Entrevista concedida por Clodomir Morais, ao Jornal
Brasil de Fato em 20 de agosto de 2012. Clodomir Morais é ex-assessor das Ligas
Camponesas, ele faz uma crítica contundente a respeito da estagnação da reforma
agrária. Pois, segundo ele, é preciso ser mais enérgicos; haja vista que, “Hoje
temos um parlamento em que 60% é composto por latifundiários”.
Essa afirmação do Clodomir reflete bem a realidade
brasileira, onde se pode observar a cidade comandando o campo. Ou seja, esses
“homens bons” que comandam o cenário político brasileiro, contribuíram, contribuem
e contribuirão sempre para o alargamento do êxodo rural e uma urbanização
desenfreada; constituindo assim, sérios problemas para o país no que diz
respeito à ocupação do espaço.
Para se ter uma idéia da gravidade deste problema
espacial existente hoje no país, é importante ressaltar que, cerca de 80% da
população brasileira vive na área urbana, a maioria oriunda da
área rural,que detém cerca de 20% da população do país.Porém, sem
alternativa de sobrevivência e carente de tudo acabam inchando os grandes
centros, e esvaziando o campo.
Ora, qual seriam os motivos que levam a essa
distribuição desproporcional da população dentro do território nacional?
Primeiro que, a concepção destes latifundiários
parlamentares é subordinar o campo a cidade, no sentido de orientar a produção
campesina para os interesses urbano-industrial como afirmam (Portela &
Vesentini; 2003:16):
Ø “Os cultivos passam a depender ou de firmas industriais (como,
por exemplo, o fumo, da indústria de cigarro; a uva, da indústria vinícola; a
cana-de-açúcar, da indústria açucareira ou automobilística; etc.) ou então
servirão principalmente para alimentar a mão-de-obra concentrada nas cidades;
Ø Máquinas, adubos químicos, inseticidas, etc. fabricados no
meio urbano passam cada vez mais a ser condição essencial da produção agrícola
ou pecuária. Além disso, esse tipo de produção necessita também de empréstimos
dos bancos, que estão localizados na cidade.”
E segundo, que não é de interesses destes “homens
bons” uma reforma agrária no país; pois, assim acabaria com os seus “currais
eleitorais”. Deste modo, é mais óbvio para eles manter essa desagregação social
e campesina, porque este tipo de política possibilita que eles se eternizem no
poder. E além do mais, esse modelo de estado que eles insistem em defender,
acentua a marginalidade e a violência contra os indígenas, os afrodescendentes
e todos aqueles que habitam a área campesina. Por outro lado, é fato
comprovado; e assim sendo, se faz necessário que, a classe camponesa retome a
luta gloriosa dos anos 60, como afirma o jornal Brasil de Fato:
Camponeses reunidos: golpe de 64 pôs fim às Ligas
Camponesas
|
“‘Na lei ou na marra’. Este era um dos principais
lemas em coro pelos 1.500 trabalhadores e delegados das Ligas Camponesas do
Brasil reunidos no Congresso Camponês, ocorrido em Belo Horizonte (MG), em
novembro de 1961.
O encontro contava com o apoio do então presidente
João Goulart, e marcava um momento histórico na luta contra o latifúndio e
pelos direitos dos trabalhadores camponeses no país.
A origem das Ligas Camponesas remonta às antigas
Ligas da década de 1930, originárias da ação do Partido Comunista do Brasil no
campo. A refundação dessas organizações na década de 1950 alcançou diversos
estados brasileiros. Embora não tão articuladas politicamente, suas ações se
guiavam, em sua maioria, por um viés progressista. Essa refundação pode ser simbolizada,
sobretudo, a partir de 1954, quando na cidade de Vitória de Santo Antão (PE),
formava-se um dos embriões das Ligas Camponesas, a Sociedade Agrícola e
Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP).
No engenho Galileia trabalhavam cerca de 140
famílias de camponeses em regime de foro: em troca de cultivar a terra, deviam
pagar uma quantidade fixa em espécie ao proprietário da terra. Após uma
desavença política entre as partes, os camponeses encontraram apoio em
Francisco Julião.
A associação se institucionalizou e passou a
funcionar legalmente a partir de janeiro de 1955. Forças políticas de direita e
a imprensa não demoraram em alcunhar a SAPPP de “liga”, fazendo relação aos
movimentos da década de 1940.
Em 1959, a SAPPP conseguiu a desapropriação do
engenho. A vitória dos pernambucanos estimulou a luta pela reforma agrária em
todo o país e já no início da década de 1960, as ligas se espalhavam por 13
estados brasileiros.
Porém, com a instalação do regime militar em 1964,
a reforma agrária não foi implementada, pois as principais lideranças das ligas
foram presas e o movimento dissipou-se. Testemunha e ator de toda essa história
é o baiano Clodomir dos Santos Morais, que foi assessor das Ligas Camponesas e
teve contato com dirigentes como Francisco Julião, Adauto Freire, João Pedro e
Elizabeth Teixeira.
Clodomir também foi deputado estadual de Pernambuco
eleito pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) em conjunto com a legenda do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de 1955 a 1959.
Dois anos preso, entre 1962/65, Clodomir chegou a
dividir a cela com o educador Paulo Freire. Com os direitos políticos cassados
por uma década, foi expulso do país, permanecendo exilado por mais 15 anos.
Durante esse período, foi conselheiro regional da
ONU para a América Latina em assuntos da reforma agrária e desenvolvimento
rural. Dirigiu projetos de capacitação e organização em Honduras, México,
Nicarágua e Portugal.
Foi professor nas universidades de Rostock e
Berlim, na Alemanha; e em Wisconsin, nos Estados Unidos.
Possui duas dezenas de livros sobre a questão da
terra. Seu acúmulo prático construído na ação dentro das Ligas Camponesas e sua
consciência teórica, notadamente, contribuem, há anos, para que os movimentos
camponeses contemporâneos organizem, de modo mais eficaz, a luta pela reforma
agrária. As primeiras edições da sua cartilha Elementos de Teoria da
Organização foram feitas Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
por meio do Caderno de Formação nº 11. ”(fonte: Brasil de Fato).
Contudo, vamos à entrevista do Clodomir Morais:
Brasil de Fato – Qual o primeiro desafio das
Ligas? A institucionalização das primeiras organizações?
Clodomir Morais – O Código Civil é a lei que a burguesia
respeita. O Código Civil foi feito por ela. E aprovado em 1918. Então ela
respeita, não rasga. Porque, se rasga, eles mesmos são afetados, eles mesmos
perdem seus direitos. Então a gente estava perdendo tempo querendo resolver
nossas questões com o Ministério do Trabalho [se referindo à legalização das
primeiras organizações camponesas na década de 1950]. O Código Trabalhista não
era para isso. E começamos as Ligas Camponesas por aí. A partir daí elas iriam
longe.
Tínhamos uma burguesia que acreditava nos slogans
das Ligas Camponesas. Grande parte eram burgueses com dinheiro, a começar por
Jânio Quadros, que foi nosso grande amigo.
Brasil de Fato – A fragmentação política era uma
das características desse movimento camponês?
Clodomir Morais – Não eram tão fragmentadas. As
Ligas eram o braço direito, ou esquerdo, se quiser, do próprio Partido
Comunista. E eu também era comunista. Meteram-se até na luta armada para
defender o sistema democrático que estava ameaçado, quando do suicídio de
[Getúlio] Vargas.
Brasil de Fato – Qual era grau de tensão
política entre os dirigentes das Ligas, desde a morte de Vargas até o golpe
militar de 1964?
Clodomir Morais – Veio o Café Filho [sucessor de Vargas], e
esperávamos o golpe. Assim como com Juscelino Kubitschek. Até chegar em 1964.
Tudo mundo sentia que se aproximava [o golpe].
Lamentavelmente, as direções do PC dos estados,
fora Pernambuco, não viam isso. Achavam que deviam participar de alguma forma
das fileiras do Estado, para legalmente reivindicar as coisas. Legalmente não
se reivindica nada.
O pessoal não acreditava, achava que a gente era
aventureiro. Estávamos vendo a hora de os EUA invadirem Cuba, e realmente
invadiram, em 1961. Entretanto, apoiamos Cuba sem precisar de nenhuma ajuda
material desse país.
Hoje temos um parlamento em que 60% é composto por
latifundiários. Os maiores latifundiários do continente estão lá dentro. Um
deles chegou a ser governador do Mato Grosso [Blairo Maggi], que possui um
milhão de hectares de terras da Amazônia.
De modo que foi uma ilusão dos camaradas do Partido
Comunista que, afinal de contas, nunca quiseram discutir [o atrelamento ao
Estado, o legalismo].
Brasil de Fato – E como foi o Congresso de 1961?
Clodomir Morais – Eles realizaram um congresso em que as Ligas
participaram e virou totalmente a cara dele. Buscaram fazer um congresso para
disciplinar o arrendamento de terras. Nós não estávamos pensando em
arrendamento, mas numa reforma agrária, mesmo como uma bandeira de revolução
burguesa. E a própria burguesia nos apoiava.
Brasil de Fato – O PC armou as Ligas na iminência
do Golpe de 1964?
Clodomir Morais – Os que dirigiam as Ligas eram comunistas. O PC
apoiava o general [Henrique Teixeira] Lott. Boa parte estava comprometida com a
eleição dele, e não queria que o movimento das Ligas atrapalhasse. Mas os
comunistas das Ligas de Pernambuco criaram um Comitê que cuidou do apoio à
Cuba. Mas é evidente que setores se armaram.
Logo após o golpe militar, as Ligas ocuparam a
cidade de Vitória de Santo Antão. Ocuparam o Engenho Serra com mil homens
armados. Mas as Ligas só tiveram um dispositivo que foi deflagrado pelas
autoridades, hoje localizado no Estado de Tocantins.
Houve outro grande dispositivo militar no Estado do
Rio de Janeiro. Eram 27 dispositivos militares.
Estou terminando, daqui a seis meses, o livro
História Militar das Ligas Camponesas. São quarenta anos de pesquisa. Vários
quadros estiveram nos dispositivos militares das Ligas, e ninguém sabia os
nomes deles, e depois, pouco a pouco, a gente foi encontrando com um e com
outro e reunimos os dados.
Brasil de Fato – Que rumo tomaram esses
dispositivos após o golpe?
Clodomir Morais – Nós desligamos esses dispositivos antes mesmo
de sermos presos. A divisão interna era muito grande e os inimigos pertencentes
ao sistema tinham muita força.
Brasil de Fato – Qual a influência das Ligas na
Guerrilha do Araguaia?
Clodomir Morais – Alguns membros da Guerrilha do Araguaia
adquiriram experiência com as Ligas Camponesas. Ali haviam vários caras
formados pelas Ligas. Como foi também com o grupo de [Carlos] Marighella, de
[Carlos] Lamarca, do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Como eu
estava no exílio, fui saber disso depois.
Brasil de Fato – E como o senhor vê a luta dos
movimentos camponeses, hoje?
Clodomir Morais – O MST merece todo o respeito por tudo o que
fez, mas se acomodou, de certo modo. Já perdeu bastante combatividade. Pelo
oportunismo de alguns camponeses e alguns dirigentes. Mas eu continuo
acreditando bastante em [João Pedro] Stedile. Ele é um técnico com política na
cabeça.
Brasil de Fato – Como o senhor vê a estrutura
organizativa dos camponeses hoje?
Clodomir Morais – Hoje é cada um por si, e Deus por todos. E você
vai encontrar aí muitos assentamentos que estão em pedaços. Ainda têm papelão
ou lona em cima do telhado. Temos que retomar a luta.
Os movimentos camponeses de hoje viram que é mais
fácil fazer o caminho que o Partido Comunista fez na época de Miguel Arraes,
quando era governador de Pernambuco. Arraes chegou a ter metade de seu
secretariado comunista. Não faltava nada ao partido.
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