Aleida
Guevara analisa a sociedade cubana e aponta os desafios do governo da ilha para
os próximos anos.
Nilton
Viana da Redação
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A médica Aleida Guevara. Foto: Cuba Solidarity Campaign |
Filha do guerrilheiro e revolucionário Ernesto Che
Guevara, pediatra e militante da revolução cubana. Aleida Guevara vive em
Havana desde seu nascimento em 1960, um ano após o trunfo da revolução que seu
pai ajudou a construir ao lado de Fidel Castro e outros guerrilheiros.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Aleida, que
esteve presente no ato de fundação do jornal, analisa o atual contexto de Cuba
no cenário latinoamericano e traça as perspectivas para o futuro.
Brasil de Fato – A América Latina passou por mudanças importantes – principalmente com a chegada de governantes progressistas, anti-imperialistas e de esquerda. Como você avalia o atual cenário latinoamericano em relação a Cuba?
Aleida Guevara - Para nossa grande pátria é um momento de esperança,
mas o melhor é que já se pode ver os sonhos tornando-se realidades, nossos
povos começam a sentir que se pode, começam a desfrutar, pela primeira vez em
nossa história, de seus próprios recursos naturais, com os quais se pode obter
reais benefícios na educação, na saúde, em moradia.
Pela primeira vez, vemos exércitos que costumavam
nos reprimir participando das novas construções e defendendo seu povo. Is-to
permite uma relação muito mais estreita entre nossos povos, onde os intercâmbios
econômicos e culturais aumentam diariamente e o povo cubano participa
ativamente em todo esse processo de união. Trabalhamos muito pela
solidariedade e recebemos muita solidariedade. Já não estamos ilhados, somos
parte integrante de um amanhecer, a Alternativa Bolivariana para as Américas
(Alba). Agora sim começamos a desfrutar da pátria grande.
Brasil de Fato – Nesses 10 anos, ocorreram algumas
mudanças em Cuba, como a saída de Fidel Castro e a chegada de Raul ao poder.
Como avalia essas mudanças?
Aleida Guevara - Não são mudanças, é a continuidade de um processo
revolucionário, que amadurece, cresce e se desenvolve. Po-demos dizer com
certeza que ainda há muito o que melhorar, mas podemos fazê-lo pela acumulação
de experiência, porque temos vencido milhares de enfrentamentos e vamos
buscando soluções para os problemas que temos.
Brasil de Fato – A reforma migratória acaba de
entrar em vigor em Cuba. Qual deve ser a importância dessa nova medida?
Aleida Guevara - Isto reflete o que eu disse anterior-mente, somos
mais fortes como sociedade, temos maior desenvolvimento na nossa segurança
interna, então podemos ser muito mais hospitaleiros com a nossa gente. É um
processo de amadurecimento que leva anos se aperfeiçoando, não são coisas
decididas em pouco tempo, levamos muitos anos buscando soluções, escutando o
sentimento de nosso povo, mas sem perder nem por um instante a consciência das
manipulações que o governo dos EUA realizam para tentar danificar nossa soberania,
é sem dúvidas um inimigo muito poderoso e não podemos nos descuidar. Por
outro lado, o governo cubano sempre foi criticado por não permitir que seus
cidadãos viajassem livremente, mas poucos conhecem os acordos migratórios que
nosso governo tem tentado negociar com os EUA.
Há anos lhes temos pedido que cumpram os 20 mil
vistos anuais prometidos e que so-mente nos últimos anos têm feito. Poucos
conhecem sobre a lei implementada por eles para receber ilegalmente cubanos em
seu território nacional, nós somos os únicos cidadãos deste planeta que se
chegamos ilegalmente à costa dos Estados Unidos somos recebidos como heróis e
está estabelecido por lei que temos direito a moradia, trabalho e algum
dinheiro e em um ano podemos optar pela cidadania estadunidense, tudo isso se
chegarmos ilegalmente a seu território. Pensem quantos mexicanos ou haitianos morreram
tentando fazer o mesmo.
Por que é diferente para os cubanos? Será pela
propaganda que desenvolvem contra nossa sociedade? De toda forma, seguimos em
frente, agora veremos quantos vistos receberemos, mas pessoalmente estou
contente, acho que essas medidas são boas para nosso povo.
Brasil de Fato – Qual é, a seu ver, o principal
legado de Che Guevara para a América Latina?
Aleida Guevara - Che é o arquétipo mais completo do novo homem, com
capacidade para amar, para lutar, para aprender, para viver com dignidade. Sua
própria vida se converte em seu melhor legado, mas pessoalmente me comove sua
capacidade para amar, só dessa forma se pode estar disposto a entregar sua
vida por outros homens e mulheres. Che representa a continuidade dos melhores
próceres de nossa América. Che é futuro.
Brasil de Fato – O que você acha do socialismo?
Devemos continuar insistindo na luta por uma sociedade socialista?
Aleida Guevara - Com certeza. Como podemos garantir uma educação
gratuita e em igualdade de condições para todo o povo? Como garantir saúde para
todos, como direito do ser humano? Como assegurar a alimentação do povo?
Somente podemos conseguir isso se somos donos do que produzimos, se nossas
terras são utilizadas como propriedade coletiva e não por poucos ou companhias
estrangeiras e se garantirmos reforma agrária, se o capital se emprega em
benefício social e não para o lucro de poucos. Enfi m, só atingiremos a
soberania e a prosperidade para nossos povos se construirmos uma sociedade de
direito com respeito a cada um de nossos homens, mulheres e crianças. E eu só conheço
isso em uma sociedade socialista.
Brasil de Fato – Como você vê o futuro de Cuba,
diante da difícil situação econômica?
Aleida Guevara - Com muito trabalho, com muito que aprender e muito
o que resolver, mas sempre melhorando e aperfeiçoando nossa sociedade
socialista, certamente seria muito útil se abolissem o bloqueio econômico
criminoso que os EUA nos impõem há mais de 50 anos.O futuro vem cheio de
tecnologia, já estamos desenvolvendo um polo científico que produz, ainda
nessas condições de bloqueio, medicamentos e vacinas que podem ajudar a
melhorar a vida de milhões de pessoas neste planeta, nosso futuro está cheio
de sorrisos, música e amor, porque assim somos, mas também há determinação,
valor e força.
Brasil de Fato – Como você avalia a gestão de
Obama, em relação a Cuba, sobretudo em comparação com os governos anteriores
(Clinton e Bush)?
Aleida Guevara - De Obama esperávamos muito mais, mas simplesmente
se tem comportado como mais um fantoche dos interesses econômicos das
transnacionais e da indústria armamentista de seu país, mas, todavia, não
perdemos as esperanças de que possa fazer algo útil para seu próprio povo em
relação à saúde, educação, moradia e sobretudo protegê-los da violência em que
vivem, mas a verdade é que acho isso muito difícil de ocorrer. O importante
para mim é que o povo dos Estados Unidos desperte de sua letargia e tome
consciência do poder que tem como povo e tome as rédeas, só então poderemos
falar de alguma mudança, enquanto isso não ocorrer, teremos o mesmo cachorro
com uma coleira diferente.
Brasil de Fato – O que você diria aos jovens da periferia urbana brasileira, que gostam do Che?
Brasil de Fato – O que você diria aos jovens da periferia urbana brasileira, que gostam do Che?
Aleida Guevara - O que eu digo a todos os jovens, estudem Che,
leiam-no, pratiquem-no, tragam-no junto a vocês para enfrentar sua realidade
cotidiana.
Brasil de Fato – E o que você diria aos jovens que
se formam em medicina, e que às vezes apenas pensam em ganhar dinheiro, para
“subir” na vida?
Aleida Guevara - Digo que se pensarem assim, nunca serão médicos.
Esta profissão, como a dos professores, é de entrega total e o único amo a quem
respondemos é o povo. Estar perto da dor e da alegria das pessoas te converte
em um ser humano melhor, se não é assim, melhor não ser médico.
Brasil de Fato – No Brasil, estamos completando uma
década de um governo progressista. Como você vê o cenário brasileiro?
Aleida Guevara - A verdade é que eu gostaria de ver uma reforma
agrária, gostaria que esse gigante latino-americano fi zesse parte da Alba,
gostaria que nenhum homem, mulher ou criança desse belo país passasse fome ou
alguma necessidade, pois não posso entender como com tanta riqueza exista uma
única pessoa passando necessidades. Creio que podem fazer muito mais e não só
o governo, mas vocês mesmos, como massa humana, com força suficiente para
defender seus direitos. Creio nos movimentos sociais como o MST, porque eles
mostram que “sim, se pode” e tornam o sonho realidade.
Há algum tempo visitei uma das maiores minas de
ferro do mundo e fiquei muito impressionada, está na Amazônía brasileira e para
tirar o ferro têm cortado milhares de árvores ancestrais, por favor, amigos,
tenham cuidado! O homem pode viver sem ferro, mas não pode viver sem oxigênio,
defendam o futuro da nossa espécie.
Brasil de Fato – A chamada grande mídia tem se
posicionado cada vez mais como um verdadeiro partido político das elites. Como
você analisa a imprensa?
Aleida Guevara - A imprensa é muito importante, tem a
responsabilidade de alertar as pessoas sobre tudo o que acontece em nosso
entorno, mas quando essa imprensa se converte em papagaio repetidor de notícias
e sequer toma o trabalho de investigá-las, essa imprensa se converte em uma
grande máquina de desinformação e isso é muito perigoso e danoso, pois pode
impedir que as pessoas reajam a tempo contra algo perigoso ou injusto.
Brasil de Fato – Você esteve no lançamento do nosso
jornal Brasil de Fato, em janeiro de 2003. Agora, estamos completando 10 anos.
Qual a importância de um veículo como este e qual o papel da mídia
alternativa/popular para os povos?
Aleida Guevara - O povo necessita sentir que tem voz, que é escutado
e defendido. É esse o pa-pel tão importante que têm os meios alternativos.
Feliz aniversário. E que tenham muitos anos, mas sempre a serviço dos que
sabem amar.
Aleida Guevara March é filha do revolucionário
Ernesto “Che” Guevara, médica pediatra. Trabalhou como médica em Angola,
Equador e Nicarágua. Mora atualmente em Cuba e é militante do Partido Comunista
Cubano.
23/01/2013
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