“O uso da
internet significa a apropriação e uso de tecnologias que afirmam a
visibilidade do jovem de origem popular”, afirma Jorge Luiz Barbosa, professor
da Universidade Federal Fluminense e coordenador geral do Observatório de
Favelas.
Uma pesquisa realizada em cinco favelas do Rio
Janeiro – Rocinha, Cidade de Deus, Manguinhos e os complexos do Alemão e da
Penha – apontou que 90% dos jovens dessas comunidades acessam a internet de
seus computadores pessoais. Para o levantamento, foram entrevistados 2 mil
jovens, e o estudo foi realizado em parceria pela Secretaria Estadual de
Cultura, juntamente com a ONG Observatório de Favelas.
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90% dos jovens das comunidades pesquisadas no Rio acessam a
internet de seus computadores - Foto: Reprodução/Infomaníaco
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“Na rua o jovem de favela é apenas 'um jovem da
favela', não é um cidadão. Não possui sua cidadania reconhecida, seu corpo
abrigado e sua vida respeitada. Agora no seu Facebook ele se mostra, fala de
si, identifica suas preferências, afirma seus gostos, enuncia seus conflitos,
tudo isso porque não se sente só. Entra em contato com jovens parecidos com ele
e diferentes dele”, destaca o professor e pesquisador em entrevista concedida à
IHU On-Line por e-mail.
Jorge Luiz Barbosa é graduado e fez mestrado em
Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fez doutorado na Universidade
de São Paulo e pós-doutorado em Geografia Humana pela Universidade de Barcelona
– Espanha.
Confira a entrevista.
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Jorge Luiz Barbosa |
IHU On-Line – Que mudanças são sinalizadas pela
adoção dos usuários de baixa renda à rede, sobretudo com o componente de que
acessam a partir de seus computadores? As lan houses passam a ocupar um papel
secundário na inclusão social?
Jorge Luiz Barbosa – O uso da internet significa a
apropriação e uso de tecnologias que afirmam a visibilidade do jovem de origem
popular, geralmente estigmatizado e desconhecido na cidade. Esse processo
significa, por outro lado, uma possibilidade formidável de ampliação de sua
experiência de tempo/espaço, uma vez que sua mobilidade urbana é reduzida e
constrangida por situações econômicas, sociais e raciais. As lan houses fizeram
e ainda fazem parte deste processo de afirmação do jovem em territorialidades
virtuais. Porém, cada vez mais os jovens (com a ajuda de suas famílias)
conseguem ter seu próprio computador e por isso ganham, além de um bem distintivo,
um dispositivo de informação e comunicação mais pessoal. Assim, as lan houses
tendem a perder o público que anteriormente tinham e precisarão se reconverter
em pequenas empresas de prestação de serviço de internet para continuar atuando
no mesmo segmento técnico-econômico nas favelas.
Como podemos compreender a invisibilidade do
cidadão nas ruas e seu sentimento de pertença na internet? De que maneira a
tecnologia redefine o relacionamento social entre as classes?
Jorge Luiz Barbosa – Na rua o jovem de favela é apenas “um jovem da
favela”, não é um cidadão. Não possui sua cidadania reconhecida, seu corpo
abrigado e sua vida respeitada. Agora no seu Facebook ele se mostra, fala de
si, identifica suas preferências, afirma seus gostos, enuncia seus conflitos,
tudo isso porque não se sente só. Entra em contato com jovens parecidos com ele
e diferentes dele. Há, portanto, a criação de pertenças. Pertenças que não são
virtuais, pois eles se comunicam com signos e significados que lhes são comuns,
a referência da rede de conversações é o vivido, é cultura compartilhada, é o
território habitado por eles. A tecnologia não redefine relações, mas os
sujeitos que se apropriam e fazem uso dela como dispositivo de autonomia de
construção e afirmação de suas identidades. Acredito que isso poderá aproximar
jovens de distintas classes sociais, bairros e favelas. Sendo uma das mediações
importantes para a construção de uma cidade una e plural.
O que isso representa em termos de imaginário da
cidade?
Jorge Luiz Barbosa – Significa uma revolução no imaginário urbano. Os
jovens de espaços populares constroem seu repertório simbólico, a partir da
navegação na rede, ao baixar músicas, filmes e fotos elaboram um acervo
próprio. Experiência que era impossível para seus pais. Isso é uma nova
história pessoal e coletiva se fazendo no contemporâneo. É importante destacar
que os acervos são feitos de trocas, de postagens, downloads e uploads. Isto é,
há circulação cada vez mais intensa de imagens sonoras e visuais. E, como a
nossa pesquisa demonstrou, essas trocas não acontecem apenas no mundo virtual.
Os jovens das favelas fazem uma passagem rápida do virtual para o corpóreo,
pois suas trocas se concretizam no presencial: na rua, na praça, nos bailes, no
churrasco na laje. Ou seja, é nos espaços comuns que celebram o encontro, vivem
a presença do outro, constroem identidades. É nesse momento que cantam, dançam,
contam e, portanto, vivenciam seus acervos. Essa “comunidade de sentido” é a
nova geografia do imaginário da cidade.
Que perspectivas se delineiam para o diálogo das
diferenças na sociedade com esse empoderamento digital de pessoas que moram nas
favelas?
Jorge Luiz Barbosa – Os jovens de espaços populares criam estilos, por
exemplo, o passinho do menor. Os garotos criam palcos em becos e escadarias,
inventam seus passos na musicalidade do funk e do charme, gravam vídeos e
postam no YouTube. Nos dias seguintes outros jovens de favelas estão assistindo
e criando seus passos. Esta circularidade alcança os jovens dos condomínios e
coberturas dos bairros de classe média alta. Logo mais estes mesmos jovens
distantes estarão dando seus passinhos nos seus salões de festas. Estamos
diante da possibilidade do diálogo de diferenças e de diferentes (e de
desiguais). O destaque deste fenômeno estético-cultural é o território que é a
centralidade de sua criação, é o corpo de sua expressão, é a marcação simbólica
de sua origem. Podemos chamar isso de empoderamento? Penso que sim. Mas não de
um empoderamento digital, pois este é apenas um dispositivo, mas sim de
imaginário corporificado nas práticas dos jovens das favelas.
Em que sentido tecnologias como as fotos tiradas
por celulares ajudam a construir uma memória antes não disponível?
Jorge Luiz Barbosa – É este o acervo de representações que são feitas
pelos próprios jovens. São evocações de si, do outro e do mundo que vêm sendo
construídas de forma mais ou menos autônoma. Poder representar a si mesmo,
superando representações estereotipadas de distantes, é um exercício de
democracia, além de construir a própria memória social e não simplesmente
recebê-la pronta.
Os computadores com acesso à internet ocupam o
espaço que era da televisão? Como compreender que algumas casas não tenham
geladeira, mas tenham computador?
Jorge Luiz Barbosa – Nossa sociedade vive de bens distintivos. É partir
deles, e com eles, que somos considerados e respeitados. Infelizmente é essa a
marca hegemônica de nossa sociedade. Por outro lado, o consumo se tornou um
campo de disputa de imaginário. Só os mais pobres das favelas não possuem
televisão. E só os mais pobres entre os mais pobres não possuem geladeira. O
computador tem o seu próprio significado e espaço nas famílias das favelas,
inclusive de manter seus filhos dentro de casa e longe das situações de
conflitos armados entre facções criminosas e entre estas e a polícia.
O que a exposição de imagens revela sobre a
individualidade do sujeito? Há, de alguma forma, uma espécie de busca por uma
identidade/comportamento mais parecido com o a classe média?
Jorge Luiz Barbosa – Acredito que há um movimento de individuação dos
jovens de espaços populares. Mostrar quem é, o que sonha e o que quer. É a
construção do sujeito olhando para o futuro. A identidade precisa ter essa
relação com futuro, com o devir. Se não se ossifica, se banaliza. As
entrevistas demonstram que os jovens estão traduzindo suas identidades com sua
vivência em seus territórios de morada. Suas perspectivas possuem essa relação
com o território; com seus conflitos e contradições. Daí, não acredito que se
assemelhem às expectativas limitadas da classe média. Os jovens de favelas precisam
querer muito mais do que ser um consumidor.
Que papel as mulheres ocupam neste espaço virtual?
Há diferenças no comportamento, nos usos ou, até mesmo, no acesso?
Jorge Luiz Barbosa – Essas questões serão desdobradas nas análises das
informações obtidas com as jovens entrevistadas. Nossa pesquisa também se fez
com recortes sociais e territoriais específicos. Há questões de gênero e de
gênero/raça que serão desveladas em breve.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12074
22/02/2013
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