Órgão ambiental aponta atrasos e descumprimentos de
medidas de prevenção de impactos e de obrigações de compensação por danos
sofridos pela população afetada por Belo Monte, mas não adota sanções legais
contra empreendedor.
Verena Glass, da Repórter Brasil
![]() |
Região do Rio Xingu que será impactada por Belo Monte
Foto: Rodrigo Baleia/Folhapress
|
Mais caro projeto de infraestrutura do país em
andamento, a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), tem sido alvo, nos
últimos anos, de uma série de ações na Justiça em função dos problemas sociais
e ambientais da obra – levantamento do Movimento Xingu Vivo para Sempre,
sediado em Altamira (PA), aponta que tramitam atualmente 56 processos contra
Belo Monte.
Apesar dos problemas, porém, as ações de mitigação e compensação
dos impactos – as chamadas condicionantes e o Plano Básico Ambiental (PBA) –,
previstas no licenciamento ambiental, têm sido negligenciadas pelo Consórcio
Norte Energia, responsável pela usina.
Publicada na última semana, uma análise do IBAMA
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)
sobre o status do cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação e do
PBA de Belo Monte mostra um quadro grave de irregularidades na implantação
tanto das medidas antecipatórias (que deviam ter sido realizadas antes das
obras para evitar a ocorrência de impactos) quanto de mitigação (compensação de
danos sofridos).
De acordo com o documento do IBAMA, passados quase
três anos do leilão da obra, a Norte Energia ainda não concluiu o Cadastro
Socioeconômico (CSE) das famílias afetadas pelo empreendimento – não sabendo,
portanto, quantos e quem são os atingidos por Belo Monte –, não implantou os
aterros sanitários em Altamira e Vitória do Xingu, não fez as obras de
saneamento básico nesses municípios e nas comunidades afetadas por Belo Monte,
não construiu hospitais e não implantou equipamentos de saúde e educação, não
reassentou famílias de comunidades desapropriadas, não fez a recomposição das
atividades produtivas de áreas remanescentes, não terminou o sistema de
transposição de embarcações no local onde o barramento do Xingu impede a
navegação do rio, não informou a população como se dará esse processo, e não
implementou os projetos de recomposição da infraestrutura viária como previsto,
entre inúmeras outras irregularidades.
Grosso modo, apenas 9,7% das obrigações da Licença
de Instalação foram devidamente cumpridas, avalia o corpo de advogados do
Instituto Socioambiental (ISA), que tem monitorado o andamento das
condicionantes das licenças prévia e de instalação de Belo Monte desde o início
das obras. Muitas delas tiveram seus prazos renegociados e, de acordo com o
relatório do IBAMA, outras foram postergadas pela Norte Energia sem prévio
conhecimento ou concordância do órgão ambiental, o que é grave tendo em vista
as consequências sobre a população afetada.
![]() |
Norte Energia não completou cadastramento de ribeirinhos afetados
Foto: Verena Glass
|
Ou seja, como as condicionantes foram estipuladas
como medidas prévias às obras justamente para evitar impactos mais graves,
explica a advogada Biviany Garzón, do ISA, estender prazos deixa os afetados
pela usina numa situação de extrema vulnerabilidade. “O IBAMA deveria embargar
a obra até o cumprimento das condicionantes e do Plano Básico Ambiental. Não
terem cumprido as ações referentes ao saneamento, por exemplo, afeta
diretamente a saúde da população”, afirma a advogada.
Na área rural, as principais vítimas da negligência
são famílias que, desapropriadas, não foram reassentadas ou indenizadas
devidamente. Em um trecho do documento, os técnicos do Ibama chegam a
considerar a situação de uma das comunidades desapropriadas – Santo Antônio,
localizada no epicentro das obras do sítio Belo Monte – como “traumática”. “O
processo por que passa a comunidade da Vila Santo Antônio é traumático.
A
demora em proceder ao reassentamento deixa as famílias em meio a casas
demolidas, terrenos antes cuidados pelos antigos moradores que agora estão
tomados por mato, e trânsito de caminhões e pessoas estranhas à comunidade, que
tornam mais dolorida a mudança de vida nesta fase”.
De acordo com a Defensoria Pública de Altamira,
correm atualmente 67 ações contra a Norte Energia por problemas referentes a
Santo Antônio. Algumas famílias, explica a defensora Andréia Barreto, chegaram
a receber apenas R$ 3,1 mil pelas suas casas e terras, valor com o qual
claramente não puderam recompor a vida em outra localidade, sobretudo diante da
especulação imobiliária nos municípios afetados pela hidrelétrica.
![]() |
Seu Amadeu em meio a destroços de casa derrubada em Santo Antônio
Foto: Verena Glass
|
Já outros atingidos sequer foram reconhecidos como
tal. “É o caso do seu Amadeu. Um dos moradores mais antigos de Santo Antônio, o
pescador não tinha título de propriedade e a Norte Energia se negou a
indenizá-lo até que entramos com um processo. Ele finalmente foi incluído no
Plano de Atendimento à População Atingida e hoje vive de aluguel em uma casinha
paga pela empresa”, conta a defensora.
Segundo ela, foram impetradas sete ações
somente envolvendo casos de famílias agroextrativistas excluídas do Plano de Atendimento,
mas, no total, até dezembro de 2012 estavam correndo 20 processos por reparação
de danos a famílias ribeirinhas ajuizados pela Defensoria. A maioria pede
revisão dos valores pagos a título de indenização.
Responsabilidade do IBAMA
Procurado pela reportagem, o Ibama não quis
comentar os atrasos e não cumprimentos das condicionantes de Belo Monte.
Segundo a assessoria de imprensa, o órgão apenas “encaminhou ofício notificando
o empreendedor a resolver as pendências apontadas no parecer técnico 168/2012,
estabelecendo prazos para que sejam atendidas”, mas não estipulou nenhuma
penalidade à Norte Energia.
Além de não aplicar medidas cabíveis previstas por
lei, como o embargo das obras da usina, o IBAMA sinaliza que considera fato
consumado a instalação de outro projeto que deve multiplicar os impactos
socioambientais da região afetada por Belo Monte: a mineradora Belo Sun, que
pleiteia licença de lavra de ouro por 12 anos na Volta Grande do Xingu,
exatamente a região mais impactada pela usina.
No documento sobre as
condicionantes, o órgão recomenda à Norte Energia atenção “à influência que o
empreendimento de mineração da Belo Sun pode causar à região da Transassurini,
evitando que famílias que optem por carta de crédito adquiram suas novas propriedades
em área que possa ser diretamente afetada pela Belo Sun”. A mineradora está em
fase de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, mas já foi
alvo de duas recomendações contrárias por parte do Ministério Público Federal e
de um pedido de declaração de inviabilidade por parte do ISA.
Segundo o procurador do Ministério Publico Federal
no Pará, Ubiratan Cazetta, o MPF ainda está estudando o documento do IBAMA, mas
a princípio a conclusão cabível é que condicionantes e licenciamentos ambientais
têm sido tratados como mera formalidade pelo Consórcio Norte Energia e pelo
órgão ambiental, afirma o procurador. “Parece que temos dois mundos aqui: o
teórico, onde as condicionantes resolveriam todos os problemas da obra, e o
concreto, onde não se cumpre as condicionantes e, mesmo se cumprisse os
problemas persistiriam.”
Segundo Cazetta, o MPF pode responsabilizar e
requerer punição tanto ao empreendedor, que falha no cumprimento das
condicionantes, quanto ao IBAMA, que falha na fiscalização e autuação das
irregularidades. “A postura leniente do IBAMA não apenas enfraquece a
instituição da condicionante, como também deixa os afetados sem nenhuma defesa
em seus direitos”, afirma o procurador.
Procurada pela reportagem, a Norte Energia, através
de sua assessoria, comunicou que a diretoria da empresa está em planejamento e
incomunicável.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/11922
08/02/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário