. Não é pela punição em si, mas ensina que o racismo é um crime. A segunda é apoiar as ações afirmativas do governo, seja qual for. Vê se muda esse quadro de ausência de profissionais negros. O problema é estrutural. Se é preconceito, eu posso citar aqui número de medidas que se pode tomar. Se é o racismo, que é estrutural, é muito mais sério, demanda muito mais esforço de todos, das organizações, dos sindicatos. É preciso organização para fazer reformas de base. Pressão, luta, ir para as ruas.
Parte superior do formulário

http://www.brasildefato.com.br/node/28780
05/06/2014


O IMPACTO DO TRÁFICO NAS SOCIEDADES AFRICANAS


A expansão do sistema escravista  na África alterou profundamente as relações entre diferentes áreas e regiões do continente, bem como interferiu substancialmente em todos os campos da vida dos povos que as habitavam. Um dos primeiros impactos do crescimento da escravidão foi a mudança dos significados e da importância do “ser escravo” nas sociedades africanas.
Em fins do século XVI, o comércio de escravos capitaneado pelos europeus colocou à disposição das sociedades africanas diversos produtos novos, o que influenciou a economia e as formas de organização social, e políticas locais. Além de colocar a escravidão no centro das relações entre os grupos, houve a transferência de uma lógica de disputa de mercados e a restituição de uma desigualdade social em maior escala.


Um dos principais impactos da escravidão na África foi a fragmentação e a deterioração de reinos e comunidades por razias e guerras civis, incitadas pelos europeus, com o intuito de terem a disposição uma oferta considerável de escravos. Outra consequência foi o surgimento de reinos africanos intimamente ligados ao tráfico de escravos, especializados em capturar homens a fim de vendê-los aos europeus. Foi o caso dos imbangalas e das disputas em torno da liderança do Reino de Matamba.


Houve também um aumento da diferenciação social entre os grupos africanos. As mercadorias, trazidas pelos europeus como objeto de troca na compra de escravos, transformaram-se em símbolos de status, e as armas passaram a ser fundamentais nas disputas militares entre os reinos, cuja força centrava-se em sua capacidade de controlar rotas comerciais de escravos e de proteger sua população escravização por outros reinos.


ALVES, Alexandre &OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. Conexões com a História. São Paulo: Moderna, 2013. P.26

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

INTI RAYMI OU A FESTA DO SOL



Inti Raymi ou A Festa do Sol é uma festividade originária da época incaica, na qual se prestam homenagens ao Sol, divindade máxima inca. Proscrita durante o período colonial, esta celebração foi restaurada em 1944, com variações em relação ao ritual original. Na atualidade, o evento se converteu em um ato multicultural.  tradição assinala que foi Pachakutec o primeiro Inca, que criou a Festa do Sol. O dia Central de celebração coincidia com solstício de inverno e foi o primeiro calendário solar Inca.


 O Inti Raymi foi proibido pelos espanhóis durante os primeiros anos da Conquista, e depois abolida oficialmente em 1572 pelo vice-rei Francisco de Toledo. Em 1944, a festa renasceu [...] para celebrar o nascimento da cidade. Escolheu-se o 24 de junho – então Dia do Índio; hoje, Dia do Camponês, porque coincidia aproximadamente com a data em que  se realizava a cerimônia  nos tempos dos incas.Os testemunhos recolhidos e transmitidos por Garcilaso de la Vega nos dão  uma ideia da magnitude que tinha a festa do  Inti Raymi [...].


 A celebração durava  nove dias e era realizada na  praça principal de Cusco, conhecida  na época como Haukaypata, que se estendia onde hoje e a  atual Plaza de Armas da cidade ocupando entretanto uma área maior. [...] na celebração, participavam o inca, a nobreza real e o exército. No dia principal, o inca subia no palco cerimonial (usnu) acompanhado por seu séquito e brindava com chicha de jora [bebida alcoólica fermentada feita de milho] em louvor a o  Sol. Dentro do Templo do Sol, um sumo sacerdote ateava fogo a um chumaço de algodão. Todos os rituais eram acompanhados por danças pelo som de pututos, conchas marinhas que se usavam ​​como instrumentos musicais de vento. [,,,] Ao entardecer, os participantes adoravam o Sol inclinando e levantando os braços. Era o final da  festa. O Inca retornava a o  seu palácio, enquanto as mulheres atiravam, a sua passagem flores  vermelhas e plumas coloridas.


O espetáculo teatral


Inti Raymi atual é um espetáculo teatral com  mais de quinhentos atores, além de  bailarinos e músicos. Como tal, segue  um roteiro estabelecido, baseado nas narrativas de Garcilaso de la Vega. Ao longo dos anos, este roteiro foi modificado várias vezes. O  atual data de 1984.[...]. A celebração moderna do Inti Raymi se realiza  em vários cenários: a primeira e segunda  partes são realizadas no Koricancha (Templo do Sol) e na Plaza de Armas de Cusco. Em seguida, a encenação se muda para a esplanada da fortaleza Sacsayhuaman, a cinco quilômetros da cidade. Ali, se instalam grandes arquibancadas para os espectadores, que são milhares.



 A festa se inicia no dia 24 de junho, às oito horas da manhã. [...]. A parte mais importante da cerimônia [...] Começa a aproximadamente a uma meia da tarde com o soar dos pututos e das quepas [...] O Inca, faz um brinde ao Sol; [...] O rito do fogo sagradocomeça quando o willaq um acende o fogo, enquanto o willka nina kamayoq, encarregado de manter o fogo sagrado, acende a fogueira central da esplanada e os chaquis fazem o mesmo com as dos suyos. Chega o momento do sacrifício da llama. O tarpuntay, sacerdote encarregado do oráculo, pede que subam uma llama tenra e negra ao usnu. [...] [Após, o sacrifício] O Inca também se mostra satisfeito e a festa termina com uma ruidosa manifestação de todos os presentes.


Disponível em: http://www.elintiraymi.com/informacion-general-del-inti-raymi. Acesso em 28/08/2014 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

VIAGEM PELA CULTURA ANDINA


A maior parte do território americano era habitado por povos nômades e seminômades, esses grupos se dedicavam a caça, a pesca e à coleta de alimentos. Também praticavam a agricultura, mas apenas como complemento as outras atividades.


No entanto, na Região Andina (atuais Equador, Peru, Bolívia e norte do Chile) a sociedade indígena “INCA" desenvolveu um complexo sistema de engenharia, além de um tipo de agricultura intensiva altamente especializada. Nessas regiões densamente povoadas havia alguns elementos que os estudiosos consideram característicos de uma civilização: constituição de um Estado com aparelho burocrático, responsável pela coordenação das obras agrícolas e apropriador do excedente produzido; ordem sacerdotal poderosa e influente, além de uma nítida estratificação.

Lulinha concentrado para apresentar o Inti Raymi ou Festa do Sol
Contudo, Luiz Cláudio Germano da Costa (Lulinha) aluno do Ensino Fundamental, anos iniciais da Escola VIVA em parceria com seus colegas de sala e professores desenvolveu um magnífico trabalho sobre a cultura da Bolívia que, fora uma das regiões que o império incaico se expandiu.

                                                     Lulinha mostrando o painel sobre a cultura boliviana aos seus pais
 Além de uma pesquisa teórica feita por esse estudante com a ajuda de sua mãe (Mônica Cristina) teve exposições de fotografias, comidas típicas, produtos agrícolas cultivados por esses nativos e danças tradicionais que ainda hoje são preservadas pelos descendentes incaicos.

Os professores: Luiz Cláudio e Oscar encantados com os trabalhos sobre a cultura boliviana desenvolvidos pelos  alunos da  Escola Viva


Enfim, esse trabalho teve como objetivo comemorar o dia do folclore¹ que é dia 22 de agosto.


























 1.O conjunto ou estudo  das tradições, conhecimentos ou crenças de um povo , expressos em suas lendas, canções e costumes.