Para o
jornalista e escritor Fernando Morais, uma das maiores conquistas da Revolução
Bolivariana comandada por Chávez foi o alto nível de consciência política
adquirida pelo povo da Venezuela.
Nilton
Viana,da Redação
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O jornalista e escritor Fernando Morais Foto: Divulgação |
“Se você olhar o mapa da América Latina de duas,
três décadas atrás, verá que o continente estava coalhado de ditaduras e
governos alinhados automaticamente com os interesses dos Estados Unidos”. Hoje
é o oposto.
Assim o jornalista e escritor Fernando Morais vê o atual cenário
da América Latina. E, segundo ele, não se trata de uma visão retórica, mas
muito concreta. Para isto, cita como exemplos o sepultamento da Alca e a
reação do Mercosul ao golpe que depôs o presidente Lugo, no Paraguai.
Nesta entrevista, Fernando Morais, que participou
do processo de criação do Brasil de Fato, afirma estar tranquilo com o
processo venezuelano. Para ele, que é amigo pessoal do presidente Hugo Chávez,
a Revolução Bolivariana é eterna. Sobre o Brasil, Morais avalia que os dez
anos de governos Lula/Dilma foram positivos.
“Se tivesse que votar no Lula ou
na Dilma de novo, faria isso de olhos fechados”, afirma. Para ele, salvo as exceções,
a mídia brasileira já é um partido político de direita, e o Brasil de Fato
funciona como um respiradouro que nos salva da asfixia produzida pela grande
imprensa.
Veja a entrevista abaixo:
Brasil de Fato – A América Latina passou por uma
mudança nesses últimos 10 anos, com a chegada de forças progressistas aos
governos. Qual sua opinião sobre esse processo e sobre a continuidade dele?
Fernando Morais – Se você olhar o mapa da América
Latina de duas, três décadas atrás, verá que o continente estava coalhado de
ditaduras e governos alinhados automaticamente com os interesses dos Estados
Unidos. Hoje é o oposto. À exceção do Chile, do Paraguai (este vítima de um
golpe de Estado) e de mais um ou outro caso, como o da Colômbia, temos
governantes progressistas à frente de todos os países. Alguns deles, como Pepe
Mújica, no Uruguai, e Mauricio Funes, de El Salvador, egressos da luta armada.
Não se trata de uma visão retórica, mas muito concreta. Os melhores exemplos
disto foram o sepultamento da Área de Livre Comércio da Américas (Alca) e a
reação do Mercosul ao golpe que depôs o presidente Lugo, no Paraguai. É sobre
esse cimento que está sendo construída a unidade que vai garantir a
continuidade desse processo.
Brasil de Fato – Como você vê a questão da
Venezuela, em particular, com o agravamento da doença do presidente Hugo
Chávez?
Fernando Morais – Não me abate qualquer preocupação
com o futuro da Venezuela. Uma das maiores conquistas da Revolução Bolivariana
comandada por Chávez foi o alto nível de consciência política adquirida pelo
povo da Venezuela – sobretudo os mais pobres, que são a ampla maioria da
população. Isto a grande imprensa brasileira não publica. Como não publicou uma
sílaba sobre dados divulgados recentemente por organismos internacionais
revelando que a Venezuela é o país que detém os mais baixos índices de
desigualdade social do continente. Minha tristeza com o que ocorre com o
presidente Chávez é também pessoal. Tenho muita honra em ser amigo dele. Aqui,
ao lado da minha mesa, tenho um taco de beisebol autografado por ele para mim:
“Para Fernando Morais, bateador de jonrones de la unidad latino-americana, Hugo
Chávez”. Quis saber o que significava, na linguagem do beisebol, “bateador de
jonrones”, e ele me respondeu que era algo como um “centroavante matador” no
futebol. Como todos nós, Chávez é um mortal. Mas a Revolução Bolivariana é
eterna.
Brasil de Fato – Quais são as principais mudanças
ocorridas em Cuba nesses últimos dez anos e qual sua opinião sobre o futuro da
revolução cubana?
Fernando Morais – O radicalismo da Revolução
Cubana, em seus primeiros anos, sobretudo, só encontra paralelo, acredito, na
Revolução Russa de 1917. Na área econômica o processo começou com a estatização
do sistema bancário e a “expropriação forçada” de quase mil indústrias, entre
as quais se encontravam cem usinas de açúcar e algumas gigantes como a fábrica
de rum Bacardi e a norte-americana DuPont Chemical. E terminou estatizando até
carrinhos de pipoca. Manicures, barbeiros, engraxates e taxistas passaram a ser
funcionários do Estado. Nos últimos anos o presidente Raúl Castro vem adotando
medidas para corrigir esses erros. Antes tarde do que nunca. E desde o começo
do mês de janeiro acabaram-se as restrições para que cubanos viagem ao
exterior, outra medida acertada. O próprio Fidel declarou, anos atrás, que a
Revolução tinha que ser “obra voluntária de um povo livre”, já apontando para o
fim dos obstáculos às saídas do país. A essas mudanças vai se somar um grande
surto de crescimento econômico decorrente da ampliação do porto de Mariel,
perto de Havana – ampliação financiada pelo BNDES. Por sua privilegiada posição
geográfica, Mariel se converterá num gigantesco e bem situado hub, um centro de
transportes intermodais. Conheço empresários brasileiros interessados em comprar,
arrendar ou alugar terrenos nas imediações de Mariel para instalar grandes
armazéns de storage que atenderão o movimento do porto. A dimensão desse boom
econômico, no entanto, vai depender do fim do bloqueio imposto pelos EUA a Cuba
há meio século. Quem sabe o presidente Obama, que não pode se candidatar à
reeleição e, portanto, não precisa mais beijar o anel dos barões da poderosa e
influente comunidade cubana na Flórida, ponha fim ao bloqueio. Afinal, ele
ganhou o Nobel da Paz e já está na hora de fazer jus ao prêmio.
Brasil de Fato – E a questão dos 5 cubanos. Como a
sociedade brasileira e os povos devem agir para que estes heróis cubanos,
presos e condenados injustamente pelos EUA, sejam libertados?
Fernando Morais – Renomados juristas europeus e
norte-americanos afirmam que a condenação dos cubanos é um erro judiciário
comparável ao que levou os anarquistas italianos Nicola Sacco e Bartolomeo
Vanzetti à cadeira elétrica nos Estados Unidos nos anos 1920. Até o
ex-presidente Jimmy Carter já sugeriu ao presidente Obama que os indultasse. Mas
enquanto a máfia cubana de Miami tiver poder – dinheiro e eleitores – para
eleger deputados, senadores e até presidentes, esse perdão me parece muito
remoto. Hoje há cerca de quinhentos comitês pró-libertação dos 5 espalhados por
todo o planeta. Oito deles são dirigidos por prefeitos de cidades do interior
dos EUA. Os nomes mais expressivos da esquerda de Hollywood – Sean
Penn, Danny Glover, Saul Landau, Oliver Stone, Benicio del Toro, entre outros–
participam de atos a favor da libertação. Mais dia, menos dia eles estarão
tomando um mojito nas ruas de Havana, tenho certeza.
Brasil de Fato – No Brasil, também estamos
completando uma década de governo progressista, de esquerda. Qual a sua
avaliação deste período? Quais os principais avanços?
Fernando Morais – A minha avaliação é muito positiva.
Se tivesse que votar no Lula ou na Dilma de novo, faria isso de olhos fechados.
A inclusão social de dezenas de milhões de brasileiros, em si, já justificaria
um governo. Mas a isso se soma a democratização do acesso às universidades,
através do Prouni, as políticas de cotas raciais... E, claro, é preciso
ressaltar que durante o período o Brasil teve a mais independente e soberana
política externa de toda sua história. Como bem disse Chico Buarque, o Brasil
parou de falar fino com os Estados Unidos e falar grosso com a Bolívia. Não
podemos nos esquecer de que a morte da Alca começou com a recusa do Brasil de
Lula a entrar nessa canoa furada.
Brasil de Fato – O que você destacaria deste
período brasileiro que o governo Lula e agora o governo Dilma ainda não avançou
e que merece urgência?
Fernando Morais – Dois temas me preocupam: a
questão agrária, que está na raiz da maior parte dos problemas sociais
brasileiros, e a democratização dos meio de comunicação. Neste caso, a dupla
formada pelo ministro Franklin Martins e pelo jornalista Ottoni Fernandes,
recentemente falecido, produziu avanços significativos. A mudança nos critérios
de distribuição das verbas publicitárias do governo federal – uma cordilheira
de dinheiro que antes era concentrada nas mãos dos grandes conglomerados de
mídia – foi uma revolução, mas é preciso avançar mais. É preciso não ter medo
de fazer a luta política pela implantação do Marco Regulatório da mídia no
Brasil. Na área eletromagnética – canais de televisão e estações de rádio –
isso chega a ser escandaloso. Um bem social, um bem público, como o sinal de
rádio e tv, é entregue a meia dúzia de famílias e a congressistas sem que a
sociedade tenha qualquer instrumento para cobrar um serviço de qualidade por
parte do concessionário. Vai dar briga? Vai, mas governar é se confrontar com
interesses antagônicos e escolher de que lado você vai ficar.
Brasil de Fato – A mídia brasileira tem se
posicionado cada vez mais como um verdadeiro partido político das elites. Como
você analisa a mídia brasileira?
Fernando Morais – Salvo as exceções de praxe, a
mídia brasileira já é um partido político de direita. Mas uma direita ainda
meio envergonhada, que não tem coragem de se assumir como de direita. Então
isso não aparece no expediente do jornal ou da revista.
Brasil de Fato – O jornal Brasil de Fato está
completando 10 anos. Qual a importância de um veículo como este e qual o papel
fundamental da mídia alternativa/popular no atual cenário brasileiro?
Fernando Morais – Eu estou com o Brasil de Fato desde
o quilômetro zero. Fui voto vencido na reunião de escolha do nome (eu defendia
“Aurora”, nome do cruzador que transportou os bolcheviques na conquista de São
Petersburgo, em 1917). Fui do conselho do jornal durante muitos anos e sou
leitor regular do Brasil de Fato. O jornal funciona como um respiradouro
que nos salva da asfixia produzida pela grande imprensa. É uma pena que
experiências como esta não se multipliquem pelo país.
Brasil de Fato – Em relação ao mercado editorial
brasileiro, esses 10 anos representaram mudanças significativas? Qual tem sido
a influência da internet na produção editorial brasileira?
Fernando Morais – A mudança mais significativa foi
o advento da internet como instrumento de comunicação de massa. O futuro é a
internet, o papel impresso está com os dias contados. E esse fenômeno me parece
muito saudável e democrático – veja a importância que adquiriram os blogueiros
progressistas no enfrentamento com a mídia tradicional. Por isso é importante
ficarmos de olho, porque as grandes empresas de telecomunicações estão se
armando para assumir o controle da web.
Fernando Morais nasceu em Mariana (MG) em 1946. É
jornalista desde 1961. Trabalhou nas redações do Jornal da Tarde, Veja, Folha
de S. Paulo e TV Cultura. Recebeu três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o
Prêmio Abril de Jornalismo. Foi deputado (1978-1986), secretário da Cultura
(1988-1991) e da Educação (1991-1993) do Estado de Sao Paulo. É autor do
roteiro da minissérie documental Cinco dias que abalaram o Brasil, sobre o
suicídio do presidente Getúlio Vargas, exibida pelo canal GNT/Globosat. Antes
de Os últimos soldados da Guerra Fria, escreveu os livros Transamazônica, A
Ilha, Olga, Chatô, o rei do Brasil, Cem quilos de ouro, Corações sujos (Premio
Jabuti – Livro doAno de 2001), Toca dos Leões, Montenegro e O Mago (biografia
do escritor Paulo Coelho, traduzido em dezenas de idiomas). Publicado em mais
de vinte países, em 2004 Olga foi transformado em fi lme pelo diretor Jayme
Monjardim, película vista por mais de cinco milhões de espectadores e indicada
pra representar o Brasil no Oscar de 2005. Fernando Morais faz parte do
Conselho Superior da Telesur, TV pública latino-americana sediada em Caracas,
Venezuela.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/10anos/node/11712
23/01/2013
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