Por Daniel Galiléia | EFE
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A escassez, não só de água, mas também de
desenvolvimento econômico, poderia deixar de ser um dos símbolos históricos de
identidade do continente africano se um de seus grandes recursos naturais
ocultos, e recém-descobertos, fosse aproveitado: os vastos aquíferos
subterrâneos, que estão sendo mapeados.
Segundo um cálculo de volume dos
aquíferos, realizado por um grupo de pesquisadores coordenado pelo hidrogeólogo
Alan MacDonald, do Serviço Geológico Britânico (BGS, na sigla em inglês) e
publicado na revista científica "Environmental Research Letters", sob
as areias e terras africanas, jazem mais de 500 mil quilômetros cúbicos de
água.
Os especialistas do BGS, junto com pesquisadores da Universidade College
London (UCL) mapearam detalhadamente a quantidade e o rendimento potencial
deste recurso subterrâneo em todo o continente africano.
Da análise dos mapas
hidrogeológicos atuais dos governos nacionais e de 283 estudos dos aquíferos,
deduziram que vários países atualmente com escassez hidráulica têm uma reserva
considerável de água subterrânea.
Segundo a hidrogeóloga Helen Bonsor, da BGS e
uma das autoras do estudo, "o maior armazenamento de água subterrânea se
encontra no norte da África, nas grandes bacias sedimentares de Líbia, Argélia
e Chade. A quantidade de armazenamento nessas bacias é equivalente a uma
espessura de 75 metros de água, que é uma quantidade enorme".
Além disso,
os hidrogeólogos britânicos detectaram a presença de grandes reservas no
litoral de Mauritânia, Senegal, Gâmbia e parte da Guiné-Bissau, assim como no
Congo e na zona limítrofe entre Zâmbia, Angola, Namíbia e Botsuana.
De acordo
com o BGS, os aquíferos africanos se encheram de água pela última vez há mais
de 5 mil anos e, através dos séculos, se estenderam pela vasta área do Deserto
do Saara. Nessa época, o Saara era um enorme pomar, com lagos e vegetação de
savana, mas se transformou no maior deserto cálido do planeta há 2.700 anos
após um lento processo de desertificação.
Se estes recursos hídricos - equivalentes a 100
vezes a quantidade superficial de todo o continente - fossem aproveitados
racionalmente, aliviar-se-ia um dos grandes problemas da África, onde
habitualmente falta água para 40 % da população e, em 2011, houve a pior seca
em 60 anos.
Segundo relatório das Nações Unidas, a escassez de chuvas afetou
neste ano mais de 10 milhões de pessoas no Chifre da África (África oriental)
causando uma grave crise alimentícia e o aumento dos índices de desnutrição em grandes
áreas de Somália, Etiópia, Djibuti e Quênia.
Além das mortes a que a cada ano a
África assiste aos milhares devido a mazelas relacionadas à falta de água
potável e de higiene e saneamentos adequados, a seca e a sede nas zonas rurais
e urbanas têm um impacto devastador na vida da população, especialmente a
feminina.
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HIDRATAÇÃO, "INIMIGA" DA EDUCAÇÃO
Em muitas regiões, os africanos precisam andar a pé vários quilômetros por dia carregando potes e garrafas de plástico para pegar água e, caso bebam o líquido sem fervê-lo, adoecem. Devido a essa tarefa, muitas meninas não podem ir à escola e muitas mulheres não podem ter atividades que lhes garantiriam renda ou ficar mais tempo com os filhos.
Segundo organizadores da Década Internacional
para a Ação "A água, fonte de vida", 2005-2015', a falta de acesso à
água limpa significa várias horas desperdiçadas por dia em sua busca e
estima-se que se percam 443 milhões de dias letivos, especialmente as meninas,
já que em muitos países subsaarianos as mulheres se encarregam do
abastecimento, diz o relatório.
Na opinião de Alan MacDonald, as grandes bolsas
de líquido descobertas no subsolo "poderia aliviar a situação de mais de
300 milhões de africanos que não têm água potável e melhorar a produtividade
dos cultivos".
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De acordo com o BGS, em muitas regiões áridas e
semi-áridas da África é possível extrair água para abastecer o povo mediante
poços artesanais, salvo em alguns países do norte como a Líbia, onde os
aquíferos jazem a partir dos 250 metros, e faria falta empregar uma
infraestrutura mais cara e complexa.
"Em áreas onde os aquíferos estão a
menos de 20 metros de profundidade, se podem construir poços equipado com
bombas de mão situadas nas partes mais produtivas do aquífero. Na África há
qualificados ++hidrogeólogos++ que podem supervisionar o processo",
explicou o doutor MacDonald.
OS RISCOS DA EXTRAÇÃO
Mas a extração tem seus riscos. Grande parte das
reservas é de "águas fósseis" que estão lá há muito tempo e, se forem
extraídas, talvez não voltem a encher de novo. Além disso, a água subterrânea
mantém a umidade da terra que sobre ela e está relacionada a lagos, rios,
pântanos e pantanais.
Se for retirada de forma impensada, os terrenos
superficiais podem secar segundo especialistas de Ecologistas em Ação. Para
MacDonald, em alguns locais a reposição de água dos aquíferos está garantida,
mas no Saara, onde chove muito pouco, a contribuição pluvial não bastaria para
mantê-los.
"Na maior parte da África as precipitações não bastam para
encher os aquíferos, por isso não seria recomendável extrair mais água do que a
que se repõe todo ano com a chuva", argumentou o hidrogeólogo.
"Se
forem escavados poços com bombas manuais, o risco de que os aquíferos sequem na
maioria das áreas mais povoadas da África é baixo, mas se forem perfurados
poços para extrair grande quantidade de água para uso em regadios, existe o
risco de que se esgotem", advertiu MacDonald.
Os cientistas são cautelosos
sobre como acessar esses recursos ocultos e sustentam que as perfurações em
grande escala talvez não sejam a melhor forma de aumentar o abastecimento de
água.
Segundo Bonsor, os meios de extração lentos - basicamente poços de
perfuração superficiais em locais apropriados para provisão rural de água e
bombas de mão - podem ser os mais eficientes e "nosso trabalho demonstra
que, com prospecção e construção cuidadosas, há água subterrânea suficiente na
África para concentrar-se em perfuração superficial e com isso suprir a
demanda".
Na Namíbia, onde as 800 mil pessoas que vivem no norte dependem
de um canal pelo qual a água potável chega do outro lado da fronteira com a
Angola, foi identificado um novo aquífero chamado Ohangwena II, que flui sob o
limite entre os dois países.
"É uma massa de água substancial que, no lado
namibiano da fronteira, cobre uma área de aproximadamente 70 por 40
quilômetros", segundo o diretor do projeto, Martin Quinger, do
Instituto Federal Alemão de Geociências e Recursos Naturais (BGR), que trabalha
com o país africano para obter um abastecimento hídrico sustentável.
Segundo
Quinger, "a quantidade de água armazenada igualaria a provisão atual
durante 400 anos no norte da Namíbia, onde vivem 40% da população nacional, e
poderia atuar como uma armazenagem natural para até 15 anos de seca".
De
acordo com o BGR, a pressão natural que está sobre a água indica que o recurso
é fácil e de extração barata, embora seja preciso cumprir uma série
recomendações técnicas, já que está debaixo de outro aquífero salgado menor,
que poderia contaminá-la.
"Se a água passou 10 mil anos debaixo da terra,
significa que foi recarregada em uma época em que a poluição ambiental ainda
não era um problema, de modo que, em média, pode ser muito melhor para beber
que a água que se filtra em ciclos de meses ou anos", assinalou Quinger.
O
estudo do BGS sobre as bacias subterrâneas de água lembra que na África a
demanda de água "está destinada a crescer consideravelmente nas próximas
décadas devido ao crescimento demográfico e à necessidade de irrigação para a
plantação".
A encruzilhada em que o continente está se reflete em dois
dados: segundo a organização Perspectivas Econômicas na África (AEO), a
economia africana poderia crescer 4,5% em 2012 e 4,8% em 2013, mas segundo
outro relatório divulgado em Doha na Cúpula da ONU de Mudança Climática, "a
disponibilidade de água nos países do norte da África será reduzida à metade em
2050 devido ao aumento de população".
Fonte:http://br.noticias.yahoo.com/%C3%A1frica--repouso-sobre-um-mar-de-%C3%A1gua-doce-32557070.html?page=all
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