Pesquisar este blog

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

LIMPEZA ÉTNICA EM ISRAEL


Autoridades israelenses reconhecem processo de esterilização de judias etíopes. Na foto, mãe e filha judias de origem etíope passam por entrevista no aeroporto israelense Ben Gurion, perto de Tel Aviv.
Baby Siqueira Abrão correspondente no Oriente Médio

Autoridades israelenses reconhecem processo de esterilização de judias etíopes. Na foto, mãe e filha judias de origem etíope passam por entrevista no aeroporto israelense Ben Gurion, perto de Tel Aviv
O reconhecimento, por parte das autoridades israelenses, da esterilização das mulheres etíopes que professam a religião judaica – e que migram para Israel usando a “lei do retorno” (allyah), segundo a qual todo judeu do mundo pode “voltar” a Israel, mesmo que jamais tenha posto os pés lá – foi manchete em quase toda a mídia internacional, corporativa e independente.

A questão levantou debates intensos em círculos feministas, de direitos humanos, dos direitos da população negra e na sociedade israelense. Uma leitura atenta das cartas dos leitores publicadas na mídia de Israel mostra uma maioria perplexa e crítica, mas houve também quem defendesse a esterilização, e não foram poucos – espelho de uma sociedade política, econômica, social, religiosa e culturalmente bastante diversificada. E dividida.

Mas com um novo Parlamento tomando posse e discussões em torno do futuro primeiro-ministro – Benjamin Netanyhau deve ser eleito para seu segundo mandato consecutivo, e o terceiro não consecutivo –, além do tema recorrente da “ameaça” representada pelo Irã atômico e da “necessidade” de impedir que os iranianos fabriquem bombas nucleares, acabaram pondo um ponto final no debate sobre a esterilização.

Mas isso não significa esquecê-lo. O fato levantou questões importantes sobre o tratamento dispensado a imigrantes pobres e negros – e em particular às mulheres desse grupo. O debate precisa ser retomado pelas sociedades israelense e internacional para evitar que práticas assim, que violam direitos humanos básicos, voltem a ocorrer.

Primeiro alerta

 Na última década, a taxa de natalidade entre as mulheres etíopes de Israel teve uma queda de 50%. Há mais de cinco anos a hipótese da esterilização veio à tona, em consequência dos relatos das etíopes. Pequena parte da mídia israelense noticiou o fato, mas as autoridades de Israel sempre o negaram.

Foi o trabalho da pesquisadora Sabba Reuven, levado ao ar pela jornalista Gal Gabay no programa Vacuum, da TV Educativa de Israel, que escancarou o fato, no início de dezembro de 2012.

As entrevistadas foram claras: são obrigadas a tomar, a cada três meses, as injeções de Depo-Provera, anticoncepcional cujo efeito é de longo prazo. Vacuum chegou a acompanhar uma delas ao posto de saúde – a filmagem, feita sem o conhecimento dos funcionários, tem baixa qualidade e está nublada para evitar o reconhecimento das pessoas envolvidas, mas ainda assim registra a prática. 

O problema maior é que a verdade jamais foi dita a essas mulheres. A esterilização, segundo os relatos delas, começa na Etiópia, nos “campos de trânsito”, nome dos locais para onde são levados os judeus africanos que querem emigrar para Israel.
 “Entre 1980 e 1990 milhares de judeus etíopes passaram meses nesses campos, na Etiópia e no Sudão”, escreveu Efrat Yardai, porta-voz da Associação Israelense de Judeus Etíopes, em artigo para o jornal Haaretz.
 “Centenas morreram apenas porque o país que supostamente devia ser um refúgio seguro para os judeus decidiu que ainda não era a hora certa, ou que eles não poderiam ser absorvidos ao mesmo tempo, ou que não eram judeus o bastante... Quem já tinha ouvido falar de judeus negros?”, ela provoca.
Vida controlada

Para Efrat, as injeções de Depo-Provera são parte da atitude do governo israelense em relação aos imigrantes africanos. Hoje em dia, nos campos de trânsito, os futuros imigrantes são obrigados a enfrentar “uma desorganização burocrática terrível, uma carga que lhes é imposta para que provem que estão aptos a viver em Israel”. Ao chegar ao novo país, de acordo com Efrat, eles passam a receber “tratamento” em centros de assimilação.

As crianças são enviadas a escolas religiosas e incluídas num programa de educação “especial”, enquanto os pais “permanecem em guetos e as mulheres continuam a receber as injeções. [As autoridades] dizem que não temos escolha.

As políticas repressivas, racistas e paternalistas prosseguem – políticas que supostamenteseriam no melhor interesse dos imigrantes, que não sabem o que é melhor para eles”, ironiza ela.

Efrat vai além, afirmando que esse controle completo sobre a vida dos imigrantes é feito apenas em relação aos etíopes e impede que eles se adaptem a Israel. “A desculpa de que eles precisam estar preparados para viver num país moderno levam-nos a um processo de lavagem cerebral que os torna dependentes das instituições estatais de assimilação”, denuncia a porta-voz.

As entrevistadas de Gal Gabay sustentam as denúncias de Efrat Yardai. “Em Adis Abeba [Etiópia] eles marcaram uma reunião conosco (...) Disseram que, se continuássemos tendo muitos filhos, não conseguiríamos emprego em Israel. (...) Disseram que as injeções seriam dadas para evitar esse sofrimento, e que a cada três meses tínhamos de tomá-las”, contou uma imigrante. “E vocês aceitaram tomá-las?”, perguntou a jornalista. “Não. Nós não queríamos tomar. Recusamos. Mas eles disseram que não tínhamos escolha.”

Contracepção forçada

Nenhuma das etíopes sabia qual era a substância injetada em seus corpos. Ninguém as avisou de que o Depo-Provera é um anticoncepcional aplicado apenas em último caso, como na esterilização de mulheres aprisionadas ou que não têm controle sobre as próprias ações. 

Tampouco lhes contaram que o Depo-Provera tem um histórico nada recomendável. Entre 1967 e 1978 a substância foi injetada em 13 mil mulheres (metade negras) da Geórgia, Estados Unidos, que também não sabiam que eram cobaias.

Muitas adoeceram e algumas acabaram morrendo durante o experimento, de acordo com uma pesquisa realizada em 2009 pela Isha L’Isha, organização feminista sediada em Haifa, Israel. A mesma pesquisa apontou que 60% das injeções de Depo-Provera, em Israel, são destinadas às etíopes. 

O segundo grupo mais visado é o de mulheres sob várias formas de custódia. Os efeitos colaterais variam, mas o mais comum é a osteoporose, que fragiliza os ossos e expõe as mulheres ao risco de quebrá-los com frequência.

Coordenadora do projeto Mulheres e Tecnologias Médicas da Isha, Hedva Eyal afirmou que o documento foi encarado com desinteresse pelas autoridades do país e que muitos “batiam a porta na cara” das integrantes da organização. 

“É estarrecedor constatar como os testemunhos das mulheres são rejeitados, em especial os das mulheres pobres e negras”, desabafa Hedva.

As autoridades não levam em contam que “as decisões sobre a saúde e a fertilidade das mulheres podem e devem ser tomadas apenas por elas”, que para isso precisam ter acesso pleno a todas as informações importantes sobre o assunto. “Mas não foi esse o caso, ao que parece”, afirma ela.


Mais sobre o assunto: 
 

Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12072
22/02/2013


Nenhum comentário:

Postar um comentário