Patrícia
Benvenuti da Redação
A trajetória de Jacob Gorender se mistura a alguns
dos principais acontecimentos do país no século 20. Membro do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) por quase três décadas e criador do Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário (PCBR), Gorender foi muito além da militância
prática: tornou-se um dos mais respeitados intelectuais da esquerda brasileira.
Em 20 de janeiro deste ano, Gorender completou 90 anos, marcados por estudo,
lutas políticas e uma vasta produção acadêmica. Em seus diversos livros,
artigos e ensaios, Gorender apresentou ideias até então inéditas sobre o Brasil
e sua formação socioeconômica.
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Jacob Gorender |
Vida
Filho de imigrantes russos judeus, Jacob Gorender
nasceu em 20 de janeiro de 1923 em Salvador (BA), e sua infância foi marcada
por sérias dificuldades econômicas. Começou a trabalhar aos 11 anos, dando
aulas particulares e, aos 17, era arquivista em um jornal chamado O
Imparcial.
Ingressou na faculdade de Direito em 1941 e, em meio a
atividades no movimento estudantil, travou contato com Mário Alves, que já
militava no Partido Comunista Brasileiro. No início de 1942, Gorender tornou-se
o mais novo membro do “Partidão”.
O interesse pela política veio de casa. Em
entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2006, Gorender contou ter
sido influenciado pelas ideias do pai. “Meu pai, particularmente, era um homem
com ideias, digamos assim, esquerdistas. Não tinha formação cultural elevada,
não frequentou academias, era um homem muito simples. Mas gostava de ler e, de
certo modo, a sua posição influiu muito nas minhas atitudes”, afirmou.
Em 1943, aos 20 anos, outra decisão importante na
vida do jovem: alistou-se como voluntário da Força Expedicionária Brasileira
(FEB) para combater o nazi-fascismo na 2ª Guerra Mundial. Ao retornar ao
Brasil, em 1945, encontrou o Partido Comunista na legalidade. Instalou-se por
um período no Rio de Janeiro, onde conheceu Luís Carlos Prestes.
Depois de
alguns meses, retornou a Salvador, onde decidiu abandonar de vez a graduação em
Direito. Com isso, passou a dedicar-se integralmente à militância política,
tornando-se membro do secretariado do Comitê Municipal do PCB, em Salvador.
Em 1946, mudou-se novamente para o Rio de Janeiro,
onde integraria a redação do jornal Classe Operária, órgão central do
Partido Comunista. Em 1955, outra viagem internacional: Gorender foi à União
Soviética para participar de um curso da escola superior do Partido Comunista
soviético.
Ali, os estudantes tinham lições de materialismo
dialético, economia, política, história do movimento operário mundial, dentre
outros pontos. Gorender integrava uma turma com 50 brasileiros, coordenada por
Maurício Grabois.
Gorender permaneceu na URSS por dois anos e, ao
retornar ao Brasil, seguiu com a militância no Comitê Central do PCB – do qual
se tornaria membro efetivo em 1960. Em 1964, com o golpe militar, Gorender
passou a atuar na clandestinidade.
Com a solidariedade dos amigos, pode continuar com
seus estudos. Valdizar Pinto do Carmo e sua companheira, Sonia Irene do Carmo,
haviam conhecido Gorender em 1960, durante um encontro de estudantes militantes
do PCB. Alunos da Universidade de São Paulo (USP), o casal facilitava o acesso
de Gorender aos livros. “Para dar apoio a ele, levantávamos bibliografia sobre
o período estudado e retirávamos das bibliotecas os materiais que ele
indicava”, recorda Valdizar.
A esta altura, conta o amigo, Gorender estava
interessado sobretudo na história do período colonial do Brasil. O intelectual
permaneceu no PCB até 1968, quando saiu da organização para fundar o Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), ao lado de Mário Alves, Apolônio de
Carvalho e outros comunistas.
Prisão
Em 1970, Gorender passou por uma de suas
experiências mais marcantes: foi preso em São Paulo por agentes do Esquadrão da
Morte, chefiado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, e levado ao Departamento
de Ordem Política e Social (Dops), onde foi torturado. O destino de Gorender
foi o presídio Tiradentes.
Nesse momento, tinha 47 anos, muitos a mais que
seus colegas de prisão – a maioria na casa dos 20. Ali, passou a dedicar-se
ainda mais aos livros. Quem o ajudou na missão foi sua companheira, Idealina, que
levava, nos dias de visita, as obras pedidas pelo marido.
Graças a Gorender, a cela tornou-se um ambiente de
difusão de conhecimento, como conta o jornalista e escritor Alipio Freire. “O
Jacob sempre organizou debates para a gente na cela. Ele começou com o hábito
de incentivar os presos que tinham mais informação a expô-la para os outros.
Alguns ensinavam francês, outros história, era todo tipo de conhecimento”,
salienta.
Gorender em seguida organizou um curso sobre
história econômica do Brasil, ministrado todas as segundas-feiras à noite em
sua cela. A atividade era “concorrida” na cadeia, como relembra o jornalista e
artista plástico Sérgio Sister. “O Jacob era a grande personalidade da cadeia.
Nós aprendemos muito com ele”, afirma.
O curso sintetizava algumas das ideias que Gorender
defenderia em sua tese O Escravismo Colonial, que viria a ser lançado em
1978 pela editora Ática.
Legado
Jacob foi libertado da prisão cerca de dois anos
depois, quando passou a se dedicar integralmente ao trabalho de tradutor e a
investigar a realidade brasileira. Uma das principais qualidades do
intelectual, para Sérgio Sister, era o rigor que dedicava aos seus objetos de
estudo.
“O Jacob é uma das figuras da esquerda brasileira
que sempre exigiu rigor no estudo e na apreciação das questões. Ele tinha muita
preocupação com o conhecimento da realidade brasileira, em não deixar a coisa
no ‘chute’ ou no romantismo”, destaca.
Por questões de saúde, Jacob Gorender não pôde
conversar com a reportagem do Brasil de Fato. No entanto, os amigos e
companheiros de militância ressaltam a importância do pensador para suas
trajetórias e seu papel como educador.
“O Jacob é um dos caras mais sérios e lúcidos para
analisar a realidade brasileira e os nossos problemas como militantes
comunistas, o que queremos para nós mesmos e para a sociedade brasileira. Ele
foi muito importante para aquela geração, para quebrar alguns mitos da verdade
absoluta de sempre”, diz Alipio Freire.
Autodidata, Jacob Gorender permaneceu à margem do
campo acadêmico durante muitas décadas. Somente em 1994, aos 71 anos, seu
mérito foi reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA).
Mais
sobre o assunto:
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/11963
15/02/2013
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