Vitor
Nuzzi, Rede Brasil Atual
A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo quer
descobrir outros “Boilesen”, ou seja, empresários que tenham colaborado com
órgãos de repressão durante a ditadura (1964-1985). Documentos divulgados nesta
segunda-feira (18), durante audiência pública na Assembleia Legislativa, podem
ajudar na investigação.
O dinamarquês Henning Boilesen foi tema de documentário
lançado em 2009 por Chaim Litewski, que mostrava a trajetória do então
presidente da Ultragaz, morto em 1971 devido à sua colaboração com a ditadura.
Os documentos realimentam suspeitas sobre a participação do setor privado e
também do consulado dos Estados Unidos em São Paulo.
“A oposição à ditadura sempre disse que havia
beneficiamento e ligação de empresários com a repressão. Não estamos falando de
financiamento, queremos saber qual foi a participação deles”, afirmou o
presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
(Condepe) e diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, Ivan Seixas.
Na audiência pública, que excedeu a capacidade de 350 pessoas do auditório,
foram exibidos registros de entrada e saída, nos anos 1970, de autoridades e
visitantes no prédio do Dops, na região central, que hoje abriga o Memorial da
Resistência. Ali aparece uma pessoa com frequência constante, Geraldo Rezende
(ou Resende) de Matos, identificando-se como “Fiesp”, e do diplomata Claris
Halliwell, apontado como cônsul estadunidense no Brasil nos quatro primeiros
anos daquela década.
Dos trechos de filmes exibidos no início da
audiência, houve destaque justamente para Cidadão Boilesen, que traz
depoimentos de agentes da ditadura e militantes, atestando a colaboração de
empresários para manter as atividades de repressão. “Muita gente participava”,
diz, por exemplo, o coronel Erasmo Dias. O empresário José Mindlin, que não
participou do esquema, declara ter sido procurado por Boilesen para ajudar “a
salvar a sociedade dos perigos da agitação de esquerda”.
Fiesp e consulado não mandaram representantes. Os
depoimentos foram dados por trabalhadores perseguidos durante a ditadura. A
Oposição Metalúrgica de São Paulo, que organiza o Projeto Memória, apresentou
fichas de operários encaminhadas por empresas ao arquivo do Dops, por serem
“grevistas” e/ou “agitadores”, além de cópia de um carta de uma companhia que
pedia a um delegado do Dops registros de antecedentes de seus próprios
funcionários.
“Sempre trabalhamos com a ideia de que Oban
(militares) não falava com Dops (civis). Grossa mentira. Eles não só se
entendiam, como se entendiam muito. O que descobrir é qual era essa relação”,
diz Ivan Seixas.
“Não é da rotina diplomática visitar um aparato repressivo”,
afirma a Comissão da Verdade, lembrando que as visitas de Halliwell ao Dops
eram rotineiras, e não poucas vezes em horários incomuns – entrada no final da
tarde e saída no dia seguinte. O estadunidense, que do Brasil seguiria para o
Chile, morreu em 2006. "Queremos saber por qual razão ele ia tanto ao
Dops", afirma o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da comissão.
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Entre as centenas de pessoas que foram à audiência, estavam militantes e
ativistas históricos - Foto: Roberto Navarro/Alesp
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Todos os documentos foram encontrados no Arquivo
Público do Estado. O diretor do órgão, Lauro Ávila Pereira, informou que “não
por acaso” em 1º de abril, à tarde, haverá uma cerimônia de lançamento de 850
mil imagens do Dops na internet. Pela manhã, a Comissão Nacional da Verdade
estará reunida em São Paulo, no mesmo local.
“A perseguição aos companheiros era sistemática,
não importando sua competência profissional”, afirmou Waldemar Rossi, da
Oposição Metalúrgica. Ele mesmo sofreu 18 demissões em um período de 25 anos.
Também não foi autorizado a ver o papa, em 1980, por ser considerado um
“comunista contumaz”, conforme lembra. “Havia ligação direta dos empresários
com o Dops, com o Doi-Codi”, declarou Rossi.
Para o deputado estadual José Zico, a colaboração
entre empresários e militares era “evidente”. Trabalhador rural que se tornou
metalúrgico em São Paulo, ele relatou que enfrentou “uma série de desempregos
sucessivos” por causa de sua militância. “Entre nós, era comum ficar todo mundo
desempregado.”
Entre as centenas de pessoas que foram à audiência,
estavam militantes e ativistas históricos, como Clara Charf, Bernardo Kucinski
e Margarida Genevois, além do advogado Aton Ton Filho e o procurador da República
Marlon Weichert.
Durante seu depoimento, Waldemar Rossi fez uma homenagem ao
jornalista Dermi Azevedo, cujo filho mais velho, Carlos Alexandre, suicidou-se
na madrugada de ontem. Com apenas um ano e oito meses de vida, ele foi preso e
torturado, em 1974. “Dermi estava preso comigo, na mesma cela”, recordou.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12028
19/02/2013
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