Maíra
Gomes, de Belo Horizonte (MG).
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Violeiro e lutador social, Pereira da Viola traça a importância do instrumento na formação cultural brasileira |
Pereira da Viola, mineiro nascido em Teófilo Otoni,
é lutador pelo fortalecimento da música de viola e um grande parceiro e
militante dos movimentos sociais, principalmente o MST. Para ele, a arte só faz
sentido quando está ligada a questões libertadoras do povo. Pereira da Viola
acredita que apesar dos avanços no campo político da cultura no país, ainda há
desafios principalmente no campo da cultura popular, em contraponto à ofensiva
da cultura internacional.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?
Pereira da Viola - Eu venho de uma formação popular.
Nasci em uma família culturalmente rica, humilde, mas que tem uma terrinha em
Teófilo Otoni. Ali, meu pai e minha mãe criaram os 13 filhos e mais uma
imensidão de gente que se acoplava ali. Hoje, é Comunidade Remanescente
Quilombola. Desde o princípio, no início da década de 70, eu lembro quando
minha mãe ia celebrar cultos na igreja católica e, nas reflexões da Bíblia, ela
sempre dava um jeito de falar que está escrito na Bíblia que um dia ia ter
reforma agrária. Minha família sempre esteve ligada a um lado do povo mais
sofredor, através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, e depois com o
processo das Comunidades de Base. A minha base de formação política vem daí.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?E o seu envolvimento nos movimentos, como foi?
Pereira da Viola - Quando eu vou estudar no Espírito Santo, com 11
anos, levo isso comigo. Lá, um tempo depois, ajudo a iniciar um processo do que
viria a ser uma das primeiras ocupações de sem terras no país, na cidade de
Pinheiros. Já em Minas Gerais, na Serra dos Aimorés, eu e mais uma pessoa do PT
criamos o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do qual eu vim me tornar o
presidente. Em 1988, saio candidato a vereador pelo PT na cidade. Ali fiz um
curso de magistério, mas quando tive que definir se eu iria continuar
estudando, fui para a música definitivamente.
Brasil de Fato - Então a música te acompanhou todo este tempo?
Pereira da Viola - Quando eu fui para o Espírito Santo, levei comigo
um violão que ganhei do meu irmão. E eu comecei a desenvolver sozinho, vendo as
pessoas tocarem e tentado imitar. Nesse processo, participei de shows de
calouros, e outras coisas.
Quando venho pra Serra, me envolvo no movimento
cultural do Vale do Mucuri. Tenho, então, contato com a obra dos que vieram a
ser meus mestres, como Elomar Figueira Mello, Xangai, Décio Marques, Doroty
Marques, Rubinho do Vale, Paulinho Pedra Azul, Saulo Laranjeiras. É o momento
que eu tenho o contato com essa modalidade, e é também o momento que eu
reencontro com a viola. Porque na minha infância tinha tido contato com ela nas
Folias de Reis e isso tinha desaparecido da minha vida.
E nesse encontro com a viola eu reencontro minha
identidade. Fiz um projeto com meu irmão, Josino Medina, um daqueles irmãos que
nascem em lugares diferentes e se encontram um dia. Fomos pra São Julião,
comunidade onde nasci, e fizemos um mapeamento cultural das cantigas, batuques
e tradições do lugar e criamos um show. Ficamos juntos uns cinco anos.
Em 1993 gravei meu primeiro disco, já morando aqui
em Belo Horizonte. A partir dai foi sempre isso, discos independentes.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?E como seguiu o seu contato com os movimentos
depois que decidiu mergulhar na música?
Pereira da Viola - Em 2000, eu vou morar em Ribeirão Preto, em função
da família da minha esposa, que está toda lá. Como tivemos gêmeas, fomos pra lá
para que elas nascessem dentro de condições diferenciadas.
Em determinado momento, eu tive contato com o MST
de lá. Fui dar um apoio em um assentamento, era uma noite fria e eu fui tocar
pra eles. Depois fui fazer uma visita no sítio Dom Helder Câmara, onde fizemos
uma reunião, poucas pessoas. Estávamos tocando embaixo de uma figueira, que
depois viemos saber que é na verdade uma gameleira, de 450 anos, uma árvore
enorme, imponente. Decidimos fazer outro encontro, com uns cinco violeiros e
umas 20 pessoas.
Foram 58 violeiros e um público de umas 10 mil
pessoas! Foi um negócio que mudou totalmente tudo que estávamos imaginando. A
partir daí, torna-se mais direta a minha participação com o movimento.
Planejamos um segundo encontro, já com a proposta da criação da Associação
Nacional dos Violeiros.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?Qual era o desafio que estava posto, que fez com
que você sentisse a necessidade dessa articulação entre os violeiros do país?
Pereira da Viola - É sempre o mesmo. Há uma contracultura que se impõe
de forma pesada e absurda, e eu sempre acho que a melhor forma de você
contrapor algo que acha que está errado é fazendo diferente. Eu proponho que a
música de viola seja uma realidade cotidiana na vida do brasileiro no país
inteiro, ou ao menos nas regiões onde se tem essa força latente.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?Qual a importância, a força da viola?
Pereira da Viola - Ela vem para o Brasil com os portugueses, com os
jesuítas, desde o início. Eles a utilizam no processo de catequização dos
índios. A viola era um instrumento da Corte e, depois o brasileiro assimilou muito
rápido o som do instrumento, que se tornou popular. Aí então já não interessa
mais a Corte, passa a ser um instrumento popular, de gente pobre, “sem
cultura”. Porque para o colonizador, cultura é só o que ele traz, os que estão
aqui não sabem o que é cultura, não têm cultura. E ela sempre esteve então com
o povo pobre.
A viola teve seu período forte que foi com a música
caipira. Mesmo nos anos 80, época da Madonna e Michael Jackson, a juventude da
época comprava música caipira, vendia tanto quando Roberto Carlos. Mas era
escondido, porque continuava sendo coisa de gente “sem cultura”. O que estamos
buscando é esse novo olhar para a viola, olhar para sua importância histórica e
cultural no Brasil.
A viola é um universo à parte dentro da música, não
só pela beleza de sonoridade que tem, mas por este aspecto histórico, de que o
instrumento ajudou na construção cultural do Brasil. A viola acompanhou o
processo todo, e ela interferiu nesse processo.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?E o violeiro, o que tem o violeiro?
Pereira da Viola - O violeiro, de alguma forma, carrega a história do
país no bojo da viola e, por consequência, na memória. Todo violeiro,
principalmente os tradicionais, carrega essa memória. A tradição, não essa
tradição pela tradição, mas os aspectos culturais que fazem parte de um alinhamento,
de um costuramento na junção principalmente das três etnias, do índio, o negro
e o branco. É essa formação que o violeiro carrega, principalmente os violeiros
populares. Isso é de uma importância muito grande para a manutenção da
identidade brasileira.
Sempre fiz questão de fazer uma parceria com o MST
porque acho que no movimento eu tenho essa resposta ideológica sobre o que tem
no instrumento, essa história. Temos casos e mais casos de violeiros que
passaram por situações difíceis, enfrentaram sistemas dentro do seu local,
sempre falando de injustiças, das coisas que oprimem o povo. O violeiro, de
alguma forma, tem isso na sua essência. E a ideia era e continua sendo essa, de
estar caminhando junto com um lado da sociedade que está fazendo um Brasil diferente,
que está ligado a um processo de humanidade, que vai contra as injustiças.
Hoje, do meu ponto de vista, falar de arte esquecendo da problemática humana
não tem sentido mais.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?A arte desligada deste viés, você ainda vê como
arte?
Pereira da Viola - Vejo, ainda vejo com arte. Por si só, ela se
sustenta. No caso da música, que é uma coisa abstrata, não há explicação para
determinados eventos que muitas vezes acontecem na vida de pessoas que tenham
acesso a sua música, independente de classe social ou a forma de ver o mundo.
Ela se sensibiliza, capta imagens e visualiza coisas a partir de uma melodia,
de um texto bem costurado. Isso, por si só se sustenta. Não tenho dúvidas.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?E o que é dar sentido à arte, para você?
Pereira da Viola - Todas as artes feitas como expressão de um
sentimento interior do indivíduo se sustentam, não precisa de nada para
existir. O que proponho é que o indivíduo que faz a arte, o artista, ele
coloque essa arte a serviço de algo. De alguma forma, a arte tá batendo contra
o tempo, contra a tônica, ela vai bater contra o óbvio. Ela já é revolucionária
pela sua existência. Mas o artista, ele pode ser mais feliz fazendo essa arte
libertadora, que questiona, mas também que dá alento, que dá colo, que dá
estrutura. No meu caso, eu prefiro estar ligado aos movimentos sociais. Onde
tem gente sofrendo opressão, fome, eu me sinto melhor quando ajudo dentro deste
setor.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?Como você vê a política no campo da cultura no
Brasil nos dias de hoje?
Pereira da Viola - Tivemos um avanço muito grande, a partir das
políticas estabelecidas pelos ministros Gil e Juca, a gente teve uma
movimentação muito grande no país, uma mudança de percepção e de como lidar com
a cultura. Principalmente no campo da cultura popular, esta feita nas bases.
Isso passou a ter valor, não só o valor de gueto, passou a ter uma perspectiva
diferente.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?Como você vê os programas de leis de incentivo à
cultura?
Pereira da Viola - As leis de incentivo, pra mim, já estão velhas. Foi
uma forma que o governo encontrou, mas o que era para se apenas um incentivo,
se tornou uma condição pra se fazer arte. E a gente acaba tendo que lançar mão
disso pra poder fazer alguma coisa. Mas eu acho que o aspecto está atrasado,
foi bom, democratizou um pouco, mas o empresariado brasileiro continua longe
dessa realidade, sem se preocupar com isso, como não se preocupa com muitas
outras coisas. Ele ainda não entendeu o que é incentivo à cultura, o que é
investir em cultura. É importante que as pessoas entendam que não há um retorno
financeiro, e sim o retorno da possibilidade de termos uma sociedade mais
coerente culturalmente, que não seja tão desagregada com a sua cultura e com a
arte que a gente tem.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?Como está o cenário da viola hoje no país?
Pereira da Viola - Com esse processo dos encontros, que se
intensificou em Ribeirão Preto, começou um movimento de encontro de violeiros
no país todo. Teve alguns projetos importantes, como o Encontro das Cordas e o
Violeiros do Brasil. Isso tudo deu uma balançada na história da viola no
Brasil, a ponto de se criar uma especialidade do instrumento no curso de música
da USP.
Hoje, com esse novo olhar para o instrumento, do
processo histórico dele, tenho uma proposta que estou construindo há uns três
anos. É juntar a violeirada do país todo, num grande congresso nacional de
violeiros. O meu olhar é que, além de festas, feiras de discos e palcos, nós
aproveitamos para debater a questão do ensino da viola, como levar isso para as
escolas. Porque, ao levar a viola para a escola, estamos levando a história do
Brasil, que a viola carrega a história no seu bojo.
Brasil de Fato - O que te fez chegar até aqui, a ser
o Pereira da Viola?E os desafios?
Pereira da Viola - Uma das coisas que a gente briga é para que seja
natural a inserção da viola nos espaços de música, como festivais, que seja
destinado um espaço para a viola. Uma das coisas que tem sido luta nossa é que
tenham editais específicos para a viola. Eu proponho que constituamos o nome
Música de Viola, para depois criarmos um edital para isso. Primeiro temos que
adquirir este espaço, pra depois brigas por outros. O Samba tem seu lugar, a
MPB tem o seu e nós queremos também um lugar garantido para a Música de Viola.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/12125
27/02/2013