Pesquisar este blog

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ENTREVISTA - SOBRE O AGRONEGÓCIO NO BRASIL



De acordo com José Juliano De Carvalho Filho, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e membro da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), "tudo isso ocorre porque o agronegócio é a opção econômica que o governo adotou para o campo”.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou o Atlas do Espaço Rural Brasileiro, publicação que integra os dados do Censo Agropecuário 2006 com pesquisas sociais, populacionais, ambientais e econômicas. Segundo o Instituto, o objetivo da publicação é retratar a realidade territorial do campo brasileiro. Os dados, referentes à educação no campo, tecnologia e modernização do meio rural brasileiro, uso dos recursos naturais e concentração de terras, mostram um campo brasileiro desigual, no qual uma minoria segue privilegiada enquanto a maioria dos agricultores vive em situações precárias. 
De acordo com José Juliano De Carvalho Filho, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e membro da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), “Tudo isso ocorre porque o agronegócio é a opção econômica que o governo adotou para o campo”. Em entrevista à Página do MST, o professor comentou os dados apresentados pelo IBGE, e aponta que a realidade territorial do campo brasileiro é dura para os mais pobres. 

José Coutinho Júnior da Página do MST


 Confira a entrevista:



José Juliano De Carvalho Filho - jaqueta preta





Confira a entrevista:

MST: Dos proprietários rurais que administravam diretamente propriedades agropecuárias, 3,9 milhões de estabelecimentos, ou 39%  do total, eram analfabetos ou sabiam ler e escrever sem terem frequentado a escola, e 43% não tinham completado o ensino fundamental. Por que esse percentual tão grande?

José Juliano De Carvalho Filho - Essa população não existe para o estado, e quando existe, as políticas para ela são de baixa qualidade. É só ver a distância que as crianças assentadas precisam percorrer para chegar à escola. Além disso, os professores recebem salários baixos, e dão aulas a muitos alunos. Para os pobres do campo, a política é pouco efetiva.

MST: Já a concentração dos maiores percentuais de produtores proprietários com nível médio de instrução (regular e profissionalizante) ocorre nas áreas de domínio do complexo agroindustrial da soja e de outras commodities de exportação, demonstrando a correlação entre o aprimoramento técnico da agricultura e o nível de instrução do produtor rural. 

José Juliano De Carvalho Filho - Há uma mudança no tipo de emprego: as monoculturas, aliadas com a modernização do campo, acabam com boa parte do emprego rural, que costuma ser degradante para o trabalhador. Agora emprega-se apenas pessoas capacitadas para atividades industriais, como operação de máquinas, ao passo que os mais pobres perdem seu emprego braçal. Em áreas onde a soja entra, como no norte do país, há uma expulsão das populações tradicionais, e quando se expulsa uma população, obviamente não se gera emprego para ela.  
  
MST: A publicação também destaca que a agropecuária é uma das atividades humanas que causam maior impacto sobre o ambiente natural. O pampa lidera a depredação, com 71% da sua área ocupada com estabelecimentos agropecuários, seguido pelo pantanal (69%), mata atlântica (66%) e cerrado (59%). Por que a produção agrícola tem este caráter predatório?

José Juliano De Carvalho Filho - O impacto negativo não é só na flora, mas também no controle privado dos bens naturais que esse modelo de produção exerce. É a opção brasileira, inclusive dos governos Lula e Dilma. Reinaldo Gonçalves (professor de economia da UFRJ) diz que temos uma “especialização retrógrada”, pois o agronegócio é uma forma subalterna e marginal de entrar no mercado internacional. É preciso exportar commodities em grandes quantidades para equilibrar a balança comercial, o que dá muito poder aos latifundiários e faz o governo refém da bancada ruralista. 
Ao invés de produzirmos bens manufaturados, há apenas os primários: soja, carne, etanol. O impacto do agronegócio no meio ambiente é grande justamente por essa visão mercantil da terra e a influência ruralista grande, basta ver a aprovação do Código Florestal, que atendeu a diversos interesses ruralistas, e vai causar danos maiores no meio ambiente. 

MST: Aproximadamente 90% dos recursos hídricos do país são destinados à produção agrícola, produção industrial e consumo humano, sendo a maior demanda de água proveniente das atividades de agricultura irrigada. Em relação à produção agrícola, para quem vai a água?

José Juliano De Carvalho Filho - A água está sendo usada pelo agronegócio. Há a deterioração da qualidade da água, devido a todos os produtos químicos que são despejados nela, sem que haja consequências para os grandes produtores. Quem acaba responsabilizado são os pequenos produtores: em um assentamento, existe uma burocracia para se abrir um poço, enquanto que os latifundiários usam recursos abundantes de forma irresponsável e não pagam por isso. Não é o pequeno produtor que contamina a água, e sim o grande. 

MST: O estudo aponta como avanços tecnológicos no campo os transgênicos e o uso de máquinas. Qual o impacto dessa tecnologia no meio rural?

José Juliano De Carvalho Filho - A tecnologia é enviesada, pois desconsidera o saber dos povos do campo. O discurso de que “precisamos superar a fome” monopoliza a produção na mão de algumas transnacionais, pois há o mito de que o agronegócio é a única solução possível para acabar com a fome. As empresas só querem lucrar, não estão preocupadas com o país. Elas querem dominar as terras e a produção. Se continuar assim, vamos chegar em um ponto onde para plantar ou colher qualquer coisa vamos ter que pagar royalties a eles.  O agronegócio não é a única opção, e ele deveria ser regulado pelo estado, pois o latifúndio impede os pequenos produtores ao seu redor de crescerem. 
Não sou contra a tecnologia, mas a forma como ela é apropriada pelo agronegócio preocupa. A intenção é o monopólio. É como se fosse uma Reforma Agrária ao contrário, e a impressão que eu tenho é que os ruralistas veem o caminho livre para fazer o que querem.

MST: A agricultura familiar, apesar de abranger 4,4 milhões de estabelecimentos agropecuários do país (84,4%), cobre apenas 80 milhões de hectares (24,3% da área total). A área média dos estabelecimentos com agricultura familiar era de 18,3 hectares, enquanto a dos com agricultura não familiar era de 330 hectares. Como a concentração de terras se relaciona aos outros dados mencionados?

José Juliano De Carvalho Filho - Essa questão está na base de tudo. As principais características do campo brasileiro são a concentração de terras e a violência. O estado não cuida da questão da terra no sentido de beneficiar os pequenos produtores. Ao não regular o agronegócio, o estado destrói o pequeno produtor, que é muito vulnerável sem a sua assistência. 
Medidas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a compra de alimentos da Reforma Agrária para merenda escolar, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), são interessantes, mas insuficientes, pois ao mesmo tempo em que temos essas políticas, investe-se pesadamente no agronegócio. Nós precisamos de políticas estruturantes para os pequenos produtores.
Dessa forma, os interesses das empresas permanecem, e a agricultura familiar, sem os incentivos e políticas necessárias, não tem condições de enfrentá-los. O estado é ineficaz porque beneficia o capital. Não há opção política do governo em beneficiar os pequenos produtores; há muito diálogo, mas de concreto, não existe planejamento político. 
Tudo isso ocorre porque o agronegócio é a opção econômica que o governo adotou para o campo, basta ver o assustador desmatamento na Amazônia. Se a mesma situação perdura há mais de vinte anos, mesmo com uma ampla quantidade de pesquisas e denúncias sobre os impactos que o desmatamento causa, é porque o projeto político do governo para o campo demanda isso. Se continuarmos desse jeito, nosso futuro infelizmente é o do agrobrasil, no qual os pequenos produtores não terão chance de sobreviver e o meio ambiente será cada vez mais depredado para a produção de mercadorias primárias. 



Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11051
31/10/2012

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Mais um jovem Guarani-Kaiowá comete suicídio em MS




    
jovem guarani-kaiowá fincando mais uma cruz
  
Agripino da Silva, de 23 anos, foi encontrado morto na madrugada do último sábado (27) no acampamento Ypo'i, localizado em Paranhos; Estado se recusa a prestar atendimento emergencial nas aldeias de MS.



Mais um jovem guarani-kaiowá cometeu suicídio em Mato Grosso do Sul. Agripino da Silva, de 23 anos, foi encontrado morto na madrugada do último sábado (27) no acampamento Ypo'i, localizado no interior da Fazenda São Luiz, em Paranhos/MS. A Polícia Civil, ao ser acionada, se recusou a comparecer ao local para realizar perícia e registrar Boletim de Ocorrência (BO), sob o argumento de se tratar de área em litígio. 

O corpo foi retirado do acampamento por uma funerária – após requisição enviada por e-mail pela Delegacia da Polícia Civil de Paranhos – e encaminhado ao Instituto Médico Legal de Ponta Porã para exame pericial. 

O caso, além ilustrar os recorrentes suicídios nas comunidades indígenas do cone sul de MS, também elucida a falta de apoio policial e de segurança pública nas aldeias do estado, especialmente quando se trata de atendimento emergencial (190).

Para reverter essa situação e assegurar o direito constitucional à segurança, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública contra o Estado de Mato Grosso do Sul. A ação busca mudar o entendimento da Procuradoria-Geral do Estado que, em ofícios encaminhados às Polícias Civil e Militar, determina que os órgãos policiais não realizem atendimento às comunidades indígenas, seja ele emergencial ou preventivo, com a alegação de se tratar de competência exclusiva da Polícia Federal. 

No entendimento do MPF, “o fato da Terra Indígena ser bem da União não torna os índios propriedade ou interesse desta, sujeitos, portanto, à competência federal”. A tese do MPF é reforçada na prática: delitos em detrimento da vida, patrimônio, honra e integridade praticados pelos índios são julgados pela Justiça Estadual e não Federal. 

“O fato de serem índios não lhes atribui qualquer diferenciação na hora de serem julgados, desse modo, o atendimento emergencial aos indígenas não deve ser tido como uma exceção à regra, mas, também para eles, deve incidir a mesma regra que recai sobre os demais cidadãos”, destaca a ação.

Ausência 

Na última quarta-feira (24), foi realizada na Justiça Federal de Dourados, audiência de conciliação para tentar solucionar a falta de atendimento emergencial nas aldeias. Estavam presentes representantes do MPF, Advocacia Geral da União, Procuradoria da União, Funai, Superintendência da Polícia Federal e lideranças indígenas. O governo do Estado, também convocado pra audiência, não compareceu.

Apesar da negativa em tratar do assunto, os índices de violência entre os guarani-kaiowá continuam elevados. Entre 2010 e setembro de 2012 foram registrados, apenas na Reserva Indígena de Dourados, 71 homicídios.

“É interessante observar que os indígenas são ignorados no atendimento policial, mas inclusos nas estatísticas do governo quando da solicitação de verbas federais para policiamento na fronteira. A fiscalização fronteiriça é expressamente privativa da União, mas curiosamente, neste caso, o Estado nunca alegou incompetência para realizar”, destaca o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida. 

Bloqueio de verbas

Diante do tratamento desigual, o Ministério Público Federal (MPF) em Dourados também ajuizou ação para garantir policiamento preventivo nas aldeias, em especial na Reserva Indígena de Dourados. O MPF pede à Justiça o bloqueio de verbas federais destinadas ao governo do Estado até a execução do Plano de Policiamento Comunitário nas Aldeias.

O plano foi definido em agosto deste ano, após assinatura de Acordo de Cooperação Técnica entre a União e o Estado de Mato Grosso do Sul – realizada em março de 2012. O projeto, entretanto, sequer começou a ser implantado, pois, segundo o governo do Estado, seriam necessários quase R$ 3 milhões de reais - de verbas exclusivamente federais - para sua execução.

Incluídos nos dados, excluídos dos benefícios

Em paralelo ao Plano de Policiamento, investigação do MPF identificou convênio entre a União e o Estado de MS no montante de R$ 20 milhões. Os recursos seriam utilizados no controle e fiscalização das fronteiras e o valor do repasse foi definido com base em índices de violência e de habitantes a serem alcançados pelo convênio. 

Na região sul de Mato Grosso do Sul, área de fronteira com o Paraguai, são mais de 44 mil índios guarani-kaiowá que sofrem com um dos mais elevados números de homicídios e de suicídios do país. No entendimento do MPF, parte deste montante deveria ser destinado à segurança nas aldeias – que integram a região fronteiriça e, reconhecidamente, possuem alto índice de violência. 

“O Estado, sabendo de suas reais necessidades em proteger a população indígena, condiciona a prestação de serviços de segurança pública a esses povos ao repasse de quase R$ 3 milhões pela União quando, por outro lado, e argumentando beneficiar diretamente toda a população fronteiriça, recebe quase R$ 21 milhões em repasses de verbas federais para alcançar os mesmos objetivos”, destaca o MPF.

Na ação, o Ministério Público Federal pede o bloqueio de 3 dos 20 milhões de reais transferidos pela União ao Estado. O valor corresponde à verba necessária para a implantação da Polícia Comunitária nas aldeias. 

Referência Processual na Justiça Federal de Dourados:
Autos nº 0001889-83.2012.4.03.6002  (Atendimento Emergencial)
Autos nº 0001049-10.2011.1.03.6002 (Bloqueio de verbas)

30/10/2012

MPF comemora decisão que mantém indígenas em terra Guarani-Kaiowá no MS


 

Guarani-Kaiowá, da comunidade Pyelito Kue, no Mato Grosso do Sul - Foto: Ruy Sposati
Desde novembro de 2011, os Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue ocupam área de reserva legal da fazenda Cambará, em Iguatemi, sul de MS; os 170 indígenas da comunidade se refugiaram no local - situado do outro lado do rio (foto da travessia) que corta a região - depois de ataque de pistoleiros em agosto do mesmo ano.


O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, suspendeu operação de retirada dos índios Guarani-Kaiowá do acampamento Pyelito Kue, atendendo a pedido da Fundação Nacional do Índio, após intensa mobilização de cidadãos na internet. O Ministério Público Federal tinha feito o mesmo pedido e foi contemplado pela decisão de hoje.

"A mobilização das redes sociais foi definitiva para alcançar esse resultado. Provocou uma reação raramente vista por parte do governo quando se trata de direitos indígenas", disse o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, que atua em Dourados. A situação dos guarani em Pyelito Kue se tornou assunto em todo o país quando os índios divulgaram uma carta em que se declaravam dispostos a morrer em vez de deixar as terras, assim que foram notificados do despejo pela Justiça Federal do Mato Grosso do Sul.

Pela decisão de hoje, os 170 indígenas podem permanecer em uma área de 2 hectares dentro da fazenda Cambará, em Iguatemi/MS, até que os trabalhos de identificação da terra indígena sejam concluídos. Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena falta ser publicado pela Funai. A desembargadora Cecilia Mello determinou o envio da decisão à presidente da República, Dilma Rousseff e ao ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo. 

À Funai, a desembargadora determinou que "deve adotar todas as providências no sentido de intensificar os trabalhos e concluir o mais rápido possível o procedimento administrativo de delimitação e demarcação das terras". Os trabalhos se arrastam há pelo menos 3 anos, quando a Funai assinou um Termo de Ajuste de Conduta com o MPF para examinar a questão territorial dos Guarani-Kaiowá. 

Pyelito Kue

Os Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue ocupam área de reserva legal da fazenda Cambará, em Iguatemi, sul de Mato Grosso do Sul, desde novembro de 2011. Os índios se refugiaram no local - situado do outro lado do rio que corta a região - depois de ataque de pistoleiros em agosto do mesmo ano. Crianças e idosos ficaram feridos e o acampamento, montado à beira de estrada vicinal, foi destruído. (Confira nota sobre o ataque e fotos da travessiados índios)

Nota técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) publicada em março deste ano concluiu que a área reivindicada pelos indígenas como Pyelito Kue e Mbarakay é ocupada desde tempos ancestrais pelas etnias guarani e kaiowá. “Desde o ano de 1915, quando foi instituída a primeira Terra Indígena, ou seja, a de Amambai, até os anos de 1980 - com forte ênfase na década de 1970 -, o que se assistiu no Mato Grosso do Sul foi um processo de expropriação de terras de ocupação indígena, em favor de sua titulação privada”.

Para o Ministério Público Federal “afastar a discussão da ocupação tradicional da área em litígio equivale a perpetuar flagrante injustiça cometida contra os indígenas em três fases distintas e sucessivas no tempo. Uma quando se lhes usurpam as terras; outra quando o Estado não providencia, ou demora fazê-lo, ou faz de forma deficiente a revisão dos limites de sua área e quando o Estado-Juiz lhes impede de invocar e demonstrar seu direito ancestral sobre as terras, valendo-se justamente da inércia do próprio Estado”.

Referência processual: Autos nº 0000032-87.2012.4.03.6006

30/10/2012