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segunda-feira, 29 de julho de 2013

POVOS INDÍGENAS DO BRASIL E A NECESSÁRIA LUTA CONTRA AS AÇÕES ANTI-INDÍGENAS



É inaceitável que ruralistas concentradores de terras e exploradores da natureza continuem determinando os rumos das políticas indigenista, agrária e quilombola.
 
Roberto Antonio Liebgott
  
Nas últimas semanas, uma parcela significativa da população brasileira se mobilizou e ocupou as ruas das grandes cidades, nos mais diversos estados brasileiros, para combater os desmandos políticos e a precariedade dos serviços públicos em nosso país. A partir de então, parlamentares, tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados, passaram a incorporar em seus discursos referencias ao "grito das ruas", mas na pratica pouco fazem no sentido de acolher e contemplar as reivindicações e apelos dessa massa atuante e participativa. 

Paralelamente, a mídia divulga denúncias que evidenciam a imoralidade no trato e uso dos bens públicos por parte de ministros, senadores e/ou deputados. Surgem denuncias, por exemplo, de uso indevido de bens públicos, a exemplo dos aviões da Força Aérea Brasileira para fins particulares, por parte do presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, e do presidente da Câmara dos Deputados, José Henrique Alves.
 
 
Na encenação de escuta das vozes das ruas, parlamento e governo dizem que acolhem as reivindicações daqueles que exigem a punição dos corruptos, assistência em saúde, educação, segurança e transporte público gratuito. 

Na vida real, no entanto, eles legislam e governam para assegurar os interesses privados de empreiteiras e de latifundiários, a quem, como sempre, são outorgadas as desonerações de tributos, as concessões de financiamentos e liberação de verbas bilionárias (obras da Copa do Mundo, de barragens, de estradas, de estrada de ferro, de aeroportos superfaturadas continuam recebendo vultuosas quantias, enquanto permanecem contingenciados recursos destinados a ações e políticas publicas).
  
 
 
Recentemente, depois das mobilizações que povoaram as ruas e os noticiários televisivos, a presidente da República resolveu que ouviria a população. Decidiu convocar alguns representantes da sociedade, dos movimentos sociais, sindicais, populares e indígenas para reuniões no Palácio do Planalto.

A reunião da presidente Dilma com lideranças indígenas ocorreu no dia 10 de julho. Depois de ouvir as propostas e críticas dos líderes, a presidente respondeu que vai tratar das questões com cautela. E, acerca do tema específico da saúde, reconheceu que é vergonhosa a atenção prestada aos povos indígenas. Questionada sobre os procedimentos de autorização e de construção de hidroelétricas que impactam terras indígenas, respondeu que este é um ponto em que haverá divergências entre o governo e os povos indígenas.

A avaliação das lideranças presentes nesta reunião, acerca da receptividade e da postura da presidente, é de que o governo não está muito interessado nas pautas de reivindicações e na garantia plena dos direitos deste e de outros segmentos sociais que não são considerados produtivos ou empreendedores. As reuniões visam, na prática, chamar os “insatisfeitos” e “escutá-los” para abrandar os ânimos e não propriamente para assegurar o debate e o diálogo. O interesse do governo, neste momento, parece ser tentar resgatar um pouco da popularidade que perdeu ao longo dos últimos meses.

Essa postura de dialogar para “inglês ver” ficou evidente no conteúdo das entrevistas pós-reunião com as lideranças indígenas, especialmente do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que tem se firmado como uma espécie de porta-voz da presidente. Ao se pronunciar, ele afirmou que o governo vai alterar o procedimento de demarcação de terras, contrariando, portanto, as propostas e interesses indígenas.

Ou seja, o governo continuará honrando os compromissos políticos estabelecidos, em efetivo diálogo com os representantes dos ruralistas, das empreiteiras e mineradoras. A reunião, que deveria servir para dialogar com as lideranças indígenas constituiu-se, uma vez mais, em monólogo, já que o discurso e as pretensões do governo, no que tange aos direitos indígenas, se mantiveram inalterados.

Simultaneamente à reunião dos indígenas com a presidente Dilma, a Comissão de Agricultura e Pecuária da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar 227/2012, que pretende regulamentar o parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição Federal, e com isso impedir demarcações das terras dos povos indígenas e ao mesmo tempo inviabilizar o direito de posse e usufruto exclusivo destes povos nas áreas demarcadas.

Pelo projeto de lei complementar, as terras indígenas ficarão submetidas ao que se pretende caracterizar como sendo "de relevante interesse da União". Isso significa que estradas, oleodutos, linhas de transmissão, hidrelétricas, ferrovias, vilas e cidades poderão ser construídas nas terras indígenas. E, para além, permite que as terras fiquem submetidas aos interesses da iniciativa privada, a exemplo de fazendeiros, posseiros, mineradoras, assentamentos do INCRA, antigos e novos.

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, argumentou que "esta cláusula seria o equivalente da anistia que os ruralistas conseguiram no Código Florestal. Mas dessa vez não se trataria de escapar de multas e de ter de recompor paisagens degradadas. Seria legalizar e perpetuar o esbulho. Se uma lei como essa passar, será a destruição dos direitos territoriais indígenas".

Na audiência com a presidente da República as lideranças indígenas se manifestaram contra o PLP 227/2012 e solicitaram que ela orientasse seus líderes no Congresso Nacional a rejeitarem o referido projeto. Na mesma semana, o líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado Arlindo Chinaglia, reconheceu que a tramitação acelerada do PLP 227/2012 vinha ocorrendo graças a acordo entre o governo e a bancada ruralista. O deputado foi além, declarando que recomendou a aprovação do projeto, obedecendo a ordens do Palácio do Planalto.

Em função da grande reação e da repercussão negativa sobre a tramitação do PLP 227/2012, o presidente da Câmara dos Deputados não aprovou um requerimento de urgência para o projeto, como pretendiam lideranças da maioria dos partidos, e determinou que o mesmo fosse apreciado por uma Comissão Especial. Apesar de atender parcialmente as manifestações dos povos indígenas, das entidades indigenistas, não há nenhuma garantia de que o projeto, mesmo com a Comissão Especial, venha a ser apreciado com a profundidade necessária.

Neste contexto de adversidades políticas e econômicas, no qual ainda imperam interesses dos segmentos mais favorecidos da sociedade, os povos indígenas e as comunidades quilombolas devem manter suas mobilizações e articulações com outros setores sociais e, assim, continuar lutando para impedir que seus direitos constitucionais sejam desmantelados. 

As mobilizações realizadas no ano de 2012 foram extremamente importantes na luta contra iniciativas impostas pelo governo federal: a publicação da Portaria 303 da AGU; a construção da hidroelétrica de Teles Pires, no rio Tapajós; e contra o genocídio imposto ao povo Guarani-Kaiowá. Também em 2013 os protestos indígenas contiveram a tramitação, na Câmara dos Deputados, da PEC 215/2000 que vinha sendo articulada pela bancada parlamentar da agropecuária.
 
  
É inaceitável que ruralistas concentradores de terras e exploradores da natureza continuem determinando os rumos das políticas indigenista, agrária e quilombola. É inaceitável que um número reduzido de pessoas, cerca de 70 mil de acordo com o IBGE, concentre impunemente 228,5 milhões de hectares de terras improdutivas; que 43% das propriedades rurais tenham mais de 1.000 hectares de terras; que cinco milhões de estabelecimentos rurais detenham mais de 360 milhões de hectares, sendo que o território nacional conta com 851 milhões de hectares (dados do Censo Agropecuário do IBGE-2006).

Esses dados explicitam a injusta, absurda e inaceitável concentração de terras em nosso país. Terras que estão sob o domínio de um punhado de fazendeiros que, através da CNA - Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária - atreve-se a questionar a demarcação de terras indígenas com a alegação de que "é muita terra para poucos índios". Os dados refletem que há, sim, uma vastidão de terras para poucos “donos”. Esta é a grande injustiça, contra ela é que devemos nos unir e nos mobilizar!




Roberto Antonio Liebgott é vice-presidente do Cimi e integrante da Equipe Porto Alegre.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14496
29/07/2013

PROJETOS DE MINERAÇÃO DA VALE PRESSIONAM TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO MARANHÃO E PARÁ



Projeto Serra Sul, da Vale, recebeu a licença de instalação apesar de parte da área integrar a reserva ambiental da Floresta Nacional de Carajás.
 
Rogério Almeida e Lilian Campelo, Carta Maior
 

  
No mês de julho, o maior empreendimento da Vale, Projeto Serra Sul (S11D), recebeu dos órgãos ambientais do governo federal, o Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a licença de instalação do projeto da mina e da usina de beneficiamento do minério de ferro, apesar de parte da área integrar a reserva ambiental da Floresta Nacional de Carajás. A pressão sobre reservas ambientais e territórios das populações originárias é uma das características de tais projetos na Amazônia.
 
 O S11D encontra-se nos limites dos municípios a sudeste do Pará, Canaã dos Carajás e Parauapebas. Com o projeto a mineradora irá incrementar a produção de ferro em 90 milhões de toneladas por ano, mas com capacidade de dobrar a produção. O mercado asiático tem sido o destino do minério de ferro de excelente teor das terras dos Carajás, em particular a China e o Japão. A previsão é que a usina inicie as operações até 2016. A iniciativa que inclui mina, duplicação da Estrada de Ferro de Carajás (EFC), ramal ferroviário de 100km e porto está orçada em US$ 19,5 bilhões.

Os recursos estão distribuídos da seguinte forma: a logística consumirá US$ 14, 1 bilhões; US$8,1 bilhões serão usados na mina e na usina; enquanto US$ 2 bilhões serão usados durante o ano. Como em outros empreendimentos na Amazônia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o responsável por parte dos recursos, ao lado do banco japonês, Japan Bank Internacional Cooperation (JBIC). O projeto é maior ou equivalente à primeira versão do Programa Grande Carajás (PGC), iniciado há quase 30 anos.

Miséria S/A
 

O extrativismo mineral é o principal item da balança comercial do estado do Pará, chegando a contribuir com 90% do Produto Interno Bruto (PIB). O mesmo minério que pesa no PIB é responsável por uma renúncia fiscal de R$ 9 bilhões por ano por conta da Lei Kandir (lei complementar federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996), que desonera as empresas em recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS) dos produtos primários e semielaborados. Dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) sinalizam que o setor faturou 100 bilhões de reais em 2012. Deste total o Pará responde por 23,3%, ficando atrás de Minas Gerais, que concentra 41,4% da produção.

A desoneração em R$9 bilhões se aproxima do orçamento total do estado para o ano de 2013, estimado em R$ 13 bilhões, assim explica a dissertação de mestrado em Direito de Victor Souza, defendida da Universidade Federal do Pará (UFPA). No cenário de corporações internacionais que exploram ou reivindicam licença para prospecção mineral junto ao DNPM em solo paraense, constam a suíça Xstrata, a estadunidense Alcoa, a francesa Ymeris, a Reinarda, subsidiária da australiana Troy Resourse, a norueguesa Norsk Hidro, a chilena Codelco e a Vale, esta a de maior musculatura.

Análises do jornalista Lúcio Flávio Pinto, um especialista em temática amazônica, sinalizam que entre 1997 a 2001, a Vale contribuiu para o erário paraense com menos de R$ 6 milhões em impostos sobre minério de ferro exportado. Existe minério praticamente em todo o estado, - de seixo a ouro -, até o momento Carajás tem se constituído como o principal polo. O setor de maior peso na economia paraoara planeja investir 46 bilhões de dólares (quase 80 bilhões de reais) durante a vigência do seu plano quinquenal (2010/2014).

“O principal efeito desses investimentos será incrementar ainda mais a especialização do Pará como estado exportador (talvez vindo a ocupar a 4ª ou mesmo a 3ª posição nacional em 2014) e gerador de saldo de divisas (já é o 2º mais importante do Brasil)”, avalia o jornalista. Os planos de desenvolvimento para a Amazônia tem consolidado a região como uma fonte exportadora de matérias primas, ou no máximo semielaborados e energia. Conforme os tratados de economia, um exportador de commodities. Uma economia de enclave, que não dinamiza as regiões ela opera.

As quase três décadas de extrativismo mineral em Carajás não representam uma alteração da qualidade de vida das populações do Maranhão e Pará, estados impactados pelo projeto. Iguais em desgraça, ambos ocupam lugar de destaque no mapa da pobreza do país. No Maranhão 1,7 milhão da população, do total de 6,5 milhões de habitantes sobrevivem abaixo da linha da miséria, ganhando R$70,00 por mês.

No ranking da extrema pobreza do Brasil, o Pará ocupa o quarto lugar, com uma população de 1,5 milhão de pessoas na linha da pobreza. Entre os municípios do corredor de Carajás nenhum alcança a renda per capita mês igual a um salário mínimo. Parauapebas e Marabá lideram o ranking com R$221,48 e R$188,59 respectivamente. São João do Araguaia tem o pior indicador, R$67,72, enquanto Canaã dos Carajás responde com R$167,46. O município vizinho da mina, Curionópolis tem a per capita de R$ 108,15, quase a mesma renda da pequena Palestina do Pará, R$ 106, 64.

Os demais municípios do sudeste paraense possuem a seguinte per capita: Bom Jesus do Tocantins, R$107,80; Brejo Grande do Araguaia, R$113,77; Eldorado dos Carajás, R$106,16; Itupiranga, R$85,71; Nova Ipixuna, R$127,26; Piçarra, R$119,34; São Domingos do Araguaia. R$ 113,55 e São Geraldo do Araguaia com R$136,06, segundo dados de 2010, do Sistema de Informação Territorial (SIT), do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).
 


 Megaempreendimentos x populações ancestrais

Os números quase sempre estratosféricos do setor costumam ser festejados em chamadas de capas dos jornais locais, que secundam as tensões e situações de conflito que os megas projetos provocam junto à sociodiversidade amazônica, entre eles camponeses, indígenas e quilombolas. Hidrelétricas, portos, rodovias, hidrovias e ferrovias integram o quadro de empreendimentos públicos e privados que pressionam territórios ancestrais e áreas de reservas ambientais, como é o caso da EFC.

Duplicação da EFC pressiona territórios quilombolas

A EFC possui 892 km e corta 25 localidades, sendo 21 só no Maranhão. Diariamente passam dois tipos de trens por essa ferrovia: o trem de passageiros e o trem cargueiro, que possui 332 vagões e mais de 3.400 m de comprimento. A duplicação de parte da Ferrovia de Carajás, inaugurada em 1985, no último ano de distensão da ditadura, tem tirado o sono das populações quilombolas das comunidades de Monge Belo e Santa Rosa dos Pretos, cravadas nos municípios maranhenses de Itapecuru Mirim e Anajatuba, a 114 quilômetros de São Luís.

O território quilombola Monge Belo é composto por oito povoados (Monge Belo, Ribeiro, Bonfim19, Santa Helena, Juçara, Frade, Teso das Taperas e Jeibará dos Rodrigues). 300 famílias vivem nele. Em Santa Rosa dos Pretos sobrevivem 600 famílias em 13 comunidades, que são: Boa Vista, Pirinã, Barreiras, Leiro, Centro de Águida, Fugido, Barreira Funda, Sítio Velho, Picos I, Picos II, Santa Rosa, Curva de Santana e Alto de São João mencionadas como habitadas e quatro comunidades (Matões, Fazenda Nova, Pindaíba e Conceição) consideradas desabitadas.

Dados do relatório da Campanha Justiça nos Trilhos (Jnt) indicam que o projeto de duplicação da EFC prevê a construção de 46 novas pontes, 5 viadutos ferroviários e 18 viadutos rodoviários. As obras estão planejadas em duas fases (2010-2012 e 2012-2015). A primeira contemplou obras em Itapecuru-Mirim sobre os territórios quilombolas, Alto Alegre do Pindaré, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu e Açailândia, no estado do Maranhão e em Marabá, no estado do Pará. A empresa Norberto Odebrecht é a responsável pela obra. Em picos da construção, canteiros chegam a ter mais de dois mil operários.

Defensores dos direitos da criança e do adolescente têm denunciado a prostituição infantil na EFC por conta das obras. Outro passivo social provocado pela ferrovia é o embarque clandestino de vulnerável. Por conta da situação existe uma ação pública contra a companhia na 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Luís. O assunto é tema de um processo administrativo (PA 116/2005 – 1ª PIJ) em tramitação na promotoria, cujo titular é o promotor de Justiça Márcio Thadeu Silva Marques. Desde 2005 a empresa vem procrastinando em assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

Terras da Amazônia - Território em disputa

A Vale incorporou uma faixa de território de 40 metros de cada lado da (EFC) dos territórios quilombolas. E para tanto chegou a pedir judicialmente a impugnação do reconhecimento das terras como de remanescente de quilombo. As comunidades buscam desde 2005 o reconhecimento do território, prestes a receberem o documento do governo federal foram surpreendidas pela ação da mineradora.

Sob uma lógica de caos fundiário, a disputa envolve além de quilombolas e a maior empresa da economia nacional, fazendeiros e camponeses, o Ministério Público Federal (MPF), a Fundação Cultural Palmares (FCP), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e organizações de defesa de Direitos Humanos, como a Campanha Justiça nos Trilhos (Jnt).

A duplicação da via férrea interferirá ainda em territórios indígenas, entre eles, a aldeia Mãe Maria, do povo Gavião, localizado no estado do Pará. No Maranhão poderá causar impactos nos territórios indígenas Caru (Guajajara e Awá-Guajá), Alto Turiaçu (povos Urubu Ka’apor, Timbira e grupos de awá-Guajá, nômades e isolados), Pindaré, entre Bom Jardim e Santa Inês (povo Guajajara e algumas famílias de Guaranis). Ocupar trechos da EFC tem sido a estratégia de variados grupos para abrir o diálogo com a Vale. A última ocupação ocorreu no dia 19 de julho deste ano, e reuniu 700 pessoas, em Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão. Com vistas a enfrentar os passivos sociais e ambientais provocados pela EFC, prefeitos de 23 municípios estão organizados em torno de um consórcio municipal.

A peleja na Justiça

Em 2011 o MPF do Maranhão moveu uma Ação Civil Pública contra a Vale e o Ibama, por conta das obras da duplicação de 2,4 quilômetros da EFC no município de Itapecuru Mirim. Os estudos realizados pela Vale omitiram uma série de dados sobre a região, e laudos realizados pela FCP e o Incra, que apontavam para necessidade de aprofundamento das pesquisas sobre os territórios quilombolas. No documento da Vale entregue ao Ibama na época, havia somente uma mera menção da existência de Monge Belo e Santa Rosa dos Pretos.

Em julho de 2012, a obras foram suspensas. A decisão foi do juiz federal da 8ª Vara de São Luís, Ricardo Macieira, que avaliou que a licença foi obtida sem a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O desembargador Mário César Ribeiro, presidente do Tribunal Regional Federal, de Brasília revogou a liminar em setembro do mesmo ano.

Após as tensões, a Vale firmou acordou mediado pelo MPF, em que se comprometeu a realizar estudos visando à recuperação ambiental de rios e igarapés atingidos pela via férrea; a construir viadutos e melhorar passagens de nível para assegurar a travessia de moradores e veículos; recuperar cursos de água atingidos; realizar a medição da poluição do ar e sonora, por meio de aparelhos a serem instalados. Além disso, disponibilizar 700 mil reais, no prazo de 60 dias, para serem aplicados em construção de escola de ensino médio e implantação de projeto agrícola. A Campanha Jnt acusa que a empresa não tem cumprido o acordo firmado.

Há situações de conflito em todo o complexo que mobiliza os interesses da companhia e o projeto S11D, a exemplo do que ocorre nas ocupações Boa Esperança, Nova Esperança e a Vila Mozartinópolis (Racha Placa), que conformam parte do entorno de interesse da mina no município de Canaã dos Carajás. No Pará o MPF tem mediado os conflitos relacionados com camponeses que terão de ser removidos para a implantação do ramal ferroviário. Em outro projeto que explora níquel ao sul do estado, a tensão ocorre com o povo indígena Xkirin do Cateté.

A omissão de informação, a insuficiência de dado e uma revisão bibliográfica limitada são características recorrentes nos estudos e relatórios de impactos ambientais apresentados pelas grandes corporações para a obtenção de licenças de seus empreendimentos em solo amazônico. Outro item apontado pelos defensores de direitos humanos é a indiferença contra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A convenção orienta que as comunidades tradicionais sejam consultadas sobre a interferência em seus territórios.

Na quebra de braços entre Davi contra Golias, a Vale fracionou o pedido de licenciamento ambiental, como se a licença da mina em Carajás, a duplicação de parte da EFC, a reforma dos 57 pátios de cruzamento e a construção do quarto píer, no Porto da Ponta da Madeira, em São Luís fossem dissociados.

Conforme a assessoria jurídica da Campanha Jnt as obras continuam a todo vapor na cidade de Itapecuru Mirim. Assim como os problemas e a falta de respeito às populações atingidas. Segundo a assessoria, as estradas vicinais estão destruídas e o trem tem ficado até três dias parados num desvio, o que impede o direito de ir e vir das pessoas. 

Os quilombolas indicam como passivos do projeto a destruição de igarapés, a poluição das águas, a ocorrência de atropelamentos constantes de pessoas e animais, mudança no modo de vida das comunidades quilombolas e o comprometimento da segurança alimentar pela perda do território e dos recursos hídricos.

Outro passivo colocado pelo relatório da Campanha Jnt tem relação com o valor pago pelas benfeitorias, que não considera as perdas financeiras e a impossibilidade de continuação de algumas atividades. Alguns moradores tiveram que negociar parte de seus quintais, ficando com o espaço bastante reduzido, o que impossibilita a continuação da criação de animais de pequeno porte, como galináceos, outros moradores perderam canteiros em que cultivavam hortaliças.

A Campanha Jnt tem se constituído como uma pedra no caminho dos interesses da mineradora. Foi ela a responsável pela premiação que a Vale recebeu em 2012, “O Oscar da Vergonha”, como a pior empresa ambiental do mundo. O "Public Eye People's” existe desde 2000. As ONG´s Greenpeace e a Declaração de Bernia são os organizadores. A chancela é entregue durante o Fórum Econômico de Davos, na Suíça. A Campanha é uma das organizações alvo da arapongagem realizada pelo setor de “inteligência” da corporação, conforme declarou à imprensa ex gerente do serviço demitido no começo do ano, André Almeida.
 
 A expropriação no quilombo do Pará

Maria do Carmo é professora do ensino fundamental na comunidade São Bernardino. Mora desde menina no território quilombola de Jambuaçu, localizado no município de Mojú (PA). Atualmente está sendo processada pela Vale. 778 famílias moram em Jambuaçu. Elas estão distribuídas em 14 comunidades: Poacê, São Bernardino, Bom Jesus do Centro Ouro, Nossa Senhora das Graças, Sta Luzia do Traquateua, Santo Cristo, Conceição do Mirindeua; São Manoel; Jacundai; Ribeira e São Sebastião, segundo pesquisa da Nova Cartografia Social da Amazônia.

Com 51 anos, a educadora acredita que a causa esteja vinculada as diversas ações de resistência que, assim como ela, outras lideranças realizaram no período de maior conflito entre a empresa e os moradores do território. Dentre os episódios, o momento de maior tensão foi quando um grupo composto por 300 pessoas derrubaram uma torre de linha de transmissão de energia em dezembro de 2006, e fecharam a Rodovia Quilombola durante 51 dias.

As ações foram motivadas pelo não cumprimento do acordo, que na época era a construção da Casa Familiar Rural (CFR), escola de alternância para os jovens do território, um posto de saúde para as comunidades, a recuperação de 33 quilômetros de estrada que cortam as terras quilombolas, e a reforma de duas pontes danificadas por caminhões da Vale. Os pontos do acordo só foram cumpridos após a mobilização dos moradores.

Assim como Maria do Carmo, outras duas pessoas estão sendo processadas, Raimunda Gomes de Moraes e Manoel Almeida. Como registra a ação do Ministério Público Federal (MPF) “a Vale levou à Justiça Estadual vários quilombolas sob o fundamento de dano em suas instalações e ainda promoveu Notificação Extrajudicial das comunidades, numa clara tentativa de intimidá-los”.

Segundo o MPF, as fases do licenciamento ambiental foram acompanhadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA – PA), e nele foram estabelecidas as obrigações no qual a empresa deveria realizar com o objetivo de atenuar os impactos ambientais, sociais e econômicos gerados pela instalação do mineroduto e a linha de transmissão.

Dentre as condições que deveriam ser implementadas está o projeto de geração de renda (projeto produtivo) realizado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). De acordo com o presidente da Associação Quilombola de Jambuaçu (Bambaê), Ricardo Tavares da Silva, atualmente está sendo realizado um projeto de apoio à agricultura familiar realizado pela Norsk Hydro, empresa norueguesa, e a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta) na Casa Familiar Rural. “Esse projeto não é o projeto de geração de renda para as famílias que foram afetadas. Até porque quem irá realizar é a UFRA. Ele [projeto] foi feito para dar sustentabilidade à escola, e também para que os alunos possam aplicar os conhecimentos que aprendem em sala de aula”.

Os quilombolas acusam que a empresa não tem cumprido até o momento as condicionantes estipuladas em 2008. Conforme acordo firmado com o MPF do Pará, a empresa teria que apresentar programas de geração de renda e diversificação da produção agrícola para as áreas impactadas pelo empreendimento, contudo, como diz o texto apresentado pelos procuradores da República, Bruno Araújo Soares Valente e Felício Pontes Jr. “Ao invés de cumprir as condicionantes, implementando projetos para todos os quilombolas, a Vale acena com uma humilhante proposta que transforma obrigação ambiental em esmola”, criticam.

A proposta da empresa é executar o projeto desenvolvido pela UFRA para 58 famílias identificadas pela Coordenação das Associações Quilombolas e inserir duas culturas anuais como mandioca e feijão ou mandioca e milho, e ainda uma cultura perene, cupuaçu ou açaí, para cerca de 400 famílias que concordaram com o trabalho da UFRA.

Mediante o não cumprimento das condicionantes e como a presença do mineroduto infringe o direito e a integridade do patrimônio coletivo do território quilombola do Jambuaçu, o MPF solicita em ação judicial o pagamento no valor de cinco salários mínimos para cada uma das 788 famílias remanescentes de quilombo, e a implantação de projeto de geração de renda na comunidade.

Jambuaçu, Mojú, norte do Pará. Do terminal rodoviário pode-se vê o rio que banha e batiza a cidade. É o “rio das cobras” em tupi. Situado na zona Guajarina, localizado no nordeste paraense, fica a 257 km da capital Belém. Moju ainda faz fronteira com oito cidades – Breu Branco, Tailândia, Barcarena, Acará, Baião, Mocajuba, Igarapé-Miri e Abaetetuba. A cidade é o ponto de partida para chegar ao território quilombola de Jambuaçu distante 25 km do centro.

O transporte até o território quilombola é escasso. Há apenas dois horários de saída do terminal, um às 11 horas e o outro somente às 15horas, mesmo assim ainda não é certeza, e quando não sai deixa muitos moradores na mão.

Em 2006, o território ganhou as manchetes na mídia. Lideranças das quinze comunidades que compõem o território derrubaram uma torre de linha de transmissão. Estas e outras mobilizações e ações de resistência tecem a luta que o território vem travando desde 2004, quando a Vale iniciou a instalação de parte do projeto da Mina de bauxita, localizada no município de Paragominas, sudeste paraense. Trata-se da terceira maior mina de bauxita do mundo, com capacidade de produzir 9,9 milhões de toneladas anuais.

A ação pública ambiental movida pelo MPF explica que o empreendimento contempla uma mina de bauxita denominado de Miltônia 3; linha de transmissão de energia elétrica para suprir a demanda que o empreendimento necessita; construção de mineroduto para realizar o transporte de polpa de bauxita com 244 quilômetros de extensão, tendo inicio em Paragominas e terminando na empresa Alunorte, no município de Barcarena. O mineroduto percorre cinco municípios, Ipixuna do Pará, Tomé-Açú, Acará, Abaetetuba e Mojú. Além dos projetos do alumínio, as populações da região socializam os impactos da monocultura do dendê, incentivada pela politica federal de biodiesel, também controlada pela Vale.

As plantas industriais da Alunorte e Albrás integram a cadeia produtiva do alumínio no Pará são consideradas as maiores do mundo. A primeira transforma a bauxita em alumina, e a segunda a alumina em alumínio. A energia elétrica é o principal insumo. A Mineração Rio do Norte, que também fez parte do portfólio da Vale, explora bauxita desde a década de 1980 na cidade de Oriximiná, no sudoeste do Pará. A cadeia do alumínio paraense tem ainda em sua composição a estadunidense Alcoa, que explora a matéria prima para a produção de alumínio no Baixo Amazonas, no município de Juriti, oeste paraense.

Coisa de gigantes

Em 2010 a Vale repassou o controle acionário da cadeia do alumínio para a norueguesa Norsk Hidro ASA numa operação realizada em 2010, em Oslo, Noruega. Parceira da Vale há 40 anos a Hidro já detinha 34% das ações. Informação publicada no site da empresa explica que a operação inclui a transferência do controle de Paragominas, 91% de participação na refinaria de alumina Alunorte, 51% na fábrica de alumínio Albras e 81% na futura refinaria de alumina CAP, e a Vale passa a deter 22% das ações da Hydro.

O site da Hidro esclarece que o projeto CAP é uma refinaria de alumina em implantação, com capacidade anual de produção de 1,86 milhão de toneladas e potencial de expansão de até 7,4 milhões de toneladas, abastecida principalmente por Paragominas. A Hydro já detinha 20% da CAP, e passará a controlar 81% com essa operação. A empresa existe desde o começo do século passado e opera em 40 países dos cinco continentes.
 
 
Terras de negros – terras de engenhos de cana de açúcar

Tanto as linhas de transmissão de energia elétrica e o mineroduto atravessam o território de Jambuaçu, contudo o processo de titulação do território começou em 2001, o que garante aos remanescentes de quilombolas o direito a terra, e, por conseguinte o direito ao trabalho, à preservação da cultura, dos costumes e das tradições.

O fator histórico é outro ponto de destaque na garantia de direitos aos remanescentes de Jambuaçu. A presença do negro na Amazônia está marcada nas obras de Vicente Salles como um importante documento historiográfico baseado na revisão de documentos oficiais e jornalísticos datados dos séculos XVII a XIX. No livro O negro no Pará – Sob o regime da escravidão relata que ao longo do rio Moju, assim como no rio Acará, Capim e Guamá, registra a ocorrência de muitos engenhos de lavoura de cana de açúcar, cultivada a partir da mão de obra escrava. A grande concentração de negros na região se deve pela importância econômica que a cidade representou na época, concentrando ali um dos maiores mocambos do estado.

Em Jambuaçu, a Convenção 169 da OIT também foi ignorada. Muitos moradores do território assinaram de forma individual o Instrumento Particular de Constituição de Servidão, Transação, Quitação e Outras Avenças para alienarem suas terras como fez Maria do Carmo 51 anos, presidente Associação da Comunidade São Bernardino. “O termo foi assinado de forma individual e sem conhecermos o que estávamos assinando. Eu falo por mim, eu sou professora, mas na época não tínhamos o conhecimento que temos hoje. Eles apenas chegavam e diziam assim: olha esse projeto é do Governo Federal, então vocês não podem fazer nada. Como nós não tínhamos a visão que temos hoje fomos obrigados a procurar quem nos orientasse”.

Ela ainda informa que muitos moradores da comunidade souberam que seria construído o mineroduto ou as linhas de transmissão quando as máquinas já estavam trabalhando na área e derrubando a mata para limpeza do terreno. As comunidades de Jambuaçu vivem em sua grande maioria da agricultura familiar, da pesca, criação de pequenos animais e do extrativismo, como a coleta de ouriços da Castanha do Pará.

O MPF apontou na ação pública que o acordo estabelecido de forma individual estabeleceu limites para a produção agrícola aos moradores que assinaram o termo, o que levou muitas famílias a miséria, como foi verificado pela inspeção judicial. Quanto à indenização o valor foi irrisório, e determinado de forma unilateral pela Vale.

Durante a entrevista, Maria do Carmo recorda que antes da presença da empresa a maior dificuldade para o território era o deslocamento até a cidade, porque não tinha a estrada, e o transporte era fluvial. “Mas em compensação os nossos produtos eram totalmente diferentes, tinha fartura, se conseguia viver da terra, esse era o sustento da minha família” acrescenta.
A Comissão Pastoral da Terra da Região Guajarina (CPT) informou que houve uma perda de 20% do território das comunidades quilombolas, o que representa 2.400 hectares de terras após a implantação dos minerodutos e da linha de transmissão.

 
 
Os impactos perduram

Os impactos ambientais causados pelo empreendimento vão desde o assoreamento, alteração da navegabilidade e modificação da qualidade de igarapés e do rio Jambuaçu. Estes e outros problemas ambientais podem ser vistos nos relatos publicados pela Nova Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – Quilombolas de Jambuaçu – Moju, coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e a professora Rosa Elizabeth Acevedo Marin da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Maria de Nazaré Silva Rodrigues, 32 anos, presidente da Associação Quilombola de Santa Maria do Traquateua informa que a empresa reconhece como atingidos apenas 58 famílias. O fato, segundo ela, gerou uma crise interna no movimento pela exclusão da maioria da população das 14 comunidades. Assim, as 58 famílias que receberam a indenização, em nome da coletividade, decidiram pela divisão do recurso com as demais famílias afetadas, mas que não eram reconhecidas pela empresa. Por conta da decisão, as 58 famílias foram multadas e ficaram sem receber quatro salários mínimos. “Isso só enfraqueceu o território, gerou desunião e fortaleceu a Vale” avalia.

Diante dos impactos e do processo judicial que Maria do Carmo enfrenta com a Vale, ela diz que se sente triste pela situação do território, das várias lutas que vem enfrentando e em tom de desabafo faz algumas previsões preocupantes. “Essa comunidade aqui está em extinção. Nós estamos sabemos que nesse território vai passar gasoduto, linha de trem, mais linhas de transmissão. E vai chegar um tempo que a comunidade vai sair, porque onde vai passar gás você não vai pode morar. É uma preocupação minha: aonde nós iremos? Pra cidade? O agricultor vai ter que comprar tudo, porque ele não tem como plantar indo pra cidade, tudo vai ser diferente, então isso é uma preocupação minha”.




Rogério Almeida é autor do livro Territorialização do campesinato no sudeste do Pará, editado pelo NAEA\UFPA\2013. Lilian Campelo é jornalista freelance.

29/07/2013
Foto: Pitpitoca/CC